Capítulo 5: Inconfidência e Confiança Mello discou o número de Mihael no táxi, sentindo o alívio do plano de mudança e a excitação da promessa de Paris. A semana havia sido um teste de resistência, mas ele tinha passado. Ele tinha um futuro concreto. “Oi, Mihael. Estou no táxi, voltando para casa agora,” Mello disse quando Mihael atendeu. “Finalmente,” Mihael respondeu. O tom dele ainda carregava o cansaço e a mágoa da noite anterior. “O dia foi melhor?” “Foi um dia longo, mas sim, muito melhor,” Mello afirmou. Ele não queria dar muitos detalhes sobre a manhã na sala de César, ou o encontro com Jean-Pierre, antes de chegar em casa. Ele precisava ser cuidadoso com o que dizia. “O plano de mudança está concretizado. Vou para o terceiro andar na segunda-feira. Falei com o primo de César, Lucca. Ele é o diretor de Arquivo e Pesquisa Histórica, e ele disse que a área é muito silenciosa.” “Terceiro andar,” Mihael repetiu, a voz dele estava um pouco mais aliviada. “Pelo menos não é o cubículo barulhento.” “Exatamente. E o mais importante, não é na sala de César. Isso deve acalmar o Conselho e a imprensa. E você,” Mello acrescentou, tentando injetar leveza na voz. Mihael soltou um suspiro audível. “Isso é um alívio. Eu não aguentaria mais uma matéria sobre ‘jovem protegido’ na capa.” Mello chegou ao prédio, pagou o táxi e subiu para o apartamento. Ele abriu a porta, encontrando Mihael na sala, dobrando roupa limpa. “Estou exausto,” Mello disse, deixando a pasta no chão e tirando o blazer. Mihael olhou para Mello. Ele não parecia mais bravo, mas a tensão ainda pairava ao redor dele. “Eu sei que está. Você estava lá desde as sete,” Mihael disse. “Eu fiz o jantar. Sopa de tomate e queijo grelhado. Coisa fácil.” Mello apreciou o gesto. Ele caminhou até Mihael e beijou-o rapidamente na bochecha. Mihael não reagiu muito, mas também não se afastou. “Obrigado. Eu preciso de comida. E de um banho rápido,” Mello disse. Eles jantaram em silêncio. Mello tentou contar sobre o novo plano de trabalho e a promessa de Paris, mas Mihael estava quieto, apenas assentindo e comendo. Mello decidiu que a noite não era o momento certo para revelar a viagem, não quando Mihael ainda estava se recuperando do choque da fofoca. Mello se deitou na cama, sentindo-se um pouco mais seguro sobre o futuro do trabalho. Ele tinha a solução para o problema de Mihael, a mudança de mesa, e ele tinha a motivação para o seu próprio trabalho, a promessa de Paris. Ele adormeceu rapidamente. *** Os dias seguintes passaram rapidamente. Mello continuou a trabalhar na sala de César, mas com uma cautela redobrada. Ele e César evitaram qualquer contato visual prolongado e mantiveram as conversas estritamente profissionais. Mello se concentrou em cada tarefa, garantindo a perfeição em seus relatórios e anotações. Ele precisava garantir que César não tivesse motivos para duvidar da sua utilidade. Na segunda-feira, Mello chegou ao escritório de César às sete e vinte, como de costume. “Bom dia, César. Trouxe o seu café,” Mello disse, entregando a xícara. César pegou o café. “Bom dia, Mello. A lista está na impressora. Você tem o endereço do terceiro andar, certo?” “Sim. Eu liguei para Lucca na sexta. Ele me espera lá,” Mello respondeu. Mello pegou a lista de tarefas, que tinha vinte e oito itens. Ele olhou para a sua mesa, que agora parecia estranhamente provisória. Ele guardou o notebook e a pasta, sentindo uma mistura de ansiedade e alívio. “Lembre-se da regra,” César disse, olhando para Mello. “Você é meu secretário, mas Lucca é o seu supervisor imediato para fins de localização. Use o e-mail e o telefone. Eu não quero você aqui, a menos que seja para entregar documentos importantes ou pegar a lista.” “Entendido, César. Distância profissional,” Mello confirmou. Mello saiu do escritório, e desta vez, o corredor parecia mais aberto. Ele desceu para o terceiro andar, encontrando a ala de Arquivo e Pesquisa Histórica. Era silencioso, com grandes estantes de livros e arquivos. Ele encontrou o escritório de Lucca, que era um homem de quarenta e poucos