## Capítulo 6: O Segredo de Von Ivory
Luther agarrou-se a Matt mais uma vez, e o abraço era firme, desesperado. Ele estava buscando uma âncora em meio à tempestade de sua solidão.
"Você vai ser minha família, Matt? Por favor, diz que sim," Luther perguntou, e a sua voz era um murmúrio quase inaudível, porque a esperança e o medo estavam misturados em sua súplica.
Matt colocou as mãos nos ombros do menino, e ele se afastou suavemente, mantendo um contato visual firme. Ele não podia mentir para Luther, e ele não podia prometer algo que não podia cumprir. A honestidade era o único presente que ele podia oferecer naquele momento, e era crucial que Luther entendesse a realidade da situação.
"Eu não posso ser sua mãe, Luther, e eu não posso ser seu guardião. Eu sou um viajante, e a minha vida é de estrada e de pensamentos," Matt explicou, e ele usou um tom de voz que era gentil, mas direto. "A sua família é Randal. Ele pode não saber como te mostrar afeto, mas ele é quem cuida de você, e ele se preocupa com você."
Luther baixou a cabeça, e a decepção era visível no seu rosto. Ele não estava chorando, mas a luz que tinha aparecido em seus olhos tinha diminuído.
"Mas Randal não me vê. Ele só vê os números dele," Luther disse, e ele começou a brincar com um pedaço de grama que ele tinha arrancado.
"Nós vamos fazer Randal te ver. É por isso que estamos indo para o castelo. Você vai dizer a ele exatamente o que você me disse, e eu vou estar lá para te apoiar," Matt propôs. Ele precisava garantir que o retorno de Luther não fosse apenas uma entrega, mas sim uma intervenção.
Matt se levantou, e ele estendeu a mão para Luther, e ele o ajudou a se levantar. O sol já tinha subido o suficiente para aquecer o campo, e o contraste entre as roupas luxuosas de Luther e a simplicidade das vestes de Matt era ainda mais notável. O menino usava veludo azul-marinho, e os sapatos eram de couro macio, mas Matt vestia o linho branco que Lena tinha lhe dado, e os seus pés estavam cobertos por sandálias gastas.
"Nós temos que ir para o castelo. Randal deve estar preocupado," Matt disse.
Luther hesitou por um momento, mas ele segurou a mão de Matt, e eles começaram a caminhar em direção à cidade, que ficava a uma curta distância do campo aberto. A caminhada era silenciosa no início, porque Luther parecia estar absorvendo a rejeição gentil de Matt, mas o silêncio não durou muito tempo.
"Você não me odeia por eu ter fugido?" Luther perguntou.
"Eu não te odeio. Eu entendo que você estava buscando algo que não podia encontrar em casa," Matt respondeu.
"Eu estava buscando uma mãe. Você se parece com as pinturas dela. Ela era a única pessoa que ria das minhas piadas. Randal só me dá livros para colorir," Luther disse.
Matt pensou sobre a ironia da situação. O filósofo, que tinha renunciado a todas as posses materiais, era visto como um substituto materno por um menino rico, que tinha tudo, mas carecia do essencial.
"Conte-me sobre Randal," Matt pediu, porque ele precisava de mais contexto sobre o irmão do menino. A compreensão de Randal era a chave para ajudar Luther.
Luther começou a descrever o irmão com uma mistura de admiração e frustração. "Randal é alto. Ele é muito mais alto do que você, e ele usa roupas esquisitas, mas são bonitas. São roupas de estilo antigo, muito formais. Ele usa colete e um casaco comprido, mesmo quando está calor."
Matt imaginou um jovem alquimista, talvez um pouco rígido, preso a uma formalidade que refletia o ambiente do castelo.
"Ele tem cabelo vermelho, tipo fogo, mas ele usa óculos de aro redondo, e isso o faz parecer mais inteligente," Luther continuou. "Ele está sempre escrevendo em um bloco de notas. Ele é alquimista, e ele trabalha com poções e números, e ele nunca para."
A descrição de Randal se encaixava no arquétipo do cientista focado, semelhante a Silas, mas com uma formalidade adicional que indicava uma posição de maior prestígio ou talvez uma maior pressão social. Matt pensou que Randal devia estar sobrecarregado, tentando equilibrar o trabalho no castelo com a responsabilidade de criar um irmão mais novo.
"E o seu pai, Luther? O que ele fazia?" Matt perguntou.
Luther olhou para o chão. "Meu pai era o... ele era o nobre. Ele era muito sério, e ele estava sempre ocupado com o castelo. Ele morreu há dois anos, e a mamãe morreu antes dele. Foi por isso que Randal começou a me criar."
