## Capítulo 5: O Abrigo Sob a Figueira
O sol ainda não tinha aparecido completamente, mas uma luz fraca começava a se espalhar pelo horizonte, suavizando o campo aberto. Matt estava acordado há algum tempo, imóvel, porque o menino ainda dormia profundamente em seu abraço. A respiração da criança era regular, e o peso leve contra o seu peito era um lembrete físico da dor silenciosa que o menino carregava. A dor do menino era a dor da perda, e Matt entendia essa dor, embora suas manifestações fossem diferentes das que ele estava acostumado a ver. Ele se acostumou a ver a dor da fome e da privação, mas a dor do luxo e da perda era uma nova nuance para a sua filosofia.
Matt olhou para o céu, e ele notou que a escuridão estava recuando. O frio da noite tinha diminuído, mas ele permaneceu quieto para não acordar o menino. Ele pensou em Silas e na tentativa do cientista de categorizar e quantificar o sofrimento humano. Silas teria olhado para este menino, vestido em veludo e seda, e teria concluído que o sofrimento dele era mínimo, porque as suas necessidades materiais estavam supridas. Matt sabia que Silas estaria errado, porque a dor emocional não se importava com o tecido das roupas.
O menino se moveu um pouco, e ele abriu os olhos. O olhar dele estava confuso por um momento, mas ele rapidamente reconheceu onde estava, e ele se afastou um pouco de Matt. O movimento era lento e envergonhado. Luther, Matt assumiu que esse era o nome dele, limpou o rosto com as costas da mão, e ele notou que as lágrimas tinham secado.
Matt sorriu levemente para o menino, porque ele queria transmitir que estava tudo bem. Ele não disse nada, e ele apenas esperou que Luther falasse primeiro. Ele respeitava o silêncio do menino, e ele sabia que a comunicação verbal viria quando o menino estivesse pronto.
Luther olhou para Matt, e ele olhou para a figueira, e ele olhou para o campo. Ele parecia estar processando a situação, e o contraste entre a sua aparência e o ambiente não passava despercebido.
"Você estava aqui quando eu cheguei?" Luther perguntou, e a sua voz era um sussurro.
Matt balançou a cabeça. "Eu estava no galho, porque eu não tinha onde dormir. Eu desci quando notei você."
Luther olhou para o topo da figueira. "Você estava dormindo lá em cima? Não é muito confortável, e você não tem cobertores."
"Eu durmo onde o céu me permite," Matt disse, e ele deu de ombros. "Eu não preciso de muito conforto, e o calor do corpo é o suficiente."
O menino olhou para Matt com uma curiosidade intensa. "Você não tem casa? Meu pai tem muitas casas. Ele tem uma casa de campo, e ele tem a casa do castelo."
Matt considerou a diferença entre a sua vida e a do menino. "Eu tenho o mundo como minha casa. Eu viajo e eu aprendo, e eu não me prendo a um lugar só."
"Mas você estava dormindo em um galho," Luther insistiu.
"Eu estava dormindo sob o céu estrelado. É uma diferença de perspectiva," Matt explicou.
Luther franziu a testa, e ele parecia estar ponderando as palavras de Matt. O sol começou a subir, e a luz iluminou o rosto do menino, e Matt notou os cortes simétricos sob os olhos novamente. Ele se perguntou se o menino tinha feito os cortes com carvão ou se era uma tatuagem temporária.
"Por que você estava aqui, Luther?" Matt perguntou, e ele usou o nome do menino para estabelecer uma conexão. "Você não deveria estar em casa?"
Luther olhou para o chão, e ele começou a brincar com um pedaço de casca que estava perto de seus pés. Ele hesitou, e Matt esperou.
"Eu fugi," Luther disse, e ele olhou para Matt rapidamente para medir a reação do filósofo.
Matt permaneceu impassível. "Por que você fugiu, Luther? Você parece ter uma vida boa, e as suas roupas são caras."
"As roupas não importam," Luther disse, e ele parecia ter aprendido essa lição de forma dolorosa. "Eu fugi porque eu não aguento mais ficar sozinho na casa grande. Eu só tenho Randal, e ele é esquisito, e ele não brinca comigo."
"Randal é o seu irmão?" Matt perguntou.
"Sim. Randal é muito mais velho do que eu. Ele trabalha no castelo, e ele está sempre ocupado. Ele me cuida, mas ele não é uma família de verdade. Ele é meu irmão, mas eu queria uma família de verdade." Luther falou com uma voz cheia de ressentimento.
Matt sentiu a dor do menino. A solidão na opulência era uma dor tão aguda quanto a solidão na miséria.
