Capítulo 3: Rumores e Mudanças de Mesa
O despertador tocou às seis da manhã. Mello abriu os olhos e viu Mihael dormindo ao lado dele, respirando calmamente. Ele levantou-se da cama, movendo-se com cuidado para não acordar o namorado. O corpo estava menos dolorido hoje do que no dia anterior. A satisfação de ter atingido a meta de César no dia anterior lhe dera um descanso mais profundo.
Mello tomou banho, vestiu uma camisa social limpa que comprara às pressas na noite anterior e calças sociais. Voltou para a cozinha, preparou café, e comeu uma fruta enquanto revisava as anotações do relatório de vendas que César pedira para ele aprender. Ele precisava absorver o máximo de informação possível para o caso de César o testar.
Mihael apareceu na porta do quarto, vestindo apenas a calça de moletom que Mello lhe emprestara. Ele esfregou os olhos.
"Você já está indo?" Mihael perguntou, a voz rouca pelo sono.
"Tenho que estar lá às sete e meia," Mello respondeu, fechando o notebook. Ele pegou a pasta na cadeira.
"Você poderia tirar pelo menos quinze minutos," Mihael disse, caminhando até ele.
"Eu mal consegui fazer as trinta tarefas de ontem, Mihael. Não posso chegar atrasado. César me disse que a lista de hoje seria do mesmo tamanho." Mello deu um beijo rápido na testa de Mihael. "Eu te mando mensagem mais tarde. Ajude-se com o que tiver na geladeira."
Mihael suspirou, mas não insistiu. "Tudo bem. Tenha um bom dia."
Mello saiu do apartamento. A viagem de ônibus foi novamente longa e cansativa, mas ele usou o tempo para revisar a lista de tarefas incompletas de ontem, planejando como as abordaria primeiro. Ele se lembrou da discussão com Mihael na noite anterior, mas a necessidade de provar seu valor na Solitare superava qualquer frustração pessoal.
Chegou ao prédio da Solitare às sete e vinte. Subiu pelo elevador até o vigésimo quinto andar. O corredor estava silencioso, como sempre acontecia antes das oito. Mello entrou no escritório principal.
César já estava sentado à sua mesa, lendo um tablet. Ele usava um blazer escuro sobre uma camisa branca, e não havia gravata. Ele olhou para Mello quando Mello colocou a pasta na mesa.
"No horário," César notou.
"Sempre." Mello foi até a cafeteira no canto e começou a preparar o café seguindo a proporção de três colheres de pó por litro de água, como César havia instruído. Ele já fazia isso de forma automática.
Enquanto a água esquentava, Mello ligou o computador. Ele se sentou e começou a ler os e-mails, organizando a caixa de entrada de César.
A cafeteira apitou. Mello encheu as duas xícaras. Ele levou a xícara de César para a mesa, sem açúcar. César pegou a xícara sem desviar o olhar do tablet.
"Lista na impressora," César disse.
Mello caminhou até a impressora na estante lateral e pegou a folha. A lista de hoje tinha trinta e dois itens. Mello respirou fundo. Dois a mais que ontem. Ele não demonstrou surpresa ou desânimo, apenas olhou para a lista, mentalmente planejando o ataque.
"Reunião com a equipe de marketing às dez. Você vai acompanhar e fazer as anotações detalhadas," César informou.
"Certo." Mello pegou a caneta e riscou o primeiro item: "Revisar agenda de César para o dia." Ele já havia feito isso antes de sair de casa.
Mello passou a próxima hora trabalhando intensamente. Ele respondeu a quatro e-mails de prioridade média que César havia sinalizado. Ele ligou para o departamento de contabilidade para verificar o status do pagamento atrasado do fornecedor, confirmando que o pagamento seria liberado hoje. Ele começou a organizar os arquivos de contratos antigos, separando-os por ano e categoria.
O tempo voou. Às nove e meia, ele já tinha completado dez itens. Ele estava trabalhando mais rápido, pois as tarefas eram semelhantes às de ontem e ele já conhecia o fluxo.
César se levantou da mesa, vestindo o blazer. Ele olhou para Mello.
"Vamos para a sala de reuniões. Marketing já deve estar a caminho."
Mello pegou o caderno de anotações e a caneta. Ele seguiu César até a porta.
Eles saíram do escritório. O corredor estava movimentado agora, com pessoas indo e vindo. Mello caminhou um passo atrás de César, mantendo a postura profissional.
