## Capítulo 10: A Noite de Vulnerabilidade e Descoberta Randal recuou um pouco, mas a mão dele permaneceu na nuca de Mello. A respiração deles ainda estava descompassada, o beijo tinha sido um ato de desespero e aceitação. Mello podia sentir o calor de Randal, e a proximidade parecia a coisa mais natural do mundo, apesar de ser a mais perigosa. "Mello, isso é perigoso," Randal repetiu, a voz carregada de uma honestidade que Mello não tinha ouvido antes. "Se isso não funcionar, nós vamos arruinar a única chance que Sofia tem de ter uma família normal. Você, eu, ela. É um risco que eu nunca pensei em correr." "Eu sou um terrorista, Randal. Eu corro riscos desde que nasci," Mello respondeu, mantendo o olhar firme. Ele não queria soar dramático, mas era a verdade sobre a sua vida. "Mas desta vez, o risco é por algo que vale a pena. O que você sente por mim é real?" Mello perguntou, porque precisava dessa confirmação, não apenas o beijo. Randal não hesitou desta vez. "É. É real. E é a coisa mais aterrorizante que já me aconteceu." Ele finalmente tirou a mão da nuca de Mello, mas sentou-se na beirada do sofá, virando o corpo completamente para Mello. O empresário parecia menos como o herdeiro Von Ivory e mais como um homem que estava desmoronando sob o peso da própria vida. "Eu... eu nunca fiz isso antes," Randal confessou, olhando para as próprias mãos. Mello percebeu que ele não estava falando sobre beijar outro homem, mas sobre ser vulnerável. "Eu nunca me permiti sentir algo que eu não pudesse controlar com um balanço patrimonial ou um contrato." Mello observou Randal. O bilionário parecia exausto, não apenas fisicamente, mas mentalmente. A pressão de ser um Von Ivory era real, e Mello sabia que Randal carregava o peso da responsabilidade de uma corporação inteira, algo que Mello nunca precisou lidar na sua vida desestruturada. "O que é que você controla?" Mello perguntou. Ele não estava julgando, apenas tentando entender a estrutura mental de Randal. "Você controla a sua empresa. Você controla o seu dinheiro. Mas a sua vida, Randal, parece um projeto de terceirização." Randal riu, um som seco e sem humor. "Você está certo. Eu terceirizei tudo, exceto o trabalho que me esgota. Eu terceirizei o afeto, os relacionamentos, o cuidado. Eu não tive uma família normal. Meu pai era uma figura ausente, mais preocupado com a fundação e a herança. Minha mãe... ela nunca superou o fato de que meu pai não a amava. Eu cresci em um casarão gigantesco, com empregados que me serviam, mas eu era sempre o herdeiro, nunca apenas Randal." Ele olhou para Mello, e a expressão de Randal era de uma solidão profunda. "Eu não sei como ser um irmão para Sofia. Eu não sei como ser um... qualquer coisa, com você. Porque eu não sei como ser eu mesmo. Quando eu estou aqui, neste apartamento apertado, com você e os brinquedos dela, é a única vez que eu me sinto... normal. Como se eu pudesse respirar sem ter que representar o papel do herdeiro perfeito." Mello não esperava tanta abertura, especialmente vinda de Randal, o homem que insistia em manter as paredes levantadas. Era como se o beijo tivesse quebrado uma represa, liberando a água de anos de repressão. "Eu entendo a solidão," Mello disse, falando em voz baixa. "É um tipo diferente de solidão para mim, mas é a mesma raiz. A vida de terrorista não é glamourosa. É vazia. Você está sempre à espreita, sempre com um olho nas sombras. Eu abandonei minha família muito jovem, seguindo a ideologia errada. Eu era um idealista estúpido que pensava que a violência resolveria a injustiça." Mello parou, pensando em como formular a próxima parte. Ele não podia revelar detalhes de operações, mas Randal precisava de contexto. "Eu me envolvi com um grupo. O grupo me deu um senso de propósito, mas era falso. A cada missão, a cada explosão, o vazio aumentava. Eu estava lutando contra um sistema, mas o preço era a minha própria humanidade. Eu estava tão focado em destruir o "mal" que eu me tornei algo que eu desprezava. E a solidão era constante. Eu não podia confiar em ninguém. Eu não podia ter amigos. Eu não podia ter laços." Mello olhou para o quarto de Sofia, a porta entreaberta, e a escuridão lá dentro. "E então, eu a encontrei. Em uma lixeira. Congelando. E naquele momento, eu percebi que a minha luta não era contra o sistema, ou o governo, ou a corporação Von Ivory. Minha luta era para proteger