Matt percebeu que a carga sobre Randal era imensa. O jovem alquimista tinha perdido os pais e tinha assumido a responsabilidade pelo irmão em uma idade precoce, enquanto mantinha a sua posição no castelo. Isso explicava a sua distância emocional e o seu foco obsessivo no trabalho.
Eles chegaram à borda da cidade, e as ruas se tornaram mais movimentadas. O reino era, de fato, rico. As construções eram sólidas, e as fachadas das lojas eram elaboradas, mas Matt notou a miséria escondida nos becos, a mesma miséria que Lena conhecia. A desigualdade era um abismo evidente, mesmo que os habitantes mais ricos parecessem ignorá-la.
"O castelo é logo ali," Luther disse, e ele apontou para uma estrutura imponente que se elevava acima da cidade.
O castelo era uma obra de arte arquitetônica, com torres altas e muralhas de pedra clara. A grandiosidade era avassaladora, e Matt, acostumado à simplicidade, sentiu o peso da opulência.
Eles caminharam em direção à entrada principal do castelo, e o movimento de pessoas diminuía à medida que se aproximavam. A entrada era guardada por portões de ferro forjado, e ao lado, havia uma guarita com dois guardas.
Os guardas vestiam armaduras polidas, e eles estavam em uma postura impecável, mas quando Matt e Luther se aproximaram, algo inesperado aconteceu. Os guardas apenas acenaram com a cabeça em reconhecimento. A saudação foi breve, quase um reflexo, mas foi uma saudação.
Matt parou por um momento. Ele estava vestido como um mendigo, e Luther, embora bem-vestido, estava descalço e sujo de terra. Em qualquer outro lugar, a sua entrada teria sido barrada, ou no mínimo questionada.
"Eles não vão nos parar?" Matt perguntou a Luther, e a sua estranheza era genuína.
Luther encolheu os ombros, e ele parecia não dar importância ao gesto. "Eles sempre fazem isso. Eles me conhecem. Eles sabem que eu sou o irmão de Randal."
Matt processou a informação. Aparentemente, Luther tinha um passe livre para a área mais protegida do reino. O menino era uma figura conhecida ali, e a sua aparência desgrenhada não era o suficiente para quebrar o protocolo.
"Mas eles te conhecem, ou eles conhecem as suas roupas?" Matt perguntou, porque a sua filosofia se baseava na distinção entre o ser e o ter.
"Eles me conhecem, Matt. Eu sou o filho do... bem, eu sou o irmão de Randal," Luther disse, e ele não parecia querer elaborar mais sobre a sua linhagem. Ele estava ansioso para seguir em frente. "Vamos, Matt. Eu quero que você conheça Randal logo. Ele tem que te ver."
Luther puxou a mão de Matt, e eles passaram pelos guardas, que permaneceram imóveis em suas posições. Matt observou os guardas enquanto passava. Eles pareciam cansados, mas o treinamento mantinha a postura rígida. Eles não fizeram perguntas, e eles não demonstraram surpresa. Era como se a presença de um menino ricamente vestido, acompanhado por um filósofo errante, fosse um evento cotidiano.
Eles entraram nos terrenos do castelo, e a arquitetura era ainda mais impressionante de perto. As paredes eram adornadas com relevos detalhados, e as janelas eram altas e estreitas. Matt estava fora do seu elemento, e ele precisava de um momento para se ajustar.
Matt não tinha conhecimento do país, da política local ou da hierarquia nobre. Ele tinha vivido à margem, e a sua filosofia se concentrava na condição humana universal, não nas especificidades de um reino. Ele não sabia quem era o rei, quem eram os nobres, e ele não estava interessado, mas agora ele estava entrando no centro do poder, e ele precisava de um mínimo de contexto.
"Luther, você disse que seu pai era o nobre. O que exatamente ele era?" Matt perguntou.
Luther andava mais rápido, porque a proximidade do castelo o deixava ansioso, mas ele respondeu. "Ele era o Lorde Regente. Ele cuidava das coisas quando o Rei estava doente. Mas ele também era um alquimista, como Randal."
A informação era vaga, mas Matt entendeu que a família de Luther estava ligada ao poder. O título de "Lorde Regente" sugeria uma posição de grande autoridade, e a sua morte e a ascensão de Randal como guardião implicava que o jovem alquimista tinha uma responsabilidade que ia além da ciência.
Eles entraram em um pátio interno, e Matt começou a absorver os detalhes. A atenção ao luxo era evidente em cada pedra. A limpeza era impecável, e o silêncio era interrompido apenas pelo som dos seus passos no pavimento de pedra.