Quando eles se aproximaram da sala de reuniões principal, Teresa estava parada no corredor. Ela segurava uma revista dobrada na mão, e a expressão dela era de preocupação. Ela olhou para César, depois para Mello, e ajeitou a postura, parecendo nervosa.
"César, Mello," Teresa disse, a voz dela mais baixa do que o normal. "Preciso mostrar isso."
César parou. Ele olhou para Teresa, impaciente. "O que é, Teresa? Estamos atrasados para o marketing."
Teresa estendeu a revista, que Mello reconheceu como sendo uma revista de fofocas conhecida, geralmente focada em celebridades e figuras públicas. A capa mostrava uma atriz em um evento, mas a reportagem que Teresa mostrava estava na parte interna, dobrada.
"Isto saiu hoje," Teresa explicou, apontando para uma coluna pequena.
César pegou a revista da mão dela. Ele olhou para a página rapidamente.
Mello se aproximou para ver. No meio de um texto sensacionalista sobre a vida noturna de um empresário, havia uma pequena nota intitulada: *O Novo Secretário da Solitare: Mais do que Apenas Trabalho?*
A nota especulava sobre um "romance secreto" entre César e seu novo, e "misterioso," jovem secretário. Havia uma foto pequena, granulada e desfocada, tirada de longe. Mello reconheceu a si mesmo e César entrando no prédio da Solitare, tirada talvez na noite de anteontem, quando saíram juntos do escritório. A legenda da foto dizia: *O magnata da mídia e seu jovem protegido em entrada matinal.*
Mello sentiu o rosto esquentar. Ele olhou para César, tentando entender a reação dele.
César leu o texto em silêncio por um momento, a mandíbula dele estava tensa. Ele não mostrou surpresa, mas Mello percebeu uma irritação controlada nos ombros dele.
César dobrou a revista com um movimento brusco. Ele caminhou até uma lixeira de metal perto da porta da sala de reuniões. Ele jogou a revista dentro da lixeira.
"Lixo sem importância," César disse, a voz dele era firme e não demonstrava emoção. Ele olhou para Teresa. "Teresa, você tem mais o que fazer do que perder tempo com isso."
Teresa deu um passo para trás. "Claro, César. Eu só achei que você deveria ver."
"Já vi. Agora, vamos. Mello, anotações."
César abriu a porta da sala de reuniões e entrou, sem olhar para trás.
Mello demorou um segundo para se mover, ainda processando o que acabara de ver. A foto desfocada. A especulação sobre um "romance secreto." Ele sentiu uma pontada de ansiedade. Ele nunca pensara que a proximidade profissional com César poderia levar a esse tipo de boato.
Ele respirou fundo e seguiu César para dentro da sala. Teresa continuou parada no corredor por um momento, olhando para a lixeira, antes de se virar e sair.
A equipe de marketing já estava sentada à mesa de conferência. Havia quatro pessoas, incluindo o chefe do departamento, um homem de quarenta e poucos anos com óculos. Eles se levantaram quando César entrou.
César sentou na cadeira principal da mesa. Mello puxou uma cadeira vazia ao lado de César e abriu o caderno de anotações.
"Comecem," César ordenou, direto ao ponto.
A reunião começou. Eles discutiram a estratégia de publicidade para a próxima edição da revista, os canais de mídia social que usariam, e o orçamento de campanha. Os membros da equipe falavam rapidamente, jogando números e jargões do marketing.
Mello tentou se concentrar. Ele tentou ouvir os detalhes, as decisões, os números que precisavam ser anotados.
Mas ele mal conseguia tirar a imagem daquela revista de fofocas da cabeça. *Romance secreto.*
Ele olhou para César, que estava interagindo com a equipe de marketing com a frieza habitual, fazendo perguntas afiadas e cortando ideias que ele não gostava. César parecia completamente imperturbável, como se a notícia de um suposto caso de amor não o tivesse afetado em nada.
Mello rabiscou algumas palavras no caderno. *Orçamento 20%. Mídia social.*
Ele se perguntou quem teria tirado a foto. Ele se lembrou de ter saído do prédio com César na noite anterior, ambos cansados, caminhando juntos até o carro de César. Não havia notado ninguém com uma câmera. O prédio da Solitare ficava em uma área movimentada, então era fácil alguém tirar uma foto de longe.
O que isso significaria para o emprego dele? César havia demitido os outros dois secretários rapidamente. Ele valorizava a eficiência, a discrição. Boatos na imprensa sobre a vida pessoal do diretor executivo não eram discretos.
Mello sentiu o estômago apertar. Ele tinha medo de que César o visse agora como um problema, um risco de reputação. Ele finalmente estava começando a provar seu valor, e agora a imprensa interferia.