"O que você quer dizer com 'família de verdade', Luther?" Matt perguntou, e ele queria que o menino articulasse o seu desejo.
"Eu queria uma mãe e um pai," Luther disse, e a sua voz diminuiu. "Mas a minha mãe é pai se foram. E Randal... ele me dá tudo o que eu quero, mas ele não me dá o que eu preciso."
"O que você precisa, Luther?"
"Eu preciso de alguém que me abrace e que me conte histórias. Eu preciso de alguém que olhe para mim, e que não me veja apenas como o filho do nobre. Eu preciso de alguém que se importe com o que eu penso, e não com o que eu visto." Luther falou, e a sua voz era surpreendentemente madura para a sua idade.
Matt pensou sobre a ironia da situação. Um menino rico, que tinha tudo, mas que estava sozinho, e ele tinha fugido para o campo, buscando o que Matt, o filósofo errante, podia oferecer.
"Você disse que eu parecia com a sua mãe," Matt lembrou o menino.
Luther assentiu. "Sim. As pinturas dela eram todas brancas, e ela tinha a pele mais escura do que o meu pai. As roupas que você está usando são brancas, e o seu rosto é escuro, e você tem uma aparência de quem sabe o que é a tristeza."
Matt percebeu que o menino estava buscando uma conexão com a mãe falecida. A sua aparência, combinada com a sua serenidade, tinha atraído Luther.
"Por que você acha que eu sei o que é a tristeza, Luther?"
"Porque você não sorri, e os seus olhos são profundos, e você não está reclamando de estar no chão frio. As pessoas que não reclamam são as que já viram a pior parte da vida, e elas sabem que a reclamação não muda nada." Luther era um observador aguçado, e ele tinha lido Matt com uma precisão que muitos adultos não tinham.
"Você é muito inteligente, Luther," Matt disse. "Você observou bem."
Luther sorriu um pouco, e o sorriso não alcançou os seus olhos, mas era um começo.
"Eu fugi para achar alguém que pudesse cuidar de mim, e que pudesse ser minha família," Luther confessou, e ele olhou diretamente para Matt. "Eu vi você, e você parecia gentil, e você não ficou assustado com as minhas roupas. Eu achei que você podia ser a pessoa que eu estava procurando."
A confissão do menino era direta e comovente. Matt não tinha como negar a atração que o menino sentia por ele. Ele era um porto seguro para a criança.
"Eu não sou um pai, Luther, e eu não posso ser a sua mãe. Eu sou um filósofo errante, e eu não tenho nada para oferecer, além de pensamentos e histórias," Matt explicou, e ele queria ser honesto com o menino.
"Eu não me importo com as coisas," Luther disse, e ele balançou a cabeça. "Eu não quero mais coisas. Eu quero você. Você me abraçou, e eu me senti seguro. Randal nunca me abraça assim, e ele só me dá dinheiro para comprar doces."
Matt pensou sobre a distância emocional entre Luther e seu irmão. A ausência de afeto era uma forma de negligência, mesmo que fosse mascarada pela provisão material.
"O que você vai fazer agora, Luther? Seu irmão deve estar procurando por você."
Luther encolheu os ombros. "Eu não sei. Eu não quero voltar para a casa grande. Eu não quero mais ser apenas o irmão de Randal. Eu queria que você fosse minha mãe, ou algo assim."
Matt pensou sobre o dilema moral. Ele não podia simplesmente ignorar a criança, e ele não podia levá-lo consigo para a vida errante. O menino precisava de estabilidade, e ele precisava de afeto, e Matt não podia oferecer nem um, nem outro de forma permanente.
"Eu não posso ser a sua mãe, Luther, mas eu posso ser o seu amigo. Eu posso te escutar, e eu posso te abraçar quando você precisar. Mas você não pode fugir de casa, porque as pessoas vão ficar preocupadas."
"Mas eu quero ficar com você," Luther insistiu.
Matt suspirou levemente. Ele sabia que precisava encontrar Randal, mas ele não podia simplesmente entregar o menino, porque Luther precisava de mais do que apenas ser devolvido.
"Vamos fazer um acordo, Luther. Você me conta mais sobre a sua vida, e sobre Randal, e nós pensamos juntos no que você pode fazer. Eu não vou te forçar a voltar, mas nós precisamos considerar o que é melhor para você." Matt propôs, e ele estava tentando dar ao menino um senso de controle sobre a situação.
Luther aceitou a proposta com um aceno de cabeça. "Tudo bem. Eu te conto sobre Randal, mas você me conta uma história depois. Uma história de verdade, não uma história de livros."