anos, com óculos e um sorriso cansado. “Mello. César me falou de você,” Lucca disse, estendendo a mão. Lucca tinha a mesma estrutura óssea de César, mas com uma aura mais calma e menos imponente. “Prazer em conhecê-lo,” Mello disse, apertando a mão de Lucca. Lucca conduziu Mello para uma mesa em um canto da sala, longe de qualquer janela que pudesse atrair fotógrafos. “Seu telefone e computador estão configurados. O desvio de chamadas do César está ativado aqui. Você está em um canto que ninguém vê,” Lucca explicou. “Meu trabalho é principalmente pesquisa. Eu preciso de silêncio. Você pode ter todo o silêncio que precisar para o trabalho de César.” Mello sentou-se na cadeira, ligando o computador. O ambiente era drasticamente diferente do caos do vigésimo quinto andar, e do silêncio opressor da sala de César. Ali, ele podia se concentrar. A rotina de Mello se transformou. Ele passava as manhãs na sala de Lucca, trabalhando intensamente nas tarefas de César. Ele enviava os e-mails e organizava os documentos digitalizados. Ele se comunicava com César por e-mail, e apenas ocasionalmente subia para o vigésimo quinto andar para reuniões rápidas ou para entregar documentos assinados. A distância física trouxe a Mihael o alívio que ele precisava. Mihael parou de questionar Mello sobre o trabalho, e as noites em casa se tornaram mais tranquilas. Mello ainda trabalhava longas horas, mas ele conseguia separar o trabalho da vida pessoal de uma forma que não conseguia quando estava na sala de César. *** Quatro meses se passaram. Mello havia se adaptado completamente à sua rotina no terceiro andar. Ele tinha se tornado ainda mais eficiente, usando o silêncio e a tranquilidade do ambiente para otimizar o tempo. César, por sua vez, estava satisfeito. A imprensa de fofocas havia esfriado, não encontrando mais material para a história de romance, e o Conselho havia parado de ligar. Mello se concentrava em sua meta: Paris. Ele tinha aprimorado o trabalho para César. Ele já sabia o que César ia pedir antes que César pedisse. Ele antecipava as necessidades, organizava a agenda com precisão cirúrgica e escrevia os e-mails com o tom profissional e direto que César exigia. César começou a relaxar. A falácia abafada da imprensa permitiu que ele voltasse a tratar Mello com a familiaridade que tinham antes, mas de uma forma mais sutil. Quando Mello subia para o vigésimo quinto andar para pegar a lista, César dedicava alguns minutos para conversas não relacionadas ao trabalho. Em uma terça-feira de outono, Mello subiu para o vigésimo quinto andar. César estava no telefone, mas sinalizou para Mello esperar. Mello esperou, olhando para a sala que um dia tinha sido o seu local de trabalho. César desligou o telefone. “O Conselho finalmente parou de se estressar,” César disse, olhando para Mello com satisfação. “Eles viram que o plano funcionou. Você no terceiro andar, e a fofoca desapareceu. Você lidou com a situação com maturidade, Mello.” “Eu só fiz o meu trabalho, César,” Mello respondeu, mantendo a calma. César sorriu levemente. “O que me lembra: a Mostra de Moda de Paris é daqui a um mês. Eu preciso que você comece a organizar a logística da viagem.” Mello sentiu a adrenalina correr. Paris estava a apenas um mês de distância. “Claro. Preciso de detalhes sobre datas e acomodações,” Mello disse. “Eu te enviarei os e-mails com as informações do hotel e dos eventos. Mas há uma coisa que você precisa cuidar pessoalmente,” César disse. Ele pegou um envelope grosso de cima da mesa. “Suas roupas.” César entregou o envelope a Mello. Mello pegou o envelope, sentindo o papel de alta qualidade. “Roupas?” Mello perguntou. “Sim. Você não pode ir para o evento da Solitare com roupas de prateleira. Eu contratei Jean-Pierre para criar um guarda-roupa para você. Você fará duas provas, a primeira na próxima semana. O envelope tem o cartão de contato do assistente dele, Pierre,” César explicou. “Você será meu representante, Mello. Você precisa ter a aparência adequada.” Mello olhou para o envelope, sentindo o peso da expectativa. “Eu