"Mello, anote," César disse, chamando a atenção dele.
Mello piscou, voltando a si. Ele percebeu que tinha perdido os últimos trinta segundos da discussão.
"Repita, por favor," Mello pediu ao chefe de marketing, tentando manter a voz calma.
O chefe de marketing olhou para César, esperando a permissão.
César suspirou, um som curto de impaciência. "Ele precisa anotar a parte da distribuição do orçamento para influencers digitais. Repita, André."
André repetiu os números e Mello anotou rapidamente, desta vez com mais atenção.
Ele se forçou a focar na reunião. Ele não podia cometer mais erros, especialmente agora. Ele tinha que ser o secretário perfeito. Ele tinha que ser indispensável.
A reunião durou quarenta minutos. Mello anotou todas as decisões, os números de orçamento, os prazos de entrega. Ele usou o método que César o havia ensinado, organizando as notas em tópicos e subtópicos claros.
"É isso," César concluiu, levantando-se. "Quero o resumo dessas notas em dez minutos na minha mesa."
A equipe de marketing se levantou, agradecendo a César pela reunião.
Mello recolheu o caderno. Ele saiu da sala de reuniões, seguindo César pelo corredor.
"O resumo precisa ser em tópicos ou em texto corrido?" Mello perguntou.
"Tópicos. Claro e conciso." César continuou andando.
Mello apressou o passo para acompanhar. Ele sabia que precisava ser rápido.
Eles entraram no escritório principal. César foi direto para sua mesa. Mello caminhou para a sua, pegou o notebook e começou a digitar as anotações.
Ele digitou rapidamente, organizando os pontos de ação. Enquanto digitava, ele percebeu que precisava falar sobre a matéria. Ele não podia fingir que não havia acontecido.
Assim que terminou o resumo, ele imprimiu a página e levou para a mesa de César.
César pegou o papel e leu em poucos segundos. "Bom. Rápido."
Mello ficou parado ao lado da mesa de César. Ele reuniu a coragem.
"César, sobre aquela matéria na revista de fofocas..."
César olhou para cima. A expressão dele era neutra, mas a impaciência dele era perceptível no ar.
"O que tem?"
"Eu... eu sinto muito por isso," Mello disse. "Eu não sei como tiraram a foto. Eu não sabia que isso poderia acontecer."
César encostou-se na cadeira. "A imprensa de fofocas publica bobagens o tempo todo, Mello. Eles pegam duas pessoas que trabalham juntas e criam histórias. Não é sua culpa. É a natureza do trabalho."
"Mas..." Mello hesitou. Ele queria perguntar se isso afetaria a reputação dele ou o emprego de Mello.
"Não afeta nada," César cortou. "É uma nota pequena em uma coluna de lixo. Ninguém sério na indústria presta atenção nisso."
"Mas talvez..." Mello tentou argumentar, "Talvez devêssemos ser mais cuidadosos ao sair juntos, ou—"
O telefone na mesa de César tocou. César olhou para o identificador de chamadas. Ele fez uma careta.
"Espere," César disse a Mello, estendendo a mão. Ele pegou o telefone. "Alô. Sim, sou eu. Não, não me ligue por causa daquela bobagem."
César se levantou da cadeira, virando-se para a janela enquanto falava, a voz dele estava mais alta e mais controlada, mas Mello notou a irritação dele.
"Sim, eu vi. É insignificante. É um lixo sensacionalista que tenta aumentar a tiragem. Não, não vou fazer uma declaração oficial. Isso só daria mais atenção ao assunto."
Mello ficou parado, observando. Ele percebeu que alguém importante estava ligando para César, alguém que levava a sério o boato.
"Eu entendo a sua preocupação, mas o meu foco é a revista, não o que a imprensa inventa sobre a minha vida pessoal. Não, não. É ridículo. Não há nada para discutir." César pausou, escutando a pessoa do outro lado. Mello notou que César começou a andar pela sala, a mão livre dele apertando o bolso da calça.
"Eu já tomei providências," César disse, a voz dele estava mais baixa agora, mas Mello ainda podia ouvir. "A partir de amanhã, o arranjo será diferente. Isso deve acabar com a especulação."
César parou de andar e olhou para Mello, que estava parado perto da mesa. O olhar dele era frio e direto.
"Sim, faremos o que for necessário para manter a imagem da Solitare. É a minha prioridade."
César disse mais algumas palavras curtas, encerrando a ligação abruptamente. Ele colocou o telefone de volta no gancho com um clique seco.