"Eu só conto histórias de verdade," Matt disse, e ele sorriu.
Luther começou a falar sobre Randal. "Randal é legal, mas ele é muito velho. Ele tem vinte anos, e ele trabalha no castelo. Ele é alquimista, eu acho, e ele está sempre com gráficos e números. Ele me dá tudo o que eu peço, mas ele não me vê."
Matt notou a semelhança entre a descrição de Luther e a de Silas. Silas era um cientista no castelo, e ele estava obcecado com números e dados.
"O nome do seu irmão é Randal?" Matt perguntou.
"Sim, Randal," Luther disse. "Ele é meu irmão, e ele me cuida desde que a mamãe e o papai se foram. Mas ele é esquisito. Ele me leva para passear, mas ele está sempre no telefone, ou pensando em alguma fórmula. Ele não está presente. Eu me sinto invisível."
Matt pensou sobre Silas. Ele tinha deixado a casa de Silas por causa da sua obsessão com a quantificação, e agora ele estava ouvindo o eco dessa mesma obsessão na voz de um menino solitário.
"O seu irmão é um alquimista muito focado, e ele tem muito trabalho no castelo. Talvez ele não saiba como ser um pai," Matt disse, tentando ser justo com Randal.
"Ele não é meu pai. Ele é meu irmão. Eu queria que ele fosse meu amigo, mas ele é muito sério. Ele não brinca comigo. Ele não ri das minhas piadas. Ele só me pergunta se eu comi a minha comida, e se eu fiz a minha lição de casa."
A dor de Luther era a dor da desconexão. Ele estava cercado por luxo, mas ele estava faminto por afeto e atenção.
"Você disse que fugiu para achar alguém melhor para cuidar de você," Matt lembrou.
"Sim," Luther disse. "Eu queria alguém que fosse como a minha mãe, mas que estivesse aqui. Você se parece com as pinturas dela, e você é gentil. Eu pensei que você podia ser minha família."
Luther olhou para Matt, e os seus olhos eram cheios de esperança. A criança tinha projetado em Matt a figura materna que ele havia perdido, e ele estava buscando um substituto para o vazio que o seu irmão não conseguia preencher.
Matt percebeu que o menino não estava buscando um lar, mas sim um refúgio emocional. Ele estava buscando ser visto e compreendido.
"Eu gostava do Randal, mas eu não quero mais ser só cuidado por ele. Eu quero uma mãe. O que eu quero de verdade está debaixo da terra, e eu não posso ter," Luther disse, e a sua voz era um lamento.
Luther estava expressando a sua dor de forma clara. Ele não estava apenas falando sobre a ausência, mas sim sobre a impossibilidade de reverter a perda.
Matt pensou sobre o que o menino havia dito. O alquimista Randal, o irmão, e o castelo. Matt tinha um contato no castelo, Silas, que era um cientista.
"Eu não sei o que fazer, Matt. Eu não quero voltar para a casa grande, mas eu não quero te dar trabalho. Eu só queria um abraço, e alguém que me entendesse," Luther confessou, e ele olhou para o chão novamente.
Matt se inclinou para a criança, e ele o abraçou novamente, mas desta vez, o abraço era mais suave. Ele estava oferecendo o conforto que o menino buscava.
"Você não me dá trabalho, Luther. Você me ensina. Você me ensina que a dor é universal, e que a solidão pode existir em qualquer lugar, mesmo na opulência. E você me ensina que um abraço pode ser a linguagem mais pura da necessidade humana."
Luther se agarrou a Matt por um momento, e ele se afastou.
"Então você me leva para achar a minha nova família?" Luther perguntou, e ele estava buscando uma garantia.
Matt sabia que ele precisava levar o menino de volta para Randal, mas ele não podia fazer isso sem um plano. Ele precisava falar com Randal primeiro, e ele precisava entender a dinâmica daquela família.
"Eu não posso te prometer uma nova família, Luther, mas eu posso te prometer que eu vou te ajudar a encontrar o seu lugar. Nós vamos juntos para a cidade, e nós vamos encontrar o seu irmão. Mas nós vamos falar com ele primeiro, e nós vamos dizer a ele o que você está sentindo. Randal precisa saber que você precisa dele, não apenas como irmão, mas como amigo."
Luther pensou sobre isso por um momento. "Eu não sei se ele vai me escutar. "
"Ele vai te escutar, porque ele é seu irmão, e ele se preocupa com você. Ele só não sabe como demonstrar," Matt disse, e ele estava tentando incutir esperança no menino.
"Eu quero um pai, e uma mãe, não um irmão. O que eu quero está debaixo da terra."
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