Capítulo 7: A Semente da Traição Mello observou Lorde Corwin desaparecer pela passagem secreta, seu passo apressado ecoando o terror que pairava sobre a sala. Emma, após dar um último olhar sombrio para a saída que Amora e Draven haviam usado, finalmente se virou para Mello e Snow. Ela estava visivelmente abalada, a palidez de sua doença acentuada pela tensão do confronto. “Eu devo ir,” Emma disse, a voz rouca. Ela respirou fundo, tentando restaurar um semblante de compostura real. “Preciso me recompor antes de me apresentar publicamente. A farsa deve começar imediatamente. Se Draven anuncia a regência em uma hora, preciso que o reino acredite que estou lutando por minha vida, mas com uma nova esperança mágica. Vou para meus aposentos e farei contato com meus próprios aliados no conselho para preparar a resistência, ainda que discreta.” Mello assentiu, grato pela determinação de Emma, que parecia ser a única âncora de sanidade naquele momento. “Tenha cuidado, Emma. Draven agora está no controle. Se ele souber que você está coordenando uma oposição, ele pode tentar silenciá-la.” “Ele precisa de mim,” Emma respondeu com uma ponta de amargura. “Ele precisa da Princesa Herdeira doente e esperançosa para legitimar sua regência e justificar a necessidade de um guardião. Ele não vai me tocar, a menos que eu o force. Mas vou agir nas sombras, prometo. Nove meses de regência é tempo demais para ele manter a fachada.” Emma se aproximou, abraçando Mello com uma força surpreendente. “Você é o herdeiro, Mello. Você tomou a decisão mais difícil, mas a certa. Agora, concentre-se no ritual. Você tem que sobreviver. Por nós, e pelo reino.” Ela se afastou e, com um último olhar de encorajamento para Snow, que estava parado em silêncio perto da mesa, Emma se dirigiu à passagem secreta que levava aos seus próprios aposentos. A porta se fechou com um clique silencioso, deixando Mello e Snow sozinhos no quarto que, momentos antes, havia sido o epicentro de uma conspiração desesperada. O silêncio que se seguiu era ensurdecedor, quebrado apenas pela respiração pesada de Mello. Ele se sentia esmagado. A adrenalina do confronto com Draven estava diminuindo, substituída por uma exaustão física e mental avassaladora. Ele havia cedido ao Tenente. Havia entregado o reino, mesmo que temporariamente, para garantir sua vida e a sucessão. O peso daquela escolha era quase insuportável. Mello se deixou cair em uma das cadeiras estofadas, esfregando as têmporas. Seus olhos estavam fixos no grimório deixado sobre a mesa, o objeto de sua desgraça e de sua única esperança. “Eu não acredito que ele fez isso,” Mello murmurou, a voz baixa, quase inaudível. Ele não estava se referindo a Draven ter conseguido a regência, mas à tentativa do Tenente de destruir a confiança entre ele e Snow. “Ele tentou nos virar um contra o outro.” Snow não respondeu imediatamente. Ele permaneceu de pé por um longo momento, observando Mello. Sua postura estava tensa, mas diferente da tensão de um amigo em pânico. Havia uma rigidez calculada, uma quietude que Mello não reconheceu de imediato. Era a calmaria que precede uma tempestade, mas Mello estava muito exausto para notar a nuance. Quando Snow finalmente se moveu, foi com uma lentidão deliberada. Ele caminhou até Mello, sua expressão uma máscara de preocupação. “Ele é um manipulador, Mello,” Snow disse, sua voz estranhamente controlada. Não havia a fúria ou a mágoa que Mello esperava após as acusações de Draven. Havia apenas uma frieza profissional. Mello levantou a cabeça, olhando para o rosto de seu amigo. Os olhos azuis de Snow estavam fixos nele, mas parecia que ele estava olhando *através* de Mello, não *para* ele. “Você está bem?” Mello perguntou, notando a mudança sutil no comportamento de Snow. “Você mal falou desde que ele saiu. As acusações dele… eu sei que não são verdadeiras, mas elas te machucaram, não foi?” Snow balançou a cabeça, um movimento leve. “Não mais do que a dor de ver você ter que fazer esse pacto com o diabo,” ele corrigiu, o tom neutro. “Eu não ligo