## Capítulo 3: A Recusa do Presente
Silas congelou imediatamente. Matt acabara de soltar a confissão, mas o cientista parecia não ter processado as palavras, pois ele apenas olhava para Matt, e para o volume de textos filosóficos que repousava nas mãos do filósofo. A respiração de Silas ficou suspensa, e o silêncio no escritório era agora pesado, interrompido apenas pelo som fraco do vento soprando na janela. Matt estava calmo, porque ele havia esperado essa reação, e ele sabia que precisava manter a integridade de sua verdade.
"O quê?" Silas perguntou, e a voz dele era um sussurro de descrença, e ele moveu a cabeça em um movimento lento e incrédulo. Ele tentou sorrir, mas o sorriso falhou miseravelmente. "Matt, por favor, me diga que isso é algum tipo de parábola filosófica, alguma piada para testar a minha reação."
Silas começou a gesticular descontroladamente, e ele não conseguia conciliar a imagem do filósofo de renome que Lena havia descrito, e que ele havia concordado em abrigar, com a figura de um homem que não podia ler.
"Você é Matt, o filósofo. A sua reputação precede você, mesmo aqui neste reino isolado," Silas continuou, e ele apontou para os livros ao redor. "Eu compilei estes volumes, eu usei meu tempo precioso para organizar a fundamentação teórica para o nosso projeto, e agora você me diz que não pode ler nem uma única palavra? Isso é... é inaceitável, Matt."
Silas exigiu uma explicação imediata. Ele precisava de lógica, de fatos que pudessem ser inseridos em seu sistema de compreensão. A incapacidade de leitura de um intelectual era um paradoxo que desmantelava toda a sua premissa.
Matt pousou o volume de tratados filosóficos gentilmente sobre a mesa, e o som do couro batendo na madeira maciça reverberou no silêncio. Ele olhou para Silas, e não havia vergonha em seus olhos, apenas a clareza de alguém que havia feito uma escolha consciente e que vivia por ela.
"Silas, a sabedoria não está contida apenas na tinta e no pergaminho," Matt explicou, e ele usou um tom de voz que era suave, mas que carregava o peso da convicção. "A minha filosofia deriva da oralidade. Eu aprendi tudo o que sei através de conversas com os sábios, com os mendigos, com os governantes e com os marginalizados do mundo. Eu viajo, eu escuto, e eu observo."
Matt explicou que o desapego dele se estendia além das posses materiais, porque ele também havia se desapegado da necessidade de registrar e de consumir o conhecimento de forma escrita. A escrita, para Matt, representava uma forma de posse, uma tentativa de encapsular o conhecimento e transformá-lo em algo estático.
"O conhecimento verdadeiro deve ser fluido, ele deve ser a capacidade de síntese moral que surge da experiência, e não da repetição de textos antigos," Matt afirmou. "Eu não preciso de bibliotecas para compreender a injustiça, porque eu a vi, eu a vivi, e eu a respirei por meses no seu beco. Minha mente é a minha biblioteca, e o mundo é o meu texto."
Silas ouviu a explicação, mas o desapontamento dele era palpável. Ele caminhou até a mesa e pegou o volume que Matt havia acabado de soltar. Silas folheou as páginas com uma rapidez nervosa, e ele olhava para o texto como se estivesse vendo um tesouro que acabara de se tornar inútil.
"Mas eu precisava da síntese crítica desses textos, Matt," Silas disse, e o tom dele era de quem estava falando sobre um investimento perdido. "Eu precisava que você destilasse os argumentos sobre a justiça distributiva e a ética da opulência para mim. Eu não tenho tempo para ler isso tudo, e eu sou um cientista, não um filósofo moral."
Silas começou a andar de um lado para o outro no escritório, e ele estava visivelmente frustrado. A pilha de livros, que ele havia chamado de "presentes", agora parecia um monumento à sua ingenuidade, e ele havia depositado toda a sua esperança de uma solução para o projeto nesses volumes e na capacidade de Matt de processá-los.
Silas parou de andar, e ele olhou para Matt com uma expressão de resignação amarga. Ele sentia que havia sido enganado, não intencionalmente por Matt, mas pelas circunstâncias e pela sua própria expectativa.
