## Capítulo 11: A Simplicidade do Conforto
Randal acordou com a luz fraca que entrava pelas cortinas pesadas. Ele abriu os olhos normais, os cansados, e por um momento não reconheceu onde estava. A vastidão do seu quarto, a cama com dossel, tudo era familiar, mas havia algo diferente no silêncio. Ele tentou lembrar-se do que o tinha acordado, mas não havia ruído. Havia apenas uma leveza que ele não experimentava há anos.
Ele percebeu que a sua mente não estava a correr. Não havia a lista de tarefas, nem os cálculos de logística, nem a urgência da fronteira. Havia apenas uma calma inesperada. Ele respirou fundo, o ar fresco da manhã enchendo os seus pulmões. Ele estava… descansado.
Randal virou a cabeça e viu Matt. O filósofo estava deitado ao seu lado, por cima das cobertas, ainda vestindo o roupão simples que cobria as suas roupas de dormir. Matt estava deitado de lado, com o rosto virado para o Rei, e dormia com uma serenidade que Randal invejara na noite anterior.
A visão de Matt ali, no seu quarto, na sua cama, era uma quebra de protocolo que normalmente o teria irritado profundamente. Ele era o Rei, e o filósofo era um andarilho que mal tinha um nome. Mas Randal não sentia raiva. Ele sentia uma gratidão estranha e uma satisfação profunda.
Ele tinha dormido. Ele tinha dormido profundamente, sem a interrupção dos seus olhos inferiores, sem a vigilância constante que o tinha atormentado. Ele estimou que tinha dormido cerca de nove horas, o que era um luxo absurdo para ele.
Randal moveu-se com cuidado para não acordar Matt. Ele se sentou na cama, observando o filósofo por mais um momento. Matt tinha falhado na tarefa de o embalar com a história do deserto, mas tinha triunfado no ato final de quebra de tensão. Os tapinhas na cabeça, aquele gesto simples e absurdo, tinham desarmado a sua mente de forma mais eficaz do que qualquer ciência. Randal sorriu, o que era raro. O conforto era a rendição, e Matt tinha-no forçado a render-se.
Ele levantou-se da cama, sentindo-se estranhamente ágil. O cansaço físico que o acompanhava cronicamente tinha desaparecido. Os seus ombros estavam relaxados, e a sua cabeça estava clara. Ele podia pensar nas finanças do reino sem sentir a urgência de um desastre iminente.
Randal vestiu o seu roupão e foi até a janela. Ele afastou as cortinas, e a luz do sol inundou o quarto. Era uma manhã clara, e o jardim do castelo parecia vibrante. Ele percebeu que o mundo não tinha desabado enquanto ele dormia. O reino de Luther continuava de pé, as fronteiras estavam seguras, e os generais não tinham traído a sua lealdade. A sua arrogância, como Matt a tinha chamado, tinha sido confrontada pelos fatos. Ele era substituível, pelo menos durante algumas horas de sono.
Ele foi até a sua cómoda e escolheu as roupas para o dia. Ele selecionou uma túnica azul escura, mais vibrante do que o cinzento habitual, e calças bem cortadas. Ele estava a se vestir com cuidado, sentindo-se animado para o dia. Ele pensou que, pela primeira vez em muito tempo, ele estaria presente no café da manhã na sala de jantar principal. Ele tinha evitado as refeições matinais para maximizar o tempo de trabalho, e Luther comia quase sempre sozinho ou com a governanta.
Ele terminou de se vestir e olhou para Matt novamente. O filósofo ainda estava profundamente adormecido. Randal pensou em acordá-lo, talvez para expressar a sua gratidão, ou talvez para ter uma conversa filosófica sobre o significado da rendição. Mas Matt parecia tão suavemente adormecido, tão em paz, que Randal desistiu da ideia. Ele sabia, agora, a importância de um bom sono. Acordar Matt seria um ato de egoísmo.
Randal procurou um pedaço de papel e uma caneta sobre a sua mesa de cabeceira. Ele precisava de deixar uma nota para Matt, explicando a situação e agradecendo-lhe. Ele escreveu rapidamente, com a sua caligrafia de cientista:
*Matt,*
*Obrigado. Funcionou. O conforto é um conceito estranho para mim, mas eu experimentei-o. Você pode dormir o tempo que precisar. Vou estar no Salão de Jantar. Junte-se a mim quando acordar.*
*Randal.*
Ele dobrou o bilhete ao meio e colocou-o no criado-mudo, mesmo ao lado da cabeça de Matt. Ele deu mais uma olhada no quarto, certificando-se de que tudo estava em ordem. A sua mente estava a funcionar com uma clareza que o surpreendeu. Ele tinha a energia necessária para enfrentar Valerius e a nobreza.