para o que ele pensa de mim. Eu ligo para o que ele fará com você. E o que ele fará com o reino.” A resposta de Snow era lógica, mas a forma como ele a entregou, desprovida de qualquer emoção real, ressoou estranhamente em Mello. Snow, o amigo compassivo e sempre expressivo, parecia ter erguido uma barreira invisível. Mello sentiu um arrepio percorrer sua espinha, uma sensação de que a tensão do confronto com Draven havia mudado algo fundamental em Snow, transformando a lealdade desesperada em uma frieza calculada e determinada. Mello tentou afastar o pensamento, atribuindo-o ao estresse. Ele estava projetando seus próprios medos na única pessoa em quem podia confiar. “Eu não tenho escolha,” Mello suspirou, fechando os olhos novamente. “Agora é uma corrida. Temos que começar o ritual o mais rápido possível. Amora disse que eu preciso de três dias de preparação antes da ‘concepção’.” “E você precisa de um corpo em condições de enfrentar isso,” Snow interveio, sua voz mais suave agora, assumindo um tom quase paternal. “Você está exausto, Mello. Você não dormiu direito em dias, e acabou de passar por um trauma emocional com Draven. O ritual será excruciante, você sabe. Você precisa de toda a sua energia.” Snow estendeu a mão e tocou o ombro de Mello, um gesto que parecia ter a intenção de ser reconfortante, mas que Mello percebeu como firme, quase possessivo. “O que você sugere?” Mello perguntou, sua voz cansada. “Sugiro que você tome um bom banho, Mello,” Snow disse, a sugestão soando surpreendentemente calma. “Quente. Você precisa relaxar os músculos, limpar a mente. Enquanto isso, eu posso começar a organizar seus aposentos para a reclusão. Trazer as ervas que Amora mencionou para o banho inicial, garantir que a água esteja na temperatura certa. Não se preocupe com os preparativos do ritual. Deixe isso comigo. Você precisa descansar.” O tom de Snow era convincente, prático. Ele estava sendo o amigo leal, assumindo a logística para aliviar a carga de Mello. Mello deveria se sentir grato, mas a quietude e a determinação que emanavam de Snow eram perturbadoras. Onde estava o pânico, a relutância, a dor que Snow havia demonstrado ao se voluntariar para a parte da ‘semente’? Tudo havia sido substituído por uma eficiência fria. “Eu não sei se consigo descansar,” Mello confessou. “Com Draven agora no controle, e a reunião do conselho iminente…” “Draven está ocupado com seus próprios jogos de poder,” Snow interrompeu, a voz firme. “Ele não virá aqui. Ele precisa que você esteja vivo e seguro para que a regência dele seja legítima. Você tem um escudo agora, Mello. Um escudo militar. Use-o para descansar.” Snow se inclinou ligeiramente, seus olhos azuis brilhando sob a luz fraca. “Eu cuidarei de tudo. Prometi que faria. Vá, Mello. Por favor. É o primeiro passo no ritual, cuidar de si mesmo.” Mello cedeu. A exaustão era um peso físico, e a ideia de mergulhar em água quente era tentadora demais para resistir. Ele precisava de clareza, e o estresse estava nublando seu julgamento. “Tudo bem,” Mello concordou, levantando-se da cadeira. Ele deu um passo em direção à porta que levava à sua câmara de banho privada. “Obrigado, Snow. Eu realmente não sei o que faria sem você.” Snow sorriu, um movimento que não alcançou seus olhos. Era um sorriso frio, rápido, que desapareceu quase tão rapidamente quanto surgiu. “Eu também não sei,” Snow murmurou, mas Mello já estava a caminho, sem ouvir a ambiguidade na voz do amigo. Mello entrou na câmara de banho e fechou a porta atrás de si, o som do clique da fechadura dando um falso senso de segurança. Ele começou a se despir, sentindo o peso das roupas reais. *** No instante em que a porta do banheiro se fechou e o som fraco da água começando a encher a banheira se tornou audível, a transformação em Snow foi imediata e impressionante. A máscara de preocupação e lealdade caiu. Seus olhos azuis, antes arregalados de dor ou ternura, agora estavam estreitos, duros e implacáveis. A postura relaxada de amigo deu lugar a uma rigidez militar, uma tensão