farei o que for preciso,” Mello disse. César assentiu, voltando para o computador. “A lista está na impressora. Vá para o seu buraco silencioso e comece a trabalhar.” Mello saiu da sala, segurando o envelope com firmeza. Ele desceu para o terceiro andar, sentindo-se a um passo de alcançar sua meta. Com o tempo, a comunicação entre Mello e César por e-mail se tornou mais informal. César começou a adicionar comentários pessoais e piadas sutis, tratando Mello como um aliado, não apenas um subordinado. Mello estava no terceiro andar, terminando o resumo de um contrato, quando o telefone tocou. Era César. “Mello, eu estou no meio de um desastre de mídia. A modelo principal para a capa de dezembro cancelou. Ela teve um surto no aeroporto,” César disse, a voz dele estava tensa, mas familiar. “O que posso fazer, César?” Mello perguntou, pegando o bloco de notas. “Eu preciso que você encontre a lista de modelos substitutas que Teresa me enviou. Ela está em algum lugar na minha mesa, provavelmente debaixo de uma pilha de documentos. É um papel rosa,” César explicou. “Eu não tenho tempo para revirar a bagunça.” Mello hesitou. Ele não gostava de ir à sala de César sem ser chamado para pegar a lista. “Eu posso subir e procurar,” Mello disse. “Faça isso. E seja rápido. A editora de moda está surtando no meu ouvido,” César respondeu. Mello subiu para o vigésimo quinto andar. Ele abriu a porta do escritório de César, encontrando César no telefone, gesticulando com impaciência. Mello caminhou até a mesa de César. Ele começou a revirar as pilhas de documentos, procurando o papel rosa. “Sim, sim, eu sei que ela é a única que funciona, mas ela está na reabilitação agora! O que você quer que eu faça, vá buscá-la em um helicóptero?” César falava alto no telefone. Mello encontrou o papel rosa. Ele pegou a lista, olhando para os nomes. César desligou o telefone com força. Ele olhou para Mello. “Você encontrou?” César perguntou, a voz dele estava um pouco mais calma agora. “Sim. Aqui está a lista de substitutas. Devo digitalizar e enviar para a editora de moda?” Mello perguntou. “Não. Apenas leia os nomes. Eu preciso de uma decisão rápida. Eu não confio no gosto de Teresa,” César disse, esfregando a testa. Mello leu os nomes: “Eliza Brandt, Sarah Chen, e Ava Jones.” “Ava Jones,” César repetiu. “Ela é a que está na campanha da Chanel. Ela é perfeita. Liga para o agente dela agora. Ofereça o que for preciso. Mello, resolva isso. Eu preciso de uma solução em vinte minutos.” Mello assentiu. “Vou voltar para o terceiro andar e fazer a ligação.” César parou Mello com um gesto. “Não. Faça aqui. Eu preciso de você no circuito. Se o agente disser ‘não’, eu preciso que você me diga imediatamente para que eu possa ligar para a Emily. Ela sabe como negociar com o agente da Ava.” Mello sentou-se na cadeira que costumava ser dele, ao lado da mesa de César. Ele discou o número do agente de Ava Jones. Enquanto Mello negociava a taxa de Ava Jones, César ouvia, trabalhando no computador. Mello falou com o agente, mantendo o tom profissional e firme. O agente pediu uma taxa alta, mas Mello usou as táticas de negociação que tinha aprendido observando César. Ele conseguiu fechar o acordo em um valor aceitável. “César, consegui. Ava Jones aceitou. O contrato será enviado para revisão em uma hora,” Mello disse, desligando o telefone. César olhou para Mello, um sorriso de satisfação. “Bom trabalho, Mello. Você é um negociador melhor do que eu esperava.” Mello sentiu o elogio. “Obrigado. Devo voltar para o terceiro andar?” “Não. Fica mais um pouco. O Conselho de Investidores vai ligar em dez minutos. Eu preciso que você faça anotações. Eles são irritantes, e eu preciso de um resumo detalhado de cada queixa,” César disse. Mello ficou na sala, e por mais duas horas, ele trabalhou ao lado de César, como nos primeiros dias. César tratou Mello como um par, discutindo as estratégias de mídia e a política interna da Solitare. “Você sabe, Mello, às vezes eu esqueço que você está no terceiro andar,” César comentou, depois que a ligação