algo que valesse a pena. Ela era a única coisa que valia a pena." Randal estava ouvindo atentamente, absorvendo cada palavra. O silêncio na sala de estar era carregado com a confissão mútua de vidas vividas à margem, uma por escolha forçada e a outra por riqueza. "Quando você me disse que era um terrorista, eu pensei que você estava me ameaçando. Eu pensei que era uma tática de extorsão," Randal admitiu. "Mas agora, ouvindo você... é apenas a sua história. É o que te trouxe até ela." "É o que me trouxe até você também, de uma forma distorcida," Mello disse, permitindo um pequeno sorriso. "Se eu não a tivesse encontrado, eu estaria provavelmente morto ou preso agora. Ela me salvou de mim mesmo." A conversa deles se aprofundou na dinâmica de como Mello se tornou "mamãe". Randal perguntou sobre os primeiros dias, a confusão de Mello, a luta para se adaptar à paternidade. "Eu não sabia o que fazer. Eu não sabia como segurar um bebê. Eu nunca tinha tocado em um bebê antes. Eu era desajeitado, e eu a chamava de "a criança" por semanas, porque eu tinha medo de me apegar," Mello explicou. "Mas ela cresceu. E ela me olhava com aqueles olhos Von Ivory, e ela sorria. E um dia, ela me chamou de mamãe. Não mamã, mas mamãe. Eu tentei corrigi-la, mas a palavra pegou. Ela me chamava de mamãe o tempo todo, quase como uma preposição." Randal sorriu, um sorriso genuíno que iluminou o rosto dele. "Mamãe. Eu ouvi isso hoje. Quando ela estava na birra. Ela estava te chamando, desesperadamente." "Eu sei. E essa é a parte que me assusta, Randal. O vínculo dela comigo. A mentira da barriga," Mello disse, o tom ficando sério novamente. Ele precisava ser totalmente transparente sobre isso. "A mentira da barriga. Você pode me explicar?" Randal pediu. Mello suspirou. "É infantil, mas é vital para ela. Quando ela começou a entender que outras crianças tinham mães biológicas, e que eu sou... eu, ela começou a questionar. Eu não queria que ela se sentisse abandonada de novo. Então, eu inventei uma história. Que ela veio da minha barriga, mas que eu sou diferente. Que eu sou um homem, mas que ela é minha filha de verdade, de sangue e alma. Eu disse isso hoje para acalmá-la, porque funcionou antes." Randal franziu a testa, processando a informação. "É uma mentira grande, Mello. Quando ela for mais velha..." "Eu sei. Mas era a única forma de garantir que ela se sentisse segura, de que ela se sentisse querida. Ela já foi abandonada uma vez. Eu não podia permitir que ela sentisse isso de novo, ou que ela duvidasse do meu amor por ela. A história da "barriga" dela, é a nossa história. É a nossa prova de que o nosso amor é incondicional." Mello esperava que Randal o julgasse, que ele dissesse que era doentio ou irresponsável. Em vez disso, Randal estendeu a mão e tocou levemente o ombro de Mello. "É a coisa mais linda e mais terrível que eu já ouvi," Randal disse. "É um ato de amor absoluto, Mello. Você não está tentando enganar ninguém, você está protegendo a psique dela. Você está criando um mito de origem para ela, um que a coloque no centro do seu universo." Randal retirou a mão, voltando a si. "Eu não vou questionar isso. Eu não vou desmentir você. Eu vou apoiar a história da "mamãe da barriga", não importa o quão absurdo isso possa parecer para o resto do mundo. Se isso a mantém segura, então é a nossa verdade." A aceitação de Randal era um alívio imenso. Mello sentiu um nó se desfazer no peito. Randal estava vendo a essência do cuidado de Mello, a motivação por trás da mentira, e isso significava mais do que qualquer cheque ou contrato. "Obrigado," Mello sussurrou, a palavra carregada de emoção. "Não há de quê," Randal respondeu. "Eu preciso te perguntar uma coisa, Mello. Sobre o futuro. Se isso... nós... funcionar, o que significa para Sofia?" "Significa estabilidade. Significa que você não é apenas o irmão rico que aparece para fazer birras e comprar presentes. Significa que nós somos uma unidade," Mello explicou. "Mas se não funcionar, se a gente tentar isso e falhar, eu preciso de um plano de saída limpo. Eu não quero drama na vida dela. Eu não quero que ela perca o cuidador dela por causa de um... caso mal planejado." Randal assentiu. "Eu concordo. Nós temos que ser adultos sobre isso. O "teste", como eu chamei, tem que ser discreto e consciente. A prioridade é a estabilidade dela. Se a gente entrar nisso, Mello, eu não