Matt tentou se adaptar à arquitetura detalhada e luxuosa. A simetria e a perfeição eram contrastes com a vida desordenada que ele levava. Ele pensou que a riqueza era uma forma de controle, uma tentativa de impor ordem ao caos da existência. As pessoas que viviam ali tentavam impor a sua vontade ao mundo, e a arquitetura refletia essa ambição.
"Randal está no laboratório dele. É o lugar onde ele fica o dia todo," Luther disse, e ele estava puxando Matt pelo braço.
Eles subiram uma escada de pedra larga e polida. O ar estava mais frio ali, e Matt percebeu que eles estavam entrando na ala de trabalho do castelo.
Eles pararam em frente a uma porta de madeira simples, que contrastava com a opulência dos corredores. Luther não hesitou. Ele bateu na porta uma vez, e ele abriu a porta sem esperar uma resposta. A ansiedade dele era maior do que a etiqueta.
"Randal!" Luther exclamou, e ele entrou na sala.
Matt seguiu Luther, e ele entrou no laboratório/escritório de Randal. O ambiente era, de fato, mais simples em comparação com o resto do castelo, mas era sofisticado à sua própria maneira.
O laboratório não era um salão de magia ou um covil de alquimista clichê. Era um escritório funcional, mas repleto de equipamentos científicos e materiais de pesquisa. Havia mesas cobertas de vidro, estantes de madeira cheias de livros e frascos, e um grande mapa do reino estava pendurado em uma parede. Havia um cheiro sutil de ervas secas e metal, o que indicava que Randal trabalhava com química e talvez com a formulação de medicamentos.
No centro da sala, curvado sobre uma mesa, estava Randal. Ele era exatamente como Luther o tinha descrito. Alto, ruivo, com óculos de aro redondo que realçavam a sua concentração. Ele vestia um colete de cor escura sobre uma camisa branca de linho, e as suas roupas, embora formais, eram práticas para o trabalho.
Randal levantou a cabeça quando Luther o chamou, e o seu rosto, que estava tenso com a concentração, suavizou-se por um momento. O alívio de ver Luther era evidente, mas ele rapidamente recobrou a compostura.
"Luther! Onde você estava? Eu estava prestes a enviar uma busca por você," Randal disse, e ele se levantou.
Ele viu Matt. Randal avaliou o filósofo com um olhar rápido, mas detalhado. A sua expressão era de cansaço, e ele parecia não ter dormido. Ele notou as roupas simples de Matt e a sua postura calma.
Randal interpretou a situação rapidamente. Ele viu um homem com roupas humildes, acompanhando o seu irmão que tinha fugido de casa. O jovem alquimista pensou que Matt era provavelmente um dos muitos profissionais que tinham sido contratados pela família para lidar com os problemas de Luther. Ele presumiu que Matt era algum tipo de tutor ou psicólogo infantil que Luther tinha trazido para o castelo.
Randal suspirou levemente, e ele ajeitou os óculos. Ele estava acostumado com a atenção que Luther exigia, e ele estava preparado para mais uma interação com um especialista em comportamento infantil.
"Eu sinto muito por este inconveniente. Eu sou Randal Von Ivory," Randal disse, e ele estendeu a mão para Matt, a sua voz era profissional e um pouco distante. "Você deve ser o novo... especialista. Eu agradeço por ter trazido Luther de volta em segurança."
Matt apertou a mão de Randal, e ele notou a força no aperto, e o cansaço nos olhos do homem.
"Eu sou Matt. Eu não sou um especialista, Randal. Eu sou apenas um filósofo," Matt respondeu, e ele estava sendo honesto.
Luther se colocou entre os dois, e ele olhou para Randal com uma seriedade que era incomum para a sua idade.
"Matt não é um especialista, Randal. Ele é meu amigo. Ele me entende, e ele vai te fazer me escutar," Luther disse, e a sua voz era desafiadora.
Randal olhou para Luther, e ele olhou para Matt, e ele tentou processar a informação. A menção de Matt como "amigo" e a exigência de ser "escutado" indicavam que Luther tinha estabelecido uma conexão com o filósofo que ia além do profissionalismo.
"Nós podemos conversar sobre isso, Luther. Mas primeiro, você precisa se limpar, e eu preciso garantir que você está bem. Você me deixou preocupado," Randal disse, e ele estava tentando manter a calma.
Matt interveio. "Randal, Luther fugiu porque ele está solitário. Ele precisa de mais do que conforto material. Ele precisa de afeto, e ele precisa de atenção. Ele precisa que você o veja, e não apenas o seu trabalho."