do Conselho terminou. “Você é o único que consegue acompanhar o ritmo e me manter no caminho certo.” “Eu me esforço para ser útil, César,” Mello respondeu. “Você é mais do que útil. Você é essencial,” César disse. Ele olhou para Mello com uma expressão que Mello não conseguia decifrar. “Você deve voltar para o seu posto. Mas se eu precisar de você, eu ligo, e você sobe imediatamente. Eu não me importo mais com a percepção do Conselho. Sua eficiência é mais importante.” Mello sentiu um frio na espinha. César estava arriscando a reputação da empresa, novamente, por causa da sua eficiência. “Entendido, César,” Mello disse. Mello voltou para o terceiro andar, sentindo a proximidade de César, e a mudança na dinâmica deles. *** À medida que o tempo para a viagem se aproximava, César ficou mais aberto com Mello. As conversas se estenderam para além do trabalho, com César contando anedotas sobre a história da Solitare e sobre a vida dele em Nova York. Ele tratava Mello como um confidente, um amigo que estava ali para ouvi-lo. Mello havia se tornado a sombra de César, mesmo à distância. Ele estava sempre disponível, sempre eficiente. A primeira prova de roupa com Jean-Pierre foi um turbilhão de tecidos e espelhos. Mello se sentiu desconfortável no início, mas a visão das roupas de alta costura, feitas sob medida para ele, era fascinante. Jean-Pierre o vestiu com ternos elegantes, camisas de seda e casacos de cashmere mas o estilista sempre reagia com descontentamento, depois de muito tempo sentiu a derrota e vestiu Mello com um vestido da Chanel e soltou seu primeiro sorriso, aparentemente era um vestido da coleção de 83's baseada na coleção de bonecas de uma tal garota que era filha de alguem importante. “Você tem a estrutura perfeita para a moda, Mello. César tem bom gosto,” Jean-Pierre disse, enquanto ajustava uma das mangas. Mello ligou para Mihael naquela noite, tentando compartilhar a excitação. “Você não vai acreditar nas roupas. Jean-Pierre está fazendo um guarda-roupa inteiro para mim. Eu pareço um modelo,” Mello disse. “Isso é ótimo, Mello. Mas você vai passar a semana toda em Paris com o seu chefe, vestindo roupas caras. Quando nós vamos ter um tempo de verdade? Você disse que as coisas iam melhorar,” Mihael perguntou, a voz dele estava pesada. Mello suspirou. “Vão melhorar, Mihael. Depois de Paris, tudo volta ao normal. Eu vou tirar uma semana de folga e nós podemos viajar.” “Viajar? Você não consegue nem jantar comigo sem checar o e-mail a cada cinco minutos,” Mihael disse. A discussão terminou com um silêncio tenso. Mello desligou, sentindo-se culpado, mas determinado a não ceder. Paris estava ali. *** Faltavam duas semanas para a Mostra de Moda. Mello estava no auge da sua eficiência. Ele havia finalizado a logística da viagem, organizado os documentos e memorizado o cronograma de César em Paris. César ligou para Mello no terceiro andar. “Mello, eu preciso de um favor pessoal. Meu relógio quebrou. É um Patek Philippe. Eu preciso que você o leve para o relojoeiro no Upper East Side. Não confio em mais ninguém para fazer isso.” Mello sentiu a intimidade do pedido. Levar o relógio de luxo de César para consertar. “Claro, César. Eu subo agora para pegar,” Mello disse. Mello subiu e pegou o relógio. O relógio era pesado e brilhante. “E Mello, volte para o terceiro andar depois. Eu não quero que você gaste tempo com isso. O motorista vai te levar e te buscar no relojoeiro,” César disse. Mello saiu do prédio, sentindo-se um mensageiro importante. Ele estava trabalhando para César de uma forma que ia além das tarefas administrativas. O motorista levou Mello para o Upper East Side. Mello deixou o relógio para conserto e voltou para a Solitare, voltando para o terceiro andar para terminar as tarefas do dia. *** O dia havia sido particularmente longo e estressante. Mello tinha passado o dia organizando os convites de última hora para a Mostra, ligando para embaixadas e confirmando detalhes de segurança. Ele chegou em casa às oito e meia da noite, exausto. Ele abriu a porta do apartamento e