vou brincar com seus sentimentos, e eu não vou brincar com a vida dela. Eu tenho a tendência de tratar tudo como um projeto, mas eu prometo que isso é diferente." "Por que é diferente?" Mello perguntou. Randal olhou para ele, o cansaço em seus olhos era profundo. "Porque eu estou cansado de estar sozinho. Eu estou cansado de ser o herdeiro. E quando eu estou com você, eu não preciso ser nada disso. Eu só preciso ser o cara que está tentando descobrir como se relacionar com o mundo. Você me faz querer ser melhor, Mello. Você e ela." Randal se levantou, caminhando até a janela e olhando para a rua escura. A luz fraca do poste de iluminação entrava, iluminando a silhueta dele. Randal estava vestido com o terno caro do dia, mas parecia ter diminuído de tamanho. "Eu estou exausto," Randal admitiu, a voz baixa. "O dia com Sofia, a tentativa de ser "normal", a reunião de emergência que eu tive que adiar para vir aqui. Tudo. Eu passei o dia inteiro com um nó no estômago, pensando no que você diria, no que eu diria." Mello se levantou, sentindo uma onda de empatia pelo bilionário. Randal estava acostumado a ter assistentes cuidando de todos os detalhes da vida dele. O esforço que Randal estava fazendo para se conectar com Sofia, e agora com Mello, era genuíno, mas estava cobrando um preço. "Você devia ir para casa, Randal. Você parece que não dorme há dias," Mello disse. "Eu não quero ir," Randal disse, virando-se. "Se eu for para casa, eu vou voltar para a cobertura fria, e para a papelada, e eu vou colocar a minha armadura de novo. Eu não quero fazer isso agora. Eu não quero ter que pensar em lucros e contratos." Randal caminhou de volta para o sofá e sentou-se novamente, mas desta vez ele se recostou completamente, afundando nas almofadas velhas. Ele fechou os olhos por um momento. O silêncio na sala era tão diferente do silêncio que havia no início da noite, agora era um silêncio de confiança. Mello observou Randal, vendo o bilionário ceder ao cansaço. Os ombros tensos relaxaram, e a testa franzida se suavizou. Mello pensou que Randal, sem o terno de três peças e a postura impecável, era apenas um homem cansado. Randal abriu os olhos, olhando para Mello com uma expressão sonolenta. "Você tem uma manta? Eu estou com um pouco de frio." Mello sorriu levemente. "Você está acostumado com aquecimento central. Este apartamento tem janelas velhas." Mello foi até o quarto de Sofia e pegou uma manta que ele usava para assistir televisão. Era uma manta de lã azul escura, já gasta, mas quente. Ele voltou para a sala de estar. Randal já tinha fechado os olhos novamente, a respiração dele era regular e profunda. Ele tinha adormecido, exausto, no sofá de Mello. Mello se aproximou de Randal e cuidadosamente colocou a manta sobre ele, cobrindo-o dos ombros aos pés. Randal se moveu ligeiramente, mas não acordou. Mello percebeu que, no momento em que Randal se sentiu seguro o suficiente para ser vulnerável, ele cedeu. O controle de Randal sobre a própria vida era tão frágil que, na presença de Mello, ele o soltou. Mello ficou parado, observando Randal dormir. A luz da rua iluminava o rosto dele, e Mello podia ver os traços finos, a sombra da barba por fazer. Este era o homem que tinha a chave para a estabilidade de Sofia, e que agora tinha a chave para a instabilidade emocional de Mello. O beijo tinha sido um risco, mas esta cena, Randal adormecido e vulnerável no sofá, era a verdadeira confissão de Randal. Ele confiava em Mello, e Mello era o único lugar onde ele podia realmente descansar. Mello recuou, sentando-se na cadeira que Randal tinha ocupado antes. Ele não podia dormir. Ele tinha Randal Von Ivory, o herdeiro de uma das maiores fortunas do mundo, dormindo no seu sofá, e a filha adotiva do terrorista dormindo no quarto ao lado. A situação era absurda. Mello passou um tempo pensando na conversa deles. A confissão de Randal sobre a solidão, a admissão de que ele não sabia como ser "normal", isso ressoava profundamente em Mello. Mello também não sabia o que era normal, mas ele tinha encontrado a normalidade no caos da paternidade. Ele revisou o acordo que eles tinham feito. O "teste" seria sobre mais do que apenas atração física. Seria sobre parceria. Eles tinham se aberto, compartilhado as verdades mais feias e as mais íntimas. Randal tinha aceitado a mentira de Mello como um ato de amor. Mello pegou o celular, verificando