nervosa que irradiava de seus ombros. O Snow que havia implorado a Mello para não confiar em Draven havia desaparecido. Em seu lugar, estava um homem com uma determinação fria e calculada, um homem que parecia estar no controle absoluto. Ele caminhou rapidamente até a porta principal dos aposentos de Mello, onde Emma e Corwin haviam saído, e a trancou com um movimento brusco e preciso. O trinco de metal pesado confirmou que Mello estava, pelo menos temporariamente, isolado. Snow não perdeu tempo. Ele se moveu pela sala com uma eficiência assustadora, pegando a capa que havia deixado sobre uma cadeira. Ele não olhou para o grimório, nem para a mesa onde a reunião havia ocorrido. Seu foco estava singularmente no tempo e na necessidade de agir. A conversa com Draven, a tentativa do Tenente de semear a desconfiança, havia sido um revés, mas também uma confirmação. Draven estava agindo, e estava perto de Mello. Mas a regência temporária, a prisão dourada que Draven havia oferecido, era exatamente o que Snow precisava. Isso tirava Mello da jogada por nove meses, garantindo sua reclusão e vulnerabilidade, enquanto o poder real era transferido para as mãos de um militar — o que facilitava o próximo passo. Snow abriu a porta principal dos aposentos de Mello, verificando o corredor. Estava vazio. Os guardas de Draven ainda não haviam sido mobilizados para proteger Mello, o que era uma falha de segurança que Snow precisava explorar. Ele deslizou para fora, fechando a porta com cuidado, mas sem trancá-la do lado de fora. Mello estava seguro no banho por pelo menos dez minutos. Era tempo suficiente. Snow acelerou o passo, transformando-o em uma corrida silenciosa e determinada pelos corredores secundários do castelo. Ele não estava indo para seus próprios aposentos. Ele estava indo para o Salão Principal, onde a reunião do conselho já deveria ter começado. O plano precisava ser acelerado. Draven havia se tornado um risco existencial não por sua ambição, mas por sua inteligência. Ele estava muito perto de desvendar a verdade, e sua regência, mesmo que temporária, lhe daria nove meses para investigar o ritual e a 'semente'. Draven precisava ser neutralizado. Agora. *** O Salão Principal do conselho era um lugar de teto alto e paredes de mármore frio, iluminado por lustres mágicos que brilhavam com um fulgor austero. A mesa central, longa e de madeira escura, estava cercada pelos doze membros do conselho, todos tensos e agitados. Draven estava de pé na cabeceira da mesa, impecável em seu uniforme, dominando a sala. Sua voz, normalmente calma, ressoava com a autoridade recém-adquirida, embora o tom fosse de preocupação e dever. Amora estava sentada perto do canto, sua expressão impassível, mas seus olhos, enquanto observava Draven, eram afiados com a inteligência de quem já sabia de todos os seus movimentos. Draven estava terminando a apresentação de sua proposta, que ele havia reformulado apressadamente após o encontro com Mello. “... E, portanto, diante da necessidade de estabilidade imediata e da iminente reclusão do Príncipe Mello para seu tratamento mágico, proponho a implementação imediata de uma Regência Militar Temporária, sob minha supervisão,” Draven declarou, sua voz firme. “Isto não é um golpe de estado, mas uma medida de segurança, endossada pelo próprio Príncipe. Ele necessitará de proteção e privacidade absolutas. Eu garanto que, durante os nove meses de sua convalescença, as fronteiras e as finanças do reino estarão seguras, e a sucessão estará protegida.” As reações eram mistas. Lorde Corwin, que havia chegado momentos antes, estava sentado, fingindo surpresa e indignação, mas mantendo a compostura. A maioria dos conselheiros, composta por nobres e magos mais velhos, estava dividida entre o medo do caos e a repulsa pela ideia de um militar no poder. “Regência Militar?!” A Conselheira Elara, uma maga poderosa e defensora ferrenha das tradições, sibilou, batendo o punho na mesa. “Isso é inadmissível! Um regente deve ser nomeado entre os membros da realeza ou do conselho!” “A