viu Mihael na sala. Mihael estava sentado no sofá, olhando para o celular, e o apartamento estava silencioso. Mello jogou a pasta no chão, tirando o blazer. “Estou morto. O dia foi insano. Tive que ligar para cinquenta pessoas diferentes sobre os convites de Paris.” Mihael levantou a cabeça. Ele não sorriu. A expressão dele era fria. “Eu sei que o dia foi insano. Você me ligou três vezes para perguntar se eu tinha visto um documento que estava na sua mesa no terceiro andar,” Mihael disse, a voz dele estava tensa. Mello respirou fundo. Ele não tinha percebido que havia envolvido Mihael no caos do trabalho. “Desculpe. Eu estava sob pressão. César estava me ligando a cada cinco minutos,” Mello disse, caminhando para a poltrona. “Você percebe que faz quatro meses que você está no terceiro andar, e nós não tivemos um único encontro decente? Nenhum jantar sem interrupção? Nenhum filme que você tenha assistido até o fim?” Mihael perguntou. Ele colocou o celular na mesa de centro. “Eu pedi folga no meu trabalho para podermos ter um fim de semana normal. E você me disse que tinha que trabalhar na logística de Paris.” Mello sentiu a frustração de Mihael. Ele estava sendo injusto, mas Mello estava focado demais no trabalho para perceber. “Eu sei, Mihael. Eu sinto muito. Mas faltam duas semanas para Paris. Eu não posso falhar agora. Eu não posso dar a César um motivo para dizer que eu sou dispensável,” Mello argumentou. Mihael levantou-se do sofá. Ele caminhou até a janela. “Você não é dispensável. Você é o Mello. O meu namorado. Mas eu me sinto como se estivesse namorando um robô que só fala sobre o chefe dele, sobre as tarefas dele, e sobre o quanto ele está exausto,” Mihael disse. Ele virou-se para Mello. “Eu estou cansado de estar em segundo plano. Eu pensei que a distância física ia ajudar, mas não ajudou em nada. Você ainda está obcecado por ele.” “Eu não estou obcecado por ele. Eu estou focado na minha meta. Você sabe o quanto esse emprego é importante para nós,” Mello disse, levantando-se da poltrona. “A meta,” Mihael repetiu, com desdém. “Qual é a sua meta, Mello? O que você está ganhando com toda essa dedicação?” “Paris. Um aumento de salário, o reconhecimento. Eu vou para Paris com César. É a chance da minha vida,” Mello disse, e as palavras saíram rapidamente. Mihael franziu a testa. “Paris? Que Paris?” Mello parou. Ele percebeu o erro que tinha cometido. Em todo o caos e a tensão dos últimos quatro meses, ele havia esquecido de contar a Mihael sobre a promessa de César. “Eu não te contei?” Mello perguntou. “Não, Mello. Você não me contou que estava indo para a Europa com o seu chefe. Você me contou sobre o relógio dele, sobre as negociações com a modelo, mas não sobre a sua ‘meta’ principal,” Mihael disse, a voz dele estava subindo. Mello caminhou até Mihael. “É a Mostra de Moda anual da Solitare. César leva o secretário principal. Ele me prometeu que se eu aguentasse a pressão e mantivesse a eficiência, ele me levaria. Tudo pago pela empresa. É daqui a duas semanas.” Mihael olhou para Mello, e Mello viu a mágoa e a traição nos olhos dele. “Você estava planejando uma viagem internacional com o seu chefe, e eu sou o último a saber. Eu sou seu namorado, Mello,” Mihael disse, a voz dele era um sussurro de desapontamento. “Eu sinto muito. Eu estava esperando o momento certo. Eu queria que a tensão diminuísse,” Mello tentou se explicar. “Não existe momento certo, Mello. Existe honestidade. E você não foi honesto,” Mihael disse, balançando a cabeça. “Você me prometeu que ia traçar uma linha, mas você está cavando um buraco entre nós com a sua dedicação a esse homem.” “Eu estou construindo uma carreira, Mihael! Eu estou garantindo a nossa estabilidade financeira. Você sabe que a hipoteca é pesada,” Mello argumentou. “E o que eu sou nessa equação, Mello? Eu sou apenas o cara que espera você chegar em casa, exausto, para falar sobre o seu chefe?” Mihael perguntou. Ele pegou o celular na mesa e colocou-o no bolso da calça. “Eu não aguento mais isso.” Mihael olhou para Mello, e a expressão dele