Randal estreitou os olhos. A franqueza de Matt o pegou de surpresa. Ele não estava acostumado a ser confrontado com a verdade nua e crua, especialmente não por um estranho.
"Eu aprecio a sua intervenção, Matt, mas eu estou fazendo o meu melhor. Eu tenho muitas responsabilidades no castelo, e eu estou tentando manter a ordem depois da morte do nosso pai," Randal disse, e ele estava na defensiva.
Matt notou as marcas simétricas sob os olhos de Randal. Eram as mesmas marcas que Luther tinha feito com carvão, mas em Randal, as marcas eram permanentes, gravadas na pele. Matt tinha visto essas marcas em Luther, e ele tinha assumido que eram uma expressão de melancolia ou luto, mas em Randal, elas eram um símbolo de algo mais profundo, talvez um emblema de luto ou um símbolo de status.
Matt olhou para o rosto de Randal, e ele considerou o nome. *Randal Von Ivory*.
Matt, o filósofo errante, que tinha vivido na miséria e que estava desapegado da política, tinha se acostumado a não dar importância aos nomes e títulos, mas naquele momento, a sua mente fez uma conexão que ele não tinha feito antes.
O reino era tradicional e rico, mas marcado pela desigualdade social. Luther tinha dito que o seu pai era o Lorde Regente. A menção do nome "Von Ivory" e as marcas sob os olhos de Randal, que eram idênticas às marcas de luto que Luther tinha copiado, acenderam uma luz na mente de Matt.
Matt, o filósofo que viajava de país em país, tinha ouvido falar de um reino cujo nome ele não se lembrava, onde a família real era conhecida pelas marcas de luto permanentes sob os olhos, um ritual de passagem que indicava a perda de um ente querido da linhagem real. O pai de Luther e Randal tinha morrido.
Randal Von Ivory. As marcas. O castelo. O luxo. A solidão.
Matt olhou para Randal, e ele entendeu a verdade que Luther tinha evitado dizer, a verdade que Matt não tinha se importado em perguntar.
"Você é Randal Von Ivory," Matt disse, e ele repetiu o nome, mas desta vez, com uma entonação diferente, uma entonação de reconhecimento.
Randal olhou para Matt, e ele viu a compreensão nos olhos do filósofo. Ele não era um especialista contratado. Ele era Matt, o filósofo errante, que tinha visto o mundo e que não se importava com títulos, mas que tinha compreendido a sua identidade.
"Sim, eu sou," Randal disse, e ele estava esperando a reação de Matt.
Matt, o filósofo que não sabia ler, mas que tinha a sabedoria da rua e do mundo, olhou para o jovem alquimista sobrecarregado.
"Você não é apenas o irmão de Luther. Você é o Rei," Matt disse, e ele usou a palavra "Rei" pela primeira vez, porque ele tinha entendido a dimensão da responsabilidade de Randal. "O seu pai está morto, e você assumiu a coroa."
Randal permaneceu imóvel. A sua expressão era de resignação. Ele não tentou negar. A sua identidade era um fardo, não uma glória. Ele era o Rei que trabalhava em um laboratório, e ele era o irmão que não sabia dar afeto.
O silêncio na sala era pesado. Luther, que estava no meio dos dois, olhou de Matt para Randal, sem entender a profundidade da revelação. Ele não tinha dito a Matt que Randal era o Rei, porque para ele, Randal era apenas o seu irmão distante.
Randal olhou para Matt, e ele viu que o filósofo não estava surpreso ou bajulador. Ele estava apenas constatando um fato, e o fato era que o homem que estava na sua frente era o monarca de um reino rico, mas desigual, e ele estava sobrecarregado pela sua coroa e pelo seu luto.
Matt pensou sobre a ironia da situação. Ele tinha fugido da casa de Silas, o cientista que queria quantificar a miséria, e agora ele estava no laboratório do Rei, que era um alquimista, e que estava lutando para encontrar um equilíbrio entre a ciência, a realeza, e a responsabilidade de ser um irmão. A solidão de Luther era a solidão do Rei, e Matt tinha se tornado o confidente de ambos, sem saber que estava entrando no centro do poder.
Randal deu um passo para trás, e ele estava processando a sua exposição. O filósofo tinha visto além das roupas e dos títulos. Ele tinha visto o homem, e ele tinha visto o seu fardo.
"Eu sou Randal Von Ivory, e sim, eu sou o Rei," Randal disse, e ele não acrescentou mais nada. Ele estava esperando que Matt falasse, porque a sua chegada não era um acidente. Era uma intervenção.
Comments (0)
No comments yet. Be the first to share your thoughts!