ameaça é militar, Conselheira,” Draven rebateu com calma letal. “Nossas fronteiras estão instáveis. O reino precisa de uma mão firme, e eu tenho a confiança do exército e, agora, do Príncipe Mello.” Draven gesticulou para um dos seus assessores, que distribuiu cópias dos documentos de regência, que ele havia forçado Mello a endossar. A cláusula de supervisão mágica de Amora estava lá, uma concessão vazia que Draven usava para disfarçar a tomada de poder. A porta do Salão Principal se abriu discretamente. Snow entrou, deslizando para dentro como uma sombra. A maioria dos membros do conselho estava muito absorta na discussão acalorada para notar sua presença. Snow não se dirigiu à mesa. Ele ficou parado perto das portas, a sua presença sutilmente diferente. Ele estava vestindo um uniforme escuro e discreto, e sua expressão não era a de um tenente preocupado com a política, mas a de alguém que tinha um objetivo singular e implacável. Amora, porém, notou-o. Seus olhos se encontraram brevemente. Amora estava tensa devido ao acordo forçado com Draven, mas a visão de Snow no salão a fez hesitar. Ela sabia que ele estava encarregado de cuidar de Mello. Por que ele estava ali, com aquela expressão fria? A estranheza de Amora era palpável. Snow não deveria estar ali. Draven, sem se distrair, continuou a consolidar seu poder. “O Príncipe Mello precisa de tempo, e o reino precisa de ordem,” Draven argumentou, a voz grave. “A regência militar não é permanente. Ela cessará no momento em que o herdeiro nascer e o Príncipe Mello se recuperar. Amora, por favor, explique ao conselho a importância de que o Príncipe permaneça em reclusão total para a cura.” Amora, ainda olhando de relance para Snow, que agora se movia discretamente para o fundo da sala, assentiu e começou a falar com a eloquência calculada de uma maga experiente. “O tratamento do Príncipe Mello exige reclusão. É um procedimento de cura complexo, que requer concentração mágica e física. Qualquer estresse ou interrupção pode ser fatal para o Príncipe e, consequentemente, para a sucessão,” Amora explicou, seu olhar encontrando o de Draven, uma faísca de desafio disfarçada. “A regência é necessária para garantir que a segurança do reino não perturbe o processo de cura. E, como eu monitorarei o progresso mágico do Príncipe, a legitimidade da regência será garantida.” Draven sorriu levemente, satisfeito com a cooperação forçada de Amora. Ele havia encurralado todos eles. A reunião prosseguiu como uma tortura prolongada para os membros do conselho que se opunham. Draven era um mestre em argumentação, usando a crise e o medo do caos como martelos para esmagar qualquer resistência. Ele citou estatísticas militares, mencionou a instabilidade nas fronteiras e usou o estado de saúde de Emma como prova de que a linha real estava fraca e precisava de um apoio firme. Enquanto Draven falava, Snow continuava sua movimentação sutil. Ele não estava ouvindo o debate. Seus olhos estavam varrendo a sala, medindo distâncias, avaliando a posição de cada pessoa. Ele parou perto de uma das pilastras de mármore, que dava uma visão clara da cabeceira da mesa. *** Mello estava mergulhado na água quente, sentindo o calor penetrar em seus ossos e músculos tensos. A água estava perfumada com um aroma suave que ele não reconheceu, mas que parecia ter um efeito calmante imediato. A exaustão era tanta que ele sentiu que poderia adormecer ali mesmo. Ele tentou processar a situação. Regência de Draven. Nove meses de reclusão. O ritual, a dor, o risco de morte. A traição implícita que Draven tentou plantar. O pensamento de Snow o trouxe de volta à realidade. Ele se sentia culpado por ter questionado o amigo, mesmo que por um breve momento. Snow havia sido firme, prático. Ele estava sendo o apoio que Mello precisava, a rocha em meio ao turbilhão. A frieza que Mello percebera era provavelmente apenas a determinação de Snow em se proteger das táticas de Draven e em cumprir seu papel no plano. Mello fechou os olhos. Ele tinha que confiar em Snow. Não havia