## Capítulo 9: A Confissão Silenciosa
Mello ainda estava parado, olhando para a porta, sua respiração pesada, quando Randal se afastou. A tensão no pequeno apartamento, antes cheia de birras e dinossauros de pelúcia, agora carregava o peso da atração reprimida, e Mello não conseguia simplesmente respirar fundo e ignorar. Ele tinha que manter a compostura, mas a responsabilidade estava lutando contra o desejo, e o desejo estava ganhando terreno.
Ele tinha acabado de passar o dia com Randal, vendo o bilionário tentar desesperadamente se conectar com a irmã, falhando inicialmente com gestos grandiosos, mas depois se redimindo ao demonstrar paciência e presença. A honestidade de Randal sobre não saber como se relacionar sem dinheiro havia sido um ponto de virada, uma fresta na armadura que Mello não esperava ver.
Mello se virou, caminhando de volta para a sala de estar, onde Sofia dormia. Ele olhou para a menina, seu peito se apertando com a familiar mistura de amor e proteção. Ele tinha tomado uma decisão no carro, dizendo a si mesmo que precisava de controle, que o amor era um luxo que ele não podia pagar. Mas o momento de silêncio na porta, o olhar de Randal, havia desfeito essa resolução.
Ele pegou o Pato de borracha do chão, a textura do brinquedo familiar em suas mãos. A instabilidade emocional que Randal trazia para sua vida era alarmante, mas a estabilidade que Randal oferecia a Sofia, o futuro que ele representava, era inegável. Mello percebeu que, antes de aceitar qualquer contrato, ele precisava de clareza sobre o que estava acontecendo entre eles. Ele não podia assinar um acordo que o forçaria a estar em contato constante com Randal se a atração fosse continuar a minar seu foco e sua paz.
Ele olhou para o telefone sobre a mesinha de centro. Randal tinha saído há apenas alguns minutos. O carro ainda estaria no trânsito da Quinta Avenida. Mello tinha que agir antes que Randal chegasse à segurança de sua cobertura.
Mello pegou o celular. Ele discou o número de Randal que estava salvo como "R. Von Ivory".
O telefone tocou duas vezes antes de Randal atender.
"Mello?" A voz de Randal estava ligeiramente ofegante, provavelmente ainda se ajeitando no carro.
"Sou eu," Mello disse, tentando manter a voz firme, mas ele notou que a respiração estava curta. "Onde você está?"
"Eu ainda estou no carro, a duas quadras do meu prédio. O trânsito está terrível. Está tudo bem com Sofia?" Randal perguntou, o tom voltando instantaneamente para a preocupação com a irmã.
"Sofia está dormindo. Ela está bem," Mello confirmou. "Eu preciso falar com você. Agora. Antes que você entre na sua casa e volte a ser o 'patrão' que pensa em contratos e lucros."
Houve um silêncio na linha. Randal processou o tom de urgência de Mello.
"O que houve? A birra a assustou de novo?"
"Não é sobre Sofia, Randal. É sobre nós. Sobre o que aconteceu aqui," Mello disse, forçando-se a usar a palavra "nós", o que parecia estranho e íntimo. "Eu preciso de clareza. Eu não posso aceitar o contrato e a dinâmica de trabalho se essa... tensão subjacente continuar a existir. Ela estava no carro, e estava aqui agora."
Mello odiava a forma vaga como estava falando, mas a palavra "atração" parecia muito grande e exposta para ser dita em voz alta, ainda mais por telefone.
Randal suspirou, o som era de frustração e aceitação.
"Eu sei. Eu também percebi. A tensão. É impossível ignorar. Eu sinto muito se eu fiz você se sentir desconfortável," Randal disse, a voz mais baixa agora.
"Não é sobre desconforto. É sobre honestidade. E é sobre a vida de Sofia. Eu não posso misturar as coisas. Eu não posso ser o seu empregado, o cuidador da sua irmã, e... sentir o que eu sinto," Mello confessou, sentindo um calor subir pelo pescoço.
Mello se repreendeu por ser tão impulsivo, mas o momento pedia essa reação. Ele tinha que confrontar Randal, forçá-lo a verbalizar o que estava implícito, ou ele não teria paz para tomar a decisão sobre a babá.
"O que você está sugerindo?" Randal perguntou. "Você quer cancelar o contrato? Você está me dizendo que não quer mais a segurança financeira para Sofia?"
"Não. Eu estou dizendo que não podemos ter essa conversa por telefone. Eu preciso de você aqui. Sozinho. Quando Sofia estiver dormindo. Eu preciso que você me olhe nos olhos e me diga o que você espera de mim, além de cuidar da sua irmã," Mello desafiou.
Randal ficou em silêncio por um longo momento. Mello conseguia imaginar o empresário fazendo cálculos mentais, avaliando o risco. Randal era um homem de controle, e Mello estava exigindo que ele perdesse esse controle.
"Tudo bem," Randal finalmente disse. A aceitação veio com uma nota de finalidade. "Eu vou para casa, resolvo algumas coisas e volto. Dê-me uma hora e meia. Por volta das dez e meia, Sofia estará dormindo."