se tornou determinada, dolorosa. “Eu pensei que você ia mudar. Eu pensei que quando a fofoca acabasse, e você estivesse mais longe dele, você voltaria a ser o Mello que eu conhecia,” Mihael disse. “Mas você não voltou. Você se tornou ainda mais apegado a ele, à aprovação dele, à promessa dele.” Mello sentiu o pânico. “Mihael, não diga isso.” “Eu preciso dizer isso. Eu estou no meu limite. Eu não sou mais feliz. Eu estou em um relacionamento com alguém que está sempre ausente, sempre estressado, sempre focado em outra pessoa,” Mihael disse. Ele olhou Mello de cima a baixo. “Eu não reconheço você. Você não é mais o garoto sensível que eu conheci. Você é o secretário perfeito de César Marchetti.” Mihael deu um passo para trás. “Eu não posso fazer isso mais. Eu não posso mais ser a sua segunda opção, a sua válvula de escape.” Mello sentiu o mundo girar. “Você está terminando comigo por causa do meu emprego?” “Eu estou terminando com você porque você escolheu o seu trabalho e o seu chefe em vez de mim, Mello. Eu te dei uma chance, eu te dei quatro meses. Mas você não traçou a linha. Você apagou a nossa,” Mihael disse. Mihael caminhou em direção ao quarto, parando na porta. “Eu vou ficar na casa de um amigo por uns dias. Eu preciso de espaço,” Mihael disse. “Mihael, por favor. Não faça isso. Eu te amo,” Mello implorou. Mihael olhou para Mello, e a dor em seu rosto era evidente. “Eu também te amo, Mello. Mas eu amo o Mello que eu conhecia. E esse Mello se perdeu em Paris,” Mihael disse. Mihael entrou no quarto e fechou a porta. Mello ouviu o som de uma mala sendo aberta. Mello sentou-se na poltrona, sentindo a exaustão se transformar em desespero. Ele tinha perdido Mihael por causa do emprego que ele lutava tanto para manter. Mello esperou na sala, ouvindo Mihael se mover no quarto. Depois de quinze minutos, Mihael saiu, segurando uma mochila e uma mala pequena. Ele estava vestindo um casaco. Mihael não olhou para Mello. Ele abriu a porta e saiu do apartamento, fechando a porta atrás dele. O silêncio voltou, mas era um silêncio oco, pesado com a ausência de Mihael. Mello sentou-se na poltrona, sem se mover, olhando para a porta. Ele passou a noite na sala, sem conseguir dormir. Ele não conseguia acreditar que Mihael havia ido embora. *** O despertador tocou às seis da manhã. Mello não tinha dormido. Ele estava pálido e sentia um nó na garganta. Ele se levantou e foi para o banheiro. Ele se olhou no espelho, e viu a exaustão. Ele se vestiu com o casaco que Mihael mais gostava, um cinza claro. Ele preparou o café e comeu uma fruta, mas a comida parecia papel em sua boca. Ele saiu do apartamento às sete. A viagem de ônibus foi um borrão. Ele pensava nas palavras de Mihael: *Você não é mais o garoto sensível que eu conhecia.* Ele chegou ao prédio da Solitare às sete e vinte. Ele subiu para o vigésimo quinto andar, sentindo a vontade intensa de chorar. Ele não podia chorar. Ele tinha que ser eficiente. Ele tinha que trabalhar. Ele entrou no escritório de César. César estava sentado à mesa, lendo um jornal. “Bom dia, Mello. Você está no horário,” César disse, sem levantar a cabeça do jornal. Mello colocou o café na mesa de César. “Bom dia, César.” Mello foi para a sua mesa, ligando o computador. Ele pegou a lista na impressora. Trinta e três tarefas. Mello tentou se concentrar no primeiro item: *Revisar o contrato de Ava Jones.* Ele olhou para a tela do computador, mas as palavras não faziam sentido. Ele encostou-se na cadeira, fechando os olhos. César percebeu o silêncio incomum. Ele dobrou o jornal e olhou para Mello. “Mello? O que está acontecendo? Você está pálido,” César perguntou. Mello tentou falar, mas a voz dele falhou. Ele abriu os olhos, olhando para César. “Eu não dormi,” Mello disse, a voz dele era um sussurro. César levantou-se da cadeira. Ele caminhou até Mello. “O que aconteceu?” César perguntou. Mello não conseguia mais segurar. As palavras saíram em um turbilhão. “Mihael foi embora. Ele terminou comigo ontem à noite. Ele disse que eu não sou mais o garoto que ele conhecia. Ele disse