mais ninguém. Ele não tinha ideia de quanto tempo havia passado, mas a água estava começando a esfriar. A urgência da situação o despertou. Ele precisava sair, começar a preparar seu corpo para a transformação inicial, como Amora havia instruído. Mello se levantou da banheira, sentindo-se um pouco mais revigorado, mas a exaustão ainda pairava. Ele se enrolou em uma toalha e saiu da câmara de banho. O quarto estava estranhamente silencioso. A porta que levava à sala de estar estava aberta. “Snow?” Mello chamou, sua voz baixa. Silêncio. Mello caminhou para a sala de estar. O grimório ainda estava lá, aberto. Mas Snow havia sumido. Mello sentiu um frio na barriga. Ele havia dito a Snow para descansar, mas o amigo não faria isso sem avisar. Onde ele poderia ter ido? O olhar de Mello varreu a sala. A capa de Snow não estava mais na cadeira. E a porta principal estava trancada, o trinco visível. Mello franziu a testa. Ele tinha certeza de que a porta não estava trancada quando ele entrou no banho. Um pensamento desagradável começou a se formar na mente de Mello, mas ele o rechaçou. Snow não o trancaria. Mello correu para a porta e tentou abri-la. O trinco estava firme. Ele estava preso. *** No Salão Principal, Draven havia chegado ao ponto crucial de sua argumentação. “... E por isso, peço o voto de confiança deste conselho. Confiem em mim para proteger o futuro do reino. A regência militar é o caminho da ordem,” Draven finalizou, sua voz ressoando com a autoridade de quem esperava a vitória. Os membros do conselho estavam tensos, mas a maioria parecia resignada. Eles temiam Draven e o poder militar que ele controlava. O caos era o maior inimigo. Um momento de silêncio pairou sobre a sala, enquanto Draven observava os conselheiros, esperando o aceno de consentimento. Foi então que o silêncio foi quebrado. Um som seco e agudo cortou o ar, vindo da área das pilastras, onde Snow estava parado. O som era inconfundível. Era o clique de um mecanismo de arco sendo armado. Todos se viraram. Snow estava parado, não mais como o amigo pálido de Mello, mas como um assassino. Em suas mãos, ele segurava uma pequena besta de repetição, um brinquedo perigoso e silencioso, mais usado por caçadores furtivos do que por soldados da guarda real. Os olhos de Draven se arregalaram em um instante de reconhecimento aterrorizado, a máscara de calma finalmente se quebrando. “Snow?!” Draven gritou, a voz cheia de descrença e fúria. Antes que Draven pudesse reagir, antes que qualquer um dos guardas na sala pudesse sequer puxar suas espadas, Snow atirou. O dardo mágico, pequeno e rápido, zumbiu no ar. Não atingiu Draven na cabeça, mas sim no pescoço, bem na artéria carótida. A ponta não era de metal, mas de um cristal que quebrava ao contato, liberando uma toxina. Draven cambaleou para trás, a mão voando para o pescoço, o grito preso em sua garganta. Ele tentou dizer algo, talvez uma ordem, mas sua voz era apenas um sussurro gorgolejante. O choque na sala era absoluto. Magos e nobres se levantaram, derrubando cadeiras. Draven caiu, o sangue escorrendo do pequeno ferimento no pescoço. Ele convulsionou por um breve momento, seus olhos ainda fixos em Snow, cheios de uma compreensão horrível. A toxina era rápida e potente. O tenente Draven, o homem que acabara de conquistar o controle total do reino, estava morto em questão de segundos. Snow, ainda com a besta na mão, observou o corpo de Draven. Sua expressão era de uma satisfação fria e brutal. Ele havia neutralizado a ameaça mais perigosa para Mello e para o plano. Amora foi a primeira a reagir. Ela se levantou da mesa, o rosto pálido. Ela olhou para o corpo de Draven, depois para Snow, e finalmente para o conselho em pânico. “Guarda!” A Conselheira Elara gritou, apontando para Snow. “Prendam aquele homem! Ele assassinou o Tenente!” Snow soltou a besta, deixando-a cair no chão de mármore com um clank. Ele não tentou fugir. Ele levantou as mãos, permitindo que os guardas o cercassem. Os guardas de Draven, em choque com a morte repentina de seu líder, estavam