"Perfeito. Eu te espero. Não se atrase," Mello respondeu, e desligou o telefone antes que pudesse se arrepender da decisão.
Mello colocou o telefone de volta na mesa, sentindo um tremor nas mãos. Ele tinha acabado de convidar o bilionário por quem estava apaixonado para uma conversa noturna, que poderia terminar em desastre ou em algo que ele nem sequer ousava nomear.
Ele precisava se preparar. Não fisicamente, mas mentalmente.
Mello foi para a cozinha, serviu um copo de água e sentou-se na cadeira que Randal havia ocupado mais cedo. O pequeno apartamento, que sempre havia sido seu refúgio e seu controle, agora parecia o palco de um julgamento.
Ele revisou o dia em sua mente, focando nos momentos de conexão com Randal. No museu, quando Randal se ajoelhou para ver o livro de baleias com Sofia. No carro, quando Randal segurou a mão de Sofia, acalmando-a durante o filme 3D. Randal era um homem que estava aprendendo, tentando se despir de seu treinamento corporativo para ser humano.
A atração era mais do que física. Mello admirava a dedicação de Randal, a forma como ele estava disposto a engolir seu orgulho para tentar fazer o certo por Sofia. Randal, o homem que poderia ter mandado Mello embora e contratado uma babá profissional e legalmente certificada, escolheu confiar no terrorista. Essa confiança era o que mais desarmava Mello.
Mello pensou na mentira da "barriga". Randal não tinha questionado. Randal apenas aceitou a mentira como prova da profundidade do sacrifício de Mello, o que era a essência da relação de Mello com Sofia. Randal parecia entender que o amor de Mello por Sofia era uma força absoluta, algo que Mello nunca havia sentido por mais ninguém.
Mello ficou sentado por cerca de uma hora, esperando o tempo passar. Ele ligou a televisão em volume baixo, assistindo a um programa de notícias para manter a mente ocupada.
Às 21h30, ele foi até o quarto de Sofia. Ela estava dormindo profundamente, o Triceratops de pelúcia debaixo do braço. Mello a cobriu, beijando-a na testa.
"Eu vou proteger você," Mello sussurrou, uma promessa que ele repetia todas as noites. "Não importa o que aconteça."
Ele voltou para a sala de estar, pegando os brinquedos espalhados e colocando-os em uma caixa. Ele precisava de ordem para a conversa que estava por vir.
Às 22h25, uma batida suave na porta. Randal estava pontual.
Mello foi até a porta, espiando pelo olho mágico. Randal estava lá, vestido com as mesmas roupas do dia, mas o cabelo estava ligeiramente mais desalinhado, e havia uma tensão palpável em seus ombros.
Mello abriu a porta.
"Entre. Silenciosamente," Mello instruiu, recuando.
Randal entrou, fechando a porta com cuidado. O ar entre eles era denso. Randal parecia mais formal do que no carro, como se tivesse vestido sua armadura executiva novamente.
"Ela está dormindo?" Randal perguntou em voz baixa.
"Sim. Eu não quero que ela acorde. O dia foi agitado," Mello disse.
Mello indicou o sofá. Eles se sentaram em lados opostos da sala de estar, o pequeno espaço parecendo ainda menor com a presença de Randal.
"Obrigado por vir," Mello disse. "Eu sei que é tarde."
"Você disse que era urgente. E eu concordei. É melhor resolver isso antes que a gente assine qualquer papel," Randal disse. Ele juntou as mãos, olhando para Mello com uma expressão séria. "Eu não vou fingir que não sei do que você está falando. Eu senti a mesma coisa. No museu, quando você estava me dizendo para parar de comprar presentes. No carro, quando você usou aquela tática com Sofia."
Randal fez uma pausa.
"Há algo entre nós, Mello. Eu não sei o que é, mas é inegável. E isso me assusta. Você é o cuidador da minha irmã. Eu sou seu... futuro empregador. Isso não é uma situação normal."
"Não é normal, mas é real," Mello concordou. "É por isso que precisamos ser claros. Eu não posso aceitar o emprego se essa atração for um problema. Se você está aqui, significa que você não me vê como um extorcionista ou um louco. Você me vê como alguém que cuida da sua irmã. E eu vejo você como..." Mello hesitou. "Eu vejo você como um homem que está tentando desesperadamente fazer o certo, mesmo que não saiba como."
"E?" Randal pressionou.
"E eu me sinto atraído por você, Randal," Mello finalmente disse, a confissão era um alívio e uma condenação. "Eu não sei quando começou, mas está lá. E se você não sente o mesmo, eu preciso saber agora, para que eu possa me afastar. Eu não posso trabalhar para você se eu tiver que reprimir isso o tempo todo. Seria injusto com Sofia e com a nossa dinâmica."
Mello esperou, a respiração suspensa. Ele estava olhando para Randal, forçando-o a reagir. Mello tinha passado a vida lidando com ameaças e confrontos, mas este, esta vulnerabilidade emocional, era a coisa mais perigosa que ele já havia feito.