"Se você não pode ler o material que eu preparei, o nosso 'acordo de presentes' se torna inviável, Matt," Silas declarou, e ele tentou manter a voz firme, mas havia um tremor sutil. "O propósito da troca era o seu trabalho com a teoria, a sua análise dos textos. Sem isso, eu estou apenas lhe oferecendo um teto e comida por nada, e eu já disse que eu não ofereço caridade sem propósito. O meu tempo é valioso demais para eu desperdiçá-lo."
Matt não se moveu, e ele apenas olhava para o cientista, e ele percebia a colisão entre a lógica fria de Silas e a realidade humana. Matt sabia que precisava confrontar Silas, não com raiva, mas com a verdade inconveniente.
"Silas, você está se apegando à forma, e não à essência," Matt respondeu, e ele elevou um pouco a voz para garantir que o cientista o escutasse. "Você me trouxe aqui porque você precisava de uma perspectiva que a sua ciência não consegue oferecer, e essa perspectiva é a experiência do beco."
Matt começou a caminhar lentamente pelo escritório, e ele ignorou os diagramas e os mapas nas paredes, focando apenas na face perturbada do cientista.
"Você me perguntou como quantificar a dor da miséria, e eu lhe disse que ela não pode ser medida. A sua elite não precisa de um tratado acadêmico sobre a desigualdade. Eles precisam de uma voz que lhes diga que o sofrimento deles é real, e que a sua opulência tem um preço moral."
Matt continuou, e ele apontou para a pilha de livros.
"A verdadeira contribuição que você precisa não está nesses livros. Está em mim, na minha memória do frio, da fome e da humilhação. Eu sou o manifesto moral que você busca. Se você precisa de um intérprete de textos, contrate um escriba. Se você precisa de alguém que possa tocar a consciência da sua elite com a verdade da rua, você precisa de mim."
O confronto de Matt era direto, e ele atacava a racionalidade de Silas com a força da moralidade pura, e o cientista estava visivelmente abalado pela crítica. Matt havia exposto a contradição central no plano de Silas: o cientista estava tentando usar a teoria para solucionar um problema que Matt havia vivenciado na prática.
Silas não conseguiu responder de imediato, e ele apenas olhava para Matt, e o rosto dele estava vermelho de frustração e, talvez, de vergonha. Matt havia virado o jogo, e o cientista percebeu que havia subestimado a profundidade da sabedoria de Matt.
Matt, no entanto, não esperou pela resposta de Silas. Ele sabia que a hesitação do cientista era uma indicação de que o acordo estava fundamentalmente quebrado, e Matt não aceitaria a caridade. Ele se levantou do assento, e ele pegou a pequena bolsa de tecido que Lena havia lhe dado, que continha o pão e o queijo.
"Eu não vou desperdiçar o seu tempo, Silas, nem vou comprometer a minha filosofia," Matt disse, e ele se dirigiu à porta do escritório, e ele não olhou para trás. "Eu estou acostumado a viver sem um lugar fixo. Eu tenho o meu pão, e eu tenho a minha liberdade, e isso é o suficiente para mim. Eu agradeço o convite, mas eu preciso ir."
A ação de Matt foi um choque para Silas, porque o cientista estava acostumado a ser o controlador da situação, e ele esperava que Matt fosse implorar para ficar, pois Matt estava há horas fora da miséria.
"Espere, Matt! Não vá!" Silas exclamou, e ele se apressou para alcançá-lo, e ele bloqueou a passagem de Matt na porta do escritório. "Isso é absurdo! Você não pode simplesmente ir embora! O meu projeto depende de você, e você não pode me deixar assim!"
Silas insistiu veementemente, e ele estava quase desesperado, porque ele havia investido muito na ideia de ter Matt por perto.
"Eu preciso de você, Matt! Eu estou sozinho nesta luta, e você é a única pessoa que pode me dar a visão que eu preciso para fazer a diferença," Silas argumentou, e a voz dele era alta, e Matt percebeu que a paixão do cientista pelo projeto era genuína. "Fique! Nós encontraremos uma solução para a leitura. Eu posso ler os textos para você, ou eu posso contratar alguém para fazer isso, mas você precisa ficar."
Matt olhou para o cientista, e ele percebeu a confusão na mente de Silas. O cientista estava tentando desesperadamente forçar a realidade de Matt a se encaixar em seu plano original, e isso era inaceitável para Matt.
"Eu não sou um leitor, Silas. Eu não sou um consultor de textos antigos," Matt respondeu, e ele não se moveu. "Você precisa decidir o que você realmente precisa. Você precisa do conhecimento prático, da voz da rua, ou você precisa da validação teórica dos seus livros?"