confusos, mas obedeceram à ordem de prender Snow. Enquanto era algemado, Snow manteve contato visual com Amora. Ele lhe deu um aceno sutil, quase imperceptível. Não era um pedido de ajuda, mas uma afirmação de que o plano estava agora de volta aos trilhos, e que ela precisava agir. Amora entendeu. Draven estava morto. O risco de exposição havia desaparecido. Mas o caos agora era ainda maior. “Silêncio!” Amora gritou, sua voz mágica ressoando no salão. O conselho se acalmou ligeiramente. “O Tenente Draven foi assassinado,” Amora declarou, sua voz surpreendentemente firme. “Por um soldado que aparentemente agiu sozinho.” Snow, que estava sendo arrastado pelos guardas, olhou para ela com um brilho de aprovação nos olhos. Um soldado que agiu sozinho. Sim, a história perfeita. A reunião do conselho se transformou em histeria controlada. A regência de Draven havia durado menos de cinco minutos após a proposta formal. *** Mello estava preso em seus aposentos, a toalha enrolada na cintura. Ele tentou a passagem secreta de Emma, mas percebeu que a porta da passagem também estava trancada do lado de fora. O pânico começou a se instalar. Snow não faria isso. A menos que… a menos que Draven estivesse certo, e Snow o tivesse traído de alguma forma. Mello correu para a janela, mas seus aposentos ficavam no terceiro andar. “Snow!” Mello gritou, socando a porta principal. “O que está acontecendo?!” Nenhuma resposta. Ele ouviu ruídos distantes vindo do castelo, vozes altas, passos apressados. Algo havia acontecido. Mello se vestiu rapidamente, seus movimentos tensos. Ele tinha que sair dali. Ele precisava de Amora, de Emma. De repente, ele ouviu o som de uma chave na fechadura principal. Mello se encolheu, preparando-se para o que viesse. Seria Draven, zombando dele? A porta se abriu com violência. Não era Draven. Era Amora. Ela estava vestida com sua roupa de conselheira, mas seu cabelo estava despenteado e seu rosto estava pálido de pânico e urgência. Ela invadiu os aposentos, batendo a porta atrás de si e trancando-a novamente. Mello se virou para ela, o alívio misturado com terror. “Amora! O que aconteceu? Eu estava preso. Onde está Snow?” Amora correu até ele, segurando seus ombros com as mãos trêmulas. Ela estava respirando pesadamente, como se tivesse corrido a distância do salão até seus aposentos. “Mello, você precisa se acalmar. Você precisa me ouvir,” Amora disse, sua voz um sussurro agudo. “O que aconteceu com Draven? E Snow? Ele me trancou aqui.” Mello exigiu. Amora balançou a cabeça, os olhos arregalados. “Não foi Snow que o trancou, Mello. Ou, pelo menos, isso não importa agora. O que importa é que o Tenente Draven está morto.” A notícia atingiu Mello como um soco no estômago. Ele cambaleou para trás, apoiando-se na parede. “Morto? O quê? Como?” Mello perguntou, sua mente lutando para processar a informação. Draven, o estrategista, o manipulador que acabara de vencer a batalha pelo poder, morto? Amora estava visivelmente apavorada. O pânico que Mello sentia era espelhado na maga, uma mulher que raramente perdia a compostura. “Foi há poucos minutos. No Salão Principal. Durante a reunião do conselho,” Amora revelou, sua voz ainda baixa, mas carregada de terror. “Ele foi assassinado. Com um dardo envenenado.” Mello sentiu o estômago revirar. “Um dardo? Quem faria uma coisa dessas? Um de seus inimigos no exército? Um conselheiro?” Amora hesitou por um breve momento, seus olhos encontrando os de Mello com uma dor profunda. “As evidências iniciais apontam para um soldado. Um tenente de baixa patente chamado Nyon,” Amora revelou, e o choque de Mello foi total. “Dizem que ele estava sendo constantemente humilhado por Draven. Aparentemente, ele se infiltrou no salão e o atacou.” Mello piscou, tentando absorver a rapidez e a brutalidade dos acontecimentos. A regência de Draven havia acabado antes mesmo de começar. A ameaça havia sido removida de forma violenta e inesperada. “Nyon…” Mello murmurou, tentando lembrar do nome. Ele vagamente se lembrava de um soldado magro e