Randal sustentou o olhar de Mello. Ele parecia estar em conflito, como se estivesse pesando as consequências da próxima palavra.
"Mello," Randal começou, a voz era um sussurro. "Eu sou um homem de negócios. Eu não sou bom com emoções. A minha vida é estruturada, previsível. E você... você é o oposto de tudo isso. Você é um terrorista reformado que vive num apartamento apertado, mas criou a minha irmã com mais amor do que eu jamais vi. E você me chama de 'bancário', e você está certo."
Randal respirou fundo.
"Quando eu te vi pela primeira vez, eu pensei que você era uma ameaça. Eu pensei que você queria dinheiro. Mas então eu te vi com Sofia. E hoje, no carro, quando você se abriu para me confrontar sobre os presentes, eu percebi que você não está interessado no meu dinheiro. Você está interessado na felicidade de Sofia. E isso... isso é o que me atrai em você. Sua integridade. Sua força."
Randal inclinou-se ligeiramente para a frente.
"Sim, Mello. Eu também me sinto atraído por você. Desde o primeiro dia, quando você apareceu no laboratório, parecendo exausto, mas pronto para lutar pelo que é certo. Eu não sei como isso vai funcionar. Não sei se pode funcionar. Mas eu não posso negar. Eu passo o dia pensando em você, na sua próxima resposta sarcástica, na forma como você cuida dela. Eu não tive coragem de dizer nada porque eu não queria estragar a única coisa boa que aconteceu na minha vida recentemente: o fato de que eu encontrei minha irmã, e você é a âncora dela."
A confissão de Randal foi direta e inesperadamente profunda. Mello relaxou um pouco, o peso da incerteza diminuindo. A atração era mútua.
"Então, o que fazemos?" Mello perguntou. "Se aceitarmos isso, se nos permitirmos explorar isso, isso afetará Sofia?"
"Tudo que fazemos afeta Sofia," Randal respondeu. "Se eu te forçar a reprimir o que sente, isso afetará a forma como você a cria. Se eu continuar a te ver como um cuidador, mas querer você de outra forma, isso afetará a nossa dinâmica. A única coisa que eu sei é que a repressão não é sustentável. Você está certo. Eu não quero te perder como o cuidador dela, Mello. E se o preço para não perder você é arriscar essa atração... eu arrisco."
Randal se levantou, caminhando lentamente em direção a Mello. Mello permaneceu sentado, observando Randal.
"O que significa 'arriscar'?" Mello perguntou, a voz quase inaudível.
Randal parou em frente a Mello, olhando para ele. A luz fraca da sala de estar criava sombras nos rostos deles.
"Significa que precisamos de uma amostra. De um teste," Randal disse, referindo-se ao relacionamento de forma clínica, mas havia uma urgência em seus olhos que desmentia a frieza de suas palavras.
Randal estendeu a mão, colocando-a na nuca de Mello, o toque era surpreendentemente quente e firme. Mello não recuou. Ele inclinou a cabeça para cima, aceitando o toque.
"Você está pronto para quebrar todas as regras que você estabeleceu?" Randal perguntou, sua voz era rouca.
"Você já as quebrou," Mello respondeu, lembrando-se do beijo que ele havia reprimido mais cedo.
Randal se inclinou, e a distância entre eles desapareceu.
O primeiro beijo foi cauteloso, um reconhecimento mútuo da atração que ambos haviam negado. Randal estava procurando por Mello, e Mello estava procurando por Randal. Não era um beijo impulsivo ou desesperado, mas uma aceitação lenta e deliberada da tensão.
Randal aprofundou o beijo, movendo a mão para o rosto de Mello. Mello colocou as mãos nos ombros de Randal, puxando-o para perto, permitindo que a atração explodisse em algo real e físico. O sabor de Randal era de café forte e algo mais, algo inerentemente dele.
O beijo era intenso. Era uma confissão física, um acordo silencioso de que a dinâmica havia mudado. Randal estava beijando Mello com uma urgência que Mello não esperava, como se estivesse tentando compensar o tempo perdido. Mello respondeu com a mesma intensidade, sentindo o alívio de finalmente ceder ao desejo.
Eles se separaram, a respiração ofegante. Randal permaneceu perto de Mello, as testas quase tocando.
"Isso..." Randal começou, mas parou.
"Sim. Isso é o que acontece quando a gente para de reprimir," Mello completou, sentindo o coração bater forte contra as costelas.
Randal olhou para Mello, e havia uma mistura de desejo e medo em seus olhos.
"Mello, isso é perigoso," Randal sussurrou. "Se isso não funcionar, nós vamos arruinar a única chance que Sofia tem de ter uma família normal. Você, eu, ela. É um risco que eu nunca pensei em correr."
"Eu sou um terrorista, Randal. Eu corro riscos desde que nasci. Mas desta vez, o risco é por algo que vale a pena. O que você sente por mim é real?" Mello perguntou, forçando Randal a se comprometer.
Randal não hesitou desta vez.
"É. É real. E é a coisa mais aterrorizante que já me aconteceu."
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