a hora. Quase uma da manhã. Randal não acordaria antes do sol nascer, Mello tinha certeza disso. Ele estava dormindo profundamente, o tipo de sono que só vem depois de uma exaustão prolongada e emocional. Ele pensou no contrato de babá. O contrato, que antes parecia a coisa mais importante do mundo, agora parecia secundário. O contrato era sobre dinheiro e logística, mas o que eles tinham agora era sobre confiança e emoção. Mello pegou um pedaço de papel e uma caneta da mesinha de centro. Ele escreveu uma nota curta, garantindo que Randal a veria quando acordasse. *Randal,* *Você pode descansar. O contrato pode esperar. Nós temos coisas mais importantes para resolver primeiro. Eu te vejo de manhã.* *Mello.* Ele dobrou o papel e colocou-o sobre a mesa de centro, ao lado do telefone de Randal. Mello olhou para o bilionário mais uma vez, a manta azul de lã sobre o terno caro. Mello se levantou, caminhando em direção à porta do quarto de Sofia. Ele não iria dormir no quarto, mas iria se deitar no chão, ao lado da porta, como fazia quando estava preocupado com alguma coisa. Ele queria estar perto dela, para ter certeza de que o sono dele seria leve, caso ela acordasse. Ele parou na porta do quarto, olhando para Sofia, depois olhando para Randal. A conexão entre ele e Randal não era apenas atração. Era uma aceitação mútua da bagunça que eles eram. Randal era o herdeiro que precisava de normalidade, e Mello era o terrorista que precisava de redenção. E Sofia era o centro de tudo. Mello pegou um travesseiro do armário, deitando-se no chão. Ele fechou os olhos, mas a imagem de Randal, vulnerável e dormindo, permanecia em sua mente. O "teste" não seria fácil, mas Mello estava pronto. Ele estava disposto a correr o risco. Ele finalmente tinha algo que valia a pena lutar. Amanhã seria um novo dia, e eles teriam que navegar por essa nova dinâmica, mas Mello sabia que, no fundo, a base deles seria sempre a proteção de Sofia. Mello respirou fundo, ouvindo a respiração suave de Sofia e a respiração mais profunda de Randal. Ele aceitava a vulnerabilidade de Randal e a sua própria. O contrato, o dinheiro, tudo isso era irrelevante por enquanto. O que importava era a quietude daquela noite, o silêncio que unia três pessoas de mundos completamente diferentes. Ele precisava garantir que Randal soubesse que ele era bem-vindo ali, que ele tinha encontrado um porto seguro. Mello sentiu uma estranha calma, uma que ele não havia sentido desde que Sofia chegou. Ele não estava mais sozinho na sua responsabilidade. Randal estava ali, no meio da sala de estar, um gigante adormecido que tinha prometido apoiar a mentira da "barriga". Isso era tudo que Mello precisava saber. O contrato profissional podia esperar. Mello virou-se de lado, a mão alcançando a porta do quarto de Sofia. Ele não iria falhar com ela. E ele não iria falhar com Randal. A partir de agora, eles estavam nisso juntos. Mello olhou para a manta que cobria Randal, percebendo o quanto a cena era irônica. O bilionário mais rico da cidade dormindo em um sofá velho, coberto por uma manta de lã. A vulnerabilidade de Randal era a sua maior arma contra a armadura de Mello. Mello fechou os olhos, permitindo-se sentir um breve momento de paz. A incerteza do futuro ainda estava lá, mas a clareza sobre o presente era inegável. Eles tinham um vínculo, e eles iriam descobrir o que fazer com ele. Mello se acomodou no chão, a quietude da noite embalando-o. Ele sabia que a manhã traria uma nova série de desafios, mas por agora, a única coisa que importava era a respiração de Randal e a de Sofia. Ele era o guardião de ambos. Mello se moveu um pouco, ajustando o travesseiro. Ele estava vigilante, mesmo no chão, pronto para qualquer som que pudesse vir de Sofia. Ele estava ali para protegê-la, e agora, ele estava ali para proteger o breve momento de paz de Randal. Ele podia ouvir o trânsito distante, um som abafado que não perturbava a quietude do apartamento. Ele pensou em tudo o que tinha sido dito, nas confissões, na vulnerabilidade. Randal tinha sido exposto, e Mello tinha sido exposto. Isso era mais do que qualquer contrato jamais poderia selar. Ele aceitava que o "teste" seria mais do que apenas um relacionamento físico, mas uma parceria emocional profunda, garantindo a Randal que o contrato profissional pode esperar.

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