nervoso que Draven tratava com desprezo. “O soldado foi imediatamente detido, Mello. Mas não é isso que me assusta,” Amora continuou, sua voz se tornando mais urgente. “É a velocidade. É a conveniência. O Tenente Draven, que estava prestes a assumir o controle total do reino, é morto por um soldado insignificante no momento exato em que ele estava se consolidando no poder.” Amora agarrou as mãos de Mello novamente, seus olhos implorando por compreensão. “Isso não é um acidente, Mello. Isso é uma manobra. E, Mello, Snow estava lá. Ele viu tudo. E ele não parecia surpreso.” O sangue gelou nas veias de Mello. A frieza de Snow, a ausência de pânico, o sorriso estranho antes de ele entrar no banho, a porta trancada. “Onde está Snow agora?” Mello perguntou, sua voz tensa. “Ele foi detido pelos guardas, junto com Nyon, para prestar depoimento como testemunha,” Amora disse, mas seu pânico se aprofundou. “Mello, eu não sei o que pensar. Eu confiei em Draven para ser previsível. Para ser o nosso escudo, mesmo que um inimigo. Mas agora, a ameaça de Draven se foi, mas o caos está no auge. E, francamente, Mello, eu não confio mais no que vi.” “Você está sugerindo que Snow…?” Mello não conseguia terminar a frase. A ideia era absurda, revoltante. Snow, seu único amigo, o homem que se voluntariou para a ‘semente’, o traidor? “Eu não sei o que estou sugerindo, Mello! Eu vi Snow com uma expressão que nunca vi antes, e ele não deveria estar lá!” Amora sussurrou, tremendo. “Você precisa se proteger. Agora, mais do que nunca. A morte de Draven não resolve a crise, Mello. Ela a aprofunda. O conselho está em pânico. Eles vão exigir uma solução imediata, e vão pressionar você pelo casamento novamente, ou vão declarar o trono vago.” Mello estava paralisado, olhando para Amora. Seu corpo estava se preparando para a dor da transformação, mas sua mente estava em choque com a velocidade dos acontecimentos. Em poucas horas, ele havia cedido à ditadura, e a ditadura havia sido brutalmente decapitada. “O ritual, Amora. Precisamos começar o ritual. Imediatamente,” Mello disse, forçando-se a pensar. A única forma de sobreviver ao caos era dar ao conselho o que eles queriam: um herdeiro. “Sim, mas você precisa de Snow,” Amora lembrou, sua voz baixa. “Você precisa da ‘semente’. E se ele estiver envolvido na morte de Draven? Se ele for o verdadeiro manipulador?” Mello fechou os olhos, sentindo o peso da traição e da urgência. “Nyon é o culpado, por enquanto,” Mello disse, a voz cheia de uma nova e amarga determinação. “E Snow é meu único aliado para o ritual. Precisamos de Snow. Se ele estiver envolvido, descobriremos depois. Agora, a única prioridade é a sucessão. O reino não pode cair no caos. Vá. Descubra o que está acontecendo no conselho. Eu vou começar os preparativos.” Amora assentiu, sua resignação voltando, misturada com o terror. “Tome cuidado, Mello. A ameaça de Draven era visível. A ameaça que o matou pode não ser.” Mello concordou rigidamente. Amora se virou para a porta. “Eu vou começar a preparar os ingredientes para a transformação inicial. E vou usar minha influência no conselho para garantir que Snow seja liberado sob custódia, como ‘assistente pessoal’ do Príncipe Mello. Eu direi que ele estava aqui, preso por engano. Ninguém pode saber que ele estava no Salão Principal.” Mello assistiu Amora sair, fechando a porta com um clique. Ele estava sozinho novamente, com o conhecimento horrível da morte de Draven e a dúvida insidiosa sobre Snow. Mello caminhou até a janela. O sol da manhã estava começando a surgir, mas não trazia clareza, apenas a promessa de um dia manchado de sangue. Ele olhou para suas mãos. Elas estavam prestes a se submeter a uma magia excruciante, mas a dor física parecia pequena perto da traição emocional que ele estava começando a suspeitar. O Tenente Draven estava morto, assassinado. E as evidências apontavam para Nyon, um dos soldados que Draven costumava humilhar, chocando Mello com a velocidade dos acontecimentos.

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