que eu escolhi você e o trabalho em vez dele,” Mello disse, e as lágrimas escorreram pelo rosto. Mello abaixou a cabeça, envergonhado. Ele estava chorando na frente de César Marchetti. César ficou em silêncio por um momento. Ele não disse nada, apenas esperou que Mello se acalmasse um pouco. “Levante a cabeça, Mello,” César disse, a voz dele era calma. Mello levantou a cabeça. Ele enxugou as lágrimas com a mão. “Desculpe, César. Eu não deveria ter feito isso aqui,” Mello disse, sentindo-se um fracasso. César sentou-se na ponta da mesa de Mello. Ele olhou para Mello com uma seriedade que Mello nunca tinha visto antes. “Mello, o mundo em que vivemos não é feito para casais,” César disse. Ele falava devagar, as palavras eram calculadas. “Mihael é um lastro. Ele te puxa para baixo com as emoções dele, com as necessidades dele.” Mello olhou para César. Ele não podia acreditar no que César estava dizendo. “Ele me amava,” Mello disse. “Claro que amava. Mas o amor é um luxo, Mello. E você está no caminho para o sucesso. O sucesso exige sacrifício. Exige que você esteja sozinho, focado, e não distraído por quem te ama,” César disse. César continuou, olhando Mello nos olhos. “Eu passei pela mesma coisa. Quando eu estava construindo a Solitare, eu perdi amigos, perdi relacionamentos. Porque essas pessoas não entendiam que o mundo é feito para quem está disposto a pagar o preço.” “O preço é a solidão?” Mello perguntou. “O preço é o foco. O preço é a excelência. Se você quer Paris, se você quer o aumento, se você quer ser alguém neste mundo, você não pode ter Mihael. Ele te faria desistir. Ele te faria voltar para a mediocridade,” César disse. Ele gesticulou para a lista de tarefas. “Ninguém que constrói um império faz isso com alguém chorando em casa, exigindo atenção.” Mello absorveu as palavras. Ele pensou na exaustão de Mihael, no ciúme, na ultimato. Mihael tinha tentado puxá-lo para a vida pessoal, para longe da dedicação que César exigia. “Você é um dos secretários mais eficientes que eu já tive. Você tem potencial, Mello. Não jogue isso fora por causa de um homem que não consegue entender a importância da sua carreira,” César disse. Ele levantou-se da mesa. “Chore se precisar. Mas chore rapidamente. Porque o sucesso só vem para quem consegue ter sucesso sozinho.” César caminhou de volta para a sua mesa, pegou o jornal, e começou a ler. Mello enxugou as lágrimas. Ele sentiu um novo tipo de determinação. César estava certo. Mihael tinha sido um obstáculo. Ele precisava ser forte, e precisava se concentrar no que realmente importava: o trabalho. Mello sentou-se mais ereto na cadeira. Ele olhou para a lista de trinta e três tarefas. Ele respirou fundo, afastando a dor de Mihael. Ele ligou o computador. Mello clicou no primeiro item: *Revisar o contrato de Ava Jones.* Ele começou a ler o contrato, as palavras agora claras e focadas. Ele tinha que ser o secretário perfeito. Ele tinha que ir para Paris. Ele olhou para César, que estava absorto na leitura do jornal. Mello sentiu um alívio estranho. César tinha dado a ele a permissão para ser egoísta, para ser focado. Ele se sentiu melhor. Ele se sentiu livre da culpa de Mihael. Mello se concentrou no trabalho. Ele abriu o arquivo e começou a fazer as anotações sobre o contrato, determinado a provar que César estava certo. Ele tinha que ser bem-sucedido sozinho. Ele tinha que ir para Paris. Ele revisava a cláusula de confidencialidade, a mente clara. “César, a cláusula de uso de imagem precisa ser revisada. O agente dela está tentando incluir uma limitação de tempo que não é padrão para a Solitare,” Mello disse, com a voz firme. César abaixou o jornal. “Ótimo. Corrija isso. E Mello,” César disse. Mello olhou para César. “O sucesso é um jogo de um jogador,” César disse. Ele levantou o jornal novamente, voltando a ler. Mello voltou para o contrato, sentindo-se já exausto, mas com uma determinação fria. Ele não podia parar agora. Ele estava livre para ser o secretário perfeito. Ele iria para Paris.

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