Randal saiu do quarto principal, fechando a porta com suavidade. Ele caminhou pelos corredores, o seu passo mais leve e confiante. Ele estava a ir para o Salão de Jantar, um lugar que ele tinha evitado por muito tempo, mas que agora o atraía.
Ele chegou ao Salão de Jantar. Era uma sala grande, com janelas altas que davam para o jardim. A mesa estava posta com pratos de prata e porcelana fina. Luther já estava sentado, mastigando um pedaço de pão, com uma expressão ligeiramente melancólica. Valerius, o Conselheiro Real, estava na cabeceira da mesa, lendo um pergaminho com a sua habitual severidade.
A entrada de Randal causou um silêncio imediato. Valerius levantou o olhar do pergaminho, com uma expressão de surpresa. Randal normalmente só aparecia para a última refeição do dia, ou quando havia assuntos urgentes.
“Randal,” Valerius cumprimentou, a sua voz cautelosa. “Você está… presente.”
Luther levantou-se da cadeira, a sua expressão de melancolia transformou-se em confusão.
“Irmão? Você está a tomar café da manhã?” Luther perguntou, e a sua voz estava cheia de uma esperança que Randal não ouvia há muito tempo.
Randal foi até a sua cadeira, que estava no centro da mesa, e sentou-se. Ele pegou um pedaço de fruta da taça central.
“Sim, Luther. Eu estou a tomar café da manhã,” Randal respondeu, e ele estava a sorrir de forma genuína. “Eu tive uma noite muito boa de sono.”
Valerius pousou o pergaminho sobre a mesa. Ele cruzou os braços, a desconfiança evidente no seu rosto. Ele não acreditava em coincidências, especialmente quando envolviam Matt, o filósofo andarilho que ele considerava uma ameaça à ordem.
“Uma noite de sono? Isso é… incomum,” Valerius observou. “Devo perguntar o que provocou este milagre. O seu trabalho de alquimia finalmente lhe deu uma poção eficaz?”
Randal riu, e o som era estranho, pois a sua risada era quase sempre reservada para a ironia.
“Não, Valerius. Nenhuma poção. Foi Matt,” Randal explicou, e ele estava a olhar para Luther, que agora estava a sorrir. “Eu não conseguia dormir, e eu recorri ao filósofo. Ele me ajudou, e eu tive um ótimo sono. Pela primeira vez em anos, a minha mente parou de correr.”
Luther bateu palmas na mesa, a sua alegria era contagiante.
“Eu sabia! Matt é o melhor!” Luther exclamou. Ele se virou para Valerius. “Ele é muito sábio, Lorde Valerius. Ele sabe o que fazer.”
Valerius ignorou Luther, focando a sua atenção em Randal.
“Matt? O andarilho? Ele usou alguma técnica de hipnose ou um ritual estranho?” Valerius perguntou, e o seu tom era de escárnio. Ele já tinha decidido que Matt era um charlatão ou um perigo.
“Ele não usou nada, Valerius. Ele me deu um conselho. Ele me disse para parar de lutar, e para aceitar a inutilidade,” Randal explicou, e ele estava a usar a linguagem de Matt com uma naturalidade surpreendente. “A minha mente precisava de ser enganada, e ele conseguiu isso.”
Valerius não estava convencido. Ele tinha visto Matt como uma ameaça desde o início, e a sua presença no castelo era uma afronta à sua autoridade e à estabilidade da corte. Agora, Randal estava a atribuir a sua saúde e bem-estar a este indivíduo.
“Eu não confio neste homem, Randal. A sua influência é perigosa. Ele fala sobre taxar a nobreza, e agora ele está a manipular o seu sono,” Valerius argumentou. “Eu temo que ele esteja a usar o seu estado vulnerável para obter controle sobre você.”
Randal parou de mastigar. Ele olhou para Valerius, e o sorriso desapareceu. Ele estava descansado, mas a sua autoridade como Rei estava intacta.
“A minha vulnerabilidade foi exposta a mim mesmo por Matt, Valerius. Não por ele. Eu fui quem o procurei. E a manipulação é o seu domínio, não o dele,” Randal disse, e ele não estava a levantar a voz, mas o tom era firme e inquestionável. “Eu dormi. É um fato. E eu não vou questionar o método. Eu não vou expulsar o homem que me deu descanso.”
Valerius percebeu que não conseguiria argumentar com Randal naquele momento. O Rei estava energizado e determinado. Ele precisava de evidências, e ele precisava de um plano para desacreditar Matt.
“Eu peço desculpas, Majestade. Eu só estou preocupado com a sua segurança,” Valerius recuou ligeiramente, mas os seus olhos estavam a calcular.
Randal apenas acenou com a cabeça. Ele sabia que Valerius não tinha desistido.