Matt continuou, e ele usou o momento para ensinar uma lição a Silas sobre a prioridade da ação.
"Procure-me, Silas, quando você tiver certeza do que você realmente precisa. Se você quer apenas a teoria, eu não sou o seu homem. Se você quer a verdade que pode abalar as fundações do seu reino, eu estarei na rua, vivendo o que os seus gráficos apenas descrevem. Eu sou fácil de encontrar."
Matt não deu tempo para Silas responder. Ele se moveu rapidamente, e ele desviou do corpo do cientista na porta. Ele caminhou pelo corredor da casa luxuosa, e ele não olhou para trás, e ele saiu pela porta da frente, e ele fechou-a silenciosamente atrás dele.
Silas ficou sozinho no escritório, e ele estava em um estado de profunda reflexão. O cientista permaneceu parado por um longo momento, e ele tentava processar o que havia acabado de acontecer. Ele havia perdido Matt, o seu "presente" mais valioso, e ele estava de volta ao ponto de partida.
Silas olhou para a mesa, e ele via a pilha de volumes de tratados filosóficos, e eles pareciam zombar dele. Ele havia se concentrado tanto na necessidade de justificar a sua causa com a sabedoria dos antigos, que ele havia ignorado a sabedoria viva que estava na sua frente. Matt era a prova viva da desigualdade, e Matt era o único que poderia dar voz àqueles que não podiam falar.
Silas começou a andar novamente, mas agora ele andava mais devagar, e ele passava as mãos pelos cabelos em um gesto de frustração. Ele havia subestimado a rigidez da filosofia de Matt, e ele havia tentado transformá-lo em algo que ele não era. Silas precisava de tempo para reavaliar a sua estratégia, porque Matt havia lhe mostrado que a solução não estava nos livros, mas na experiência.
Enquanto isso, Matt já estava longe da casa de Silas. Ele caminhava pelas ruas da cidade rica, e ele sentia o contraste entre o ar limpo e a arquitetura imponente daquela área, e a poluição e a decadência do bairro de Lena. Matt não tinha um destino, mas ele tinha um propósito: ele precisava retornar à sua forma de vida, à contemplação, e à dependência da generosidade.
Matt começou a se afastar da parte mais movimentada da cidade, porque ele não queria ser notado, e ele não queria ser um incômodo para ninguém. Ele se dirigiu aos arredores da capital, buscando um lugar que fosse calmo e que o permitisse observar a vida da cidade de longe. Ele atravessou os portões da cidade e começou a caminhar em direção ao campo aberto.
O sol estava alto no céu, e Matt sentia o calor do dia em sua pele, mas ele não se importava. Ele gostava da sensação de liberdade que o campo aberto lhe proporcionava. Ele era um viajante, e o seu lar era o mundo.
Matt caminhou por mais de uma hora, e ele começou a sentir a necessidade de descansar. Ele procurou por um lugar que lhe oferecesse abrigo e segurança para a noite. Ele viu uma pequena plantação de cereais, e ele passou por ela, e ele se dirigiu a um campo de grama alta que estava no limite da propriedade.
Matt parou de andar, e ele olhou para o campo por um longo momento. Ele avaliava as condições do local, a direção do vento e a proximidade de qualquer perigo. Ele viu uma grande árvore, uma velha figueira, que se destacava na paisagem. A árvore tinha um tronco robusto e uma copa densa que ofereceria sombra e proteção contra a chuva.
Matt se dirigiu à árvore, e ele examinou a estrutura dela. Ele viu um galho grosso e forte que estava posicionado em uma altura que ele podia alcançar com um pouco de esforço. O galho parecia ser o lugar perfeito para ele passar a noite, porque ele estaria seguro no alto, longe dos animais selvagens e dos olhares curiosos.
Matt colocou a pequena bolsa de Lena no chão, e ele tirou o terno que a prostituta havia lhe dado. Ele sabia que precisava cuidar das roupas, porque elas eram o único bem que ele possuía, e ele não podia se dar ao luxo de sujá-las. Ele dobrou o terno com cuidado, e ele o colocou dentro da bolsa, junto com o pão e o queijo.
Ele olhou para o galho novamente, e ele sorriu de forma sutil. A natureza era a sua casa, e ele estava feliz por estar de volta ao seu elemento. Ele começou a se preparar para subir na árvore.
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