Ele se virou completamente para Mello. O silêncio na sala era pesado.
"Sente-se," César disse, voltando para a mesa.
Mello se sentou na própria cadeira, sentindo a ansiedade aumentar. A expressão de César estava completamente fechada.
"A ligação era do Conselho," César explicou. "Eles não gostaram do que viram."
Mello abaixou a cabeça. "Eu sinto muito."
"Eu já disse, não é sua culpa. Mas é um problema que precisa ser resolvido," César declarou, apoiando os cotovelos na mesa. Ele olhou para Mello. "A proximidade profissional é interpretada de maneira errada. E na Solitare, a imagem é tudo."
Mello esperou, o corpo dele estava tenso. Ele se perguntou se seria demitido. Ele pensou em Mihael, na hipoteca, no esforço que ele havia feito para provar seu valor.
César pegou uma caneta e começou a girá-la entre os dedos.
"Você tem se mostrado eficiente, Mello. Você aprende rápido. Você é útil. Não vou desfazer o que já funciona."
Mello sentiu um alívio imediato, mas manteve a postura profissional. "Obrigado."
"No entanto," César continuou, e Mello soube que a parte difícil estava chegando. "A partir de amanhã, você não trabalhará mais nesta sala."
Mello franziu a testa, confuso. "Onde eu vou trabalhar?"
César apontou para a porta. "Lá fora. No espaço aberto, junto com os outros assistentes."
Mello olhou para a porta. A sala dele era grande e privada, adjacente à de César. Mudar para o espaço aberto significava trabalhar em um cubículo, no meio da agitação.
"Mas... eu preciso estar aqui para organizar sua agenda, atender o telefone..."
"O telefone principal será desviado para sua nova mesa. O computador será configurado para acesso remoto. Você ainda terá que gerenciar minha agenda e cumprir as tarefas. A única diferença é o local físico," César explicou.
Mello tentou entender a lógica. Ele estava acostumado ao silêncio e à privacidade desta sala. O espaço aberto era caótico e barulhento, como ele se lembrara do seu primeiro dia.
"Por que a mudança agora?" Mello perguntou.
César olhou para a pilha de layouts na mesa. Ele não olhou para Mello quando respondeu.
"Está na hora de integrar melhor a equipe," César disse, usando um tom oficial. "Você é o meu secretário, mas os outros assistentes precisam saber que você é parte da equipe. Isso facilitará a comunicação e a coordenação das tarefas."
Mello apertou a caneta que segurava. Ele sabia que César não estava sendo completamente honesto.
"É por causa da matéria, não é?" Mello perguntou, a voz dele estava baixa.
César levantou o olhar. Ele encontrou os olhos de Mello. Por um momento, Mello viu uma faísca de algo que parecia ser reconhecimento ou talvez um pedido de desculpas, mas desapareceu rapidamente.
"É uma medida para gerenciar a percepção, Mello. Você não precisa se preocupar com a logística. A mesa será preparada hoje. Você começa amanhã."
Mello processou a informação. Mudar a mesa para o espaço aberto era uma forma pública de mostrar distância. Era César reagindo ao Conselho e à imprensa, garantindo que não houvesse mais fotos desfocadas de "encontros matinais" ou "romances secretos." A paciência que César demonstrava com Mello permanecia, mas agora seria filtrada pela porta fechada do escritório.
Ele era útil, mas não podia ser visto como favorito.
Mello assentiu. "Entendido."
"Ótimo. Agora, volte para a lista. Você tem dezenove tarefas restantes."
Mello se levantou da cadeira, pegando o caderno e a caneta. Ele voltou para sua mesa, mas não ligou o computador imediatamente. Ele olhou para a porta, percebendo que a partir de amanhã, ele estaria do outro lado, em um cubículo, longe da privacidade e da relativa calma que ele tinha. A mudança era um sinal claro: a proximidade profissional era um luxo que eles não podiam mais pagar por causa da imprensa. Ele não estava sendo demitido, mas estava sendo afastado.
Ele sentou-se na cadeira, sentindo o peso da nova realidade. Ele abriu a lista de tarefas. O item vinte e um era ligar para um fornecedor de papel. Ele pegou o telefone, mas a mão dele estava tremendo levemente. Ele respirou fundo, tentando afastar a frustração. Ele não desistiria. Ele faria as vinte e cinco tarefas, mesmo que tivesse que fazer a mudança sozinho. Ele discou o número, determinado a provar que a localização física não afetaria a utilidade dele.
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