A conversa continuou com assuntos triviais, e Randal participou com uma atenção renovada. Ele perguntou a Luther sobre os seus estudos e prometeu passar mais tempo com ele naquele dia. Luther estava radiante, e a sua felicidade era, para Randal, uma segunda recompensa pela noite bem dormida.
Valerius terminou o seu café da manhã rapidamente. Ele precisava de ação. Ele não podia permitir que Matt ganhasse mais terreno. O seu ódio por Matt não era apenas político; era uma rejeição do conceito de que a sabedoria poderia vir da miséria e da simplicidade. Valerius era um homem de ordem, e Matt era o caos filosófico.
Valerius levantou-se.
“Eu tenho alguns documentos urgentes para revisar, Majestade. Com a sua licença,” Valerius disse, e ele se curvou.
“Vá em frente, Valerius,” Randal respondeu, sem desconfiança.
Valerius saiu do Salão de Jantar. Ele caminhou pelos corredores, e a sua mente estava a formular um plano. Randal tinha dito que Matt o tinha ajudado a dormir. Randal tinha dormido no seu quarto principal. Matt estava no quarto de Randal. A quebra de decoro era ultrajante, mas era a prova que Valerius precisava para expor Matt como um intruso.
Ele tinha que ir até o quarto de Randal e confirmar a história. Se ele encontrasse Matt ali, ele teria uma justificação para acusar o filósofo de assédio ou de tentar obter vantagem sobre o Rei. Ele chamaria os guardas e faria uma cena pública, forçando Randal a agir contra o filósofo.
Valerius apressou o passo em direção à ala real. Ele era um homem grande, e o seu andar era pesado, mas ele estava motivado pela derrota que sentia. Ele tinha avisado Randal sobre Matt, e agora ele tinha a oportunidade de provar que estava certo.
Ele chegou à porta do quarto principal de Randal. Ele hesitou por um breve momento. A porta estava ligeiramente entreaberta, o que era incomum para os aposentos reais. Valerius empurrou-a suavemente e espiou para dentro.
A luz do sol iluminava a vasta câmara. Ele viu a cama com dossel, e a primeira coisa que Valerius notou foi a figura na cama.
Matt estava lá. Ele estava deitado de lado, por cima das cobertas, na lateral da cama onde Randal normalmente dormia. Ele estava imóvel e parecia estar a dormir profundamente. Valerius podia ver a expressão pacífica no rosto do filósofo.
O sangue de Valerius ferveu. O andarilho estava a dormir na cama do Rei. A audácia era inaceitável. Ele deu um passo para dentro, pronto para gritar e chamar os guardas. Ele ia expor a imoralidade e a influência perniciosa de Matt.
Valerius aproximou-se da cama, o seu rosto contorcido de ódio. Ele estava prestes a tocar o ombro de Matt, mas os seus olhos caíram sobre o criado-mudo. Havia um pedaço de papel dobrado ali.
Valerius parou. Ele não podia simplesmente atacar Matt sem saber o contexto. Ele estendeu a mão e pegou no bilhete. Ele desdobrou-o rapidamente, e a sua expressão endureceu ao ler a caligrafia de Randal.
*Matt,*
*Obrigado. Funcionou. O conforto é um conceito estranho para mim, mas eu experimentei-o. Você pode dormir o tempo que precisar. Vou estar no Salão de Jantar. Junte-se a mim quando acordar.*
*Randal.*
Valerius leu a nota duas vezes. Era simples, direta, e não havia margem para interpretação. Randal tinha dormido, e ele tinha permitido explicitamente que Matt continuasse a dormir ali. O bilhete era uma autorização real. Se Valerius chamasse os guardas, ele estaria a desafiar uma ordem direta do Rei, o que era traição.
O ódio de Valerius cresceu. Ele tinha a prova da intimidade de Matt com o Rei, mas não a prova de um crime. Randal estava a proteger Matt, ou pior, Randal estava a ser influenciado pela simplicidade do filósofo.
Valerius colocou o bilhete de volta no criado-mudo. Ele olhou para Matt, que dormia tão tranquilamente que parecia quase um desafio. O filósofo tinha vencido, mais uma vez, apenas por ser ele mesmo e por induzir o sono do Rei. Valerius não podia agir. Ele tinha sido derrotado pela simplicidade e pela ironia da situação. Ele saiu do quarto do Rei, a sua fúria contida, e a derrota era um peso que ele carregava. Ele precisava de um novo plano para remover Matt do castelo, um plano que não envolvesse a quebra de protocolo, mas sim a destruição da reputação do filósofo. Ele não podia admitir a derrota publicamente. Ele tinha perdido a batalha matinal, mas a guerra estava longe de terminar.
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