## Capítulo 8: A Visita Surpresa e O Confronto Silencioso
Mello acordou cedo no domingo, o dia estava ensolarado, o que parecia um bom presságio. Ele começou a se arrumar, pensando no café da manhã com waffles que havia planejado. A lanchonete favorita de Sofia era barata e familiar, e isso era exatamente o que ele queria para o primeiro encontro fora do parque, algo que mantivesse a sensação de controle. Ele estava usando uma camiseta simples e jeans, optando por um visual casual que não chamasse muita atenção, mas que ainda fosse decente.
Enquanto preparava o café e esperava Sofia acordar, Mello revisava mentalmente a logística. Eles iriam de ônibus, porque a lanchonete ficava a alguns quarteirões de distância. Ele levaria a mochila de Sofia com o Pato e os materiais de colorir, garantindo que ela tivesse distrações caso Randal ficasse muito tenso ou a forçasse a interagir demais.
O plano era simples: waffles, conversa casual sobre a proposta (se Randal trouxesse o assunto à tona, caso contrário, Mello esperaria) e um rápido retorno para casa.
No entanto, o universo, ou neste caso, Randal Von Ivory, tinha outros planos.
Às 8h30, trinta minutos antes do horário combinado, uma batida na porta interrompeu a tranquilidade matinal. Mello olhou pelo olho mágico, vendo a figura alta e impecável de Randal. Ele estava vestindo calças escuras e uma camisa de botão clara, parecendo mais preparado para uma reunião de negócios do que para um café da manhã de domingo.
Mello abriu a porta, surpreso com a antecipação.
"Randal," Mello disse, tentando manter a voz neutra. "Você está adiantado."
Randal sorriu, mas parecia um pouco forçado.
"Eu sei. Me desculpe por aparecer sem avisar," Randal disse, passando a mão pelo cabelo. "Aconteceu uma emergência corporativa que me obrigou a adiantar o dia. Eu precisava sair de casa antes que a secretária do meu pai me ligasse para participar de um evento de caridade interminável."
Mello recuou, permitindo que Randal entrasse no pequeno apartamento. Randal parecia deslocado na sala de estar apertada, onde os brinquedos de Sofia estavam espalhados.
"Você não precisava fugir para cá," Mello comentou, fechando a porta.
"Na verdade, eu precisava. E isso me deu uma ideia," Randal disse, olhando em volta e parando o olhar em uma das cadeiras de cozinha. "Eu tive que cancelar o evento, mas pensei: por que não aproveitar o dia de folga com a Sofia?"
Mello cruzou os braços, sentindo o plano cuidadosamente elaborado escorregar de suas mãos.
"O que você está sugerindo?" Mello perguntou.
"Em vez de waffles rápidos, por que não fazemos algo mais memorável? Um passeio de um dia inteiro," Randal propôs, com um entusiasmo repentino. "Eu pensei no aquário, ou talvez no Museu de História Natural. Algo que ela goste. Eu realmente preciso recuperar o tempo perdido, Mello. Uma hora no café não vai resolver isso."
Mello piscou. A ideia era completamente oposta ao seu desejo de manter o controle. O aquário e o museu eram lugares grandes e movimentados, o que significava uma exposição maior e uma rotina quebrada. Sofia precisava de previsibilidade, algo que Mello sempre priorizava.
"Eu agradeço a oferta, Randal, mas nós tínhamos um plano," Mello respondeu, mantendo a firmeza. "Sofia prospera com rotina. Ela espera os waffles. Mudar o plano de repente pode deixá-la agitada."
"Eu entendo a rotina, mas a vida não é uma planilha," Randal argumentou, aproximando-se de Mello. Ele abaixou a voz. "Olha, eu sei que você está preocupado em me dar muito acesso, mas eu quero genuinamente construir um relacionamento com ela. E isso significa experiências, não apenas encontros formais. Podemos ter waffles em qualquer dia. Mas um dia de folga no domingo, onde eu posso estar totalmente presente, é raro para mim."
A menção à sua agenda sobrecarregada era um lembrete sutil do abismo social entre eles. Randal tinha que encaixar o parentesco com Sofia entre reuniões e eventos corporativos, enquanto a vida de Mello girava inteiramente em torno da menina.
Mello hesitou. Ele sabia que Randal estava sendo honesto sobre querer passar tempo com Sofia, mas também havia algo em sua abordagem que o incomodava. Era como se Randal estivesse tentando comprar o afeto de Sofia com grandes gestos e lugares caros.
Enquanto discutiam, Sofia, acordada pelo som das vozes, saiu do quarto, esfregando os olhos. Ela usava um pijama de dinossauros e carregava o Pato de borracha.
"Mamãe?" ela chamou, vendo Randal. Ela parou, avaliando a situação.
Randal se virou para ela, seu semblante sério se transformando em um sorriso.
"Bom dia, Sofia," Randal disse, com um tom caloroso. "Você dormiu bem?"
Sofia se escondeu atrás das pernas de Mello, mas não completamente, indicando que a timidez havia diminuído desde o dia anterior.
"O homem está aqui," ela sussurrou para Mello.
"Sim, ele está," Mello confirmou, colocando a mão na cabeça dela.
Randal aproveitou a oportunidade para apresentar a ideia diretamente a Sofia, ignorando o aviso de Mello sobre a rotina.
"Sofia, eu sei que prometemos waffles, mas o que você acha de algo ainda mais legal? Que tal ver peixes gigantes, ou talvez dinossauros no museu?" Randal usou um tom de voz animado, como se estivesse contando um segredo emocionante.
Os olhos de Sofia se arregalaram. Mello observou a hesitação dela. Dinossauros eram um de seus temas favoritos, e a lanchonete, embora gostosa, era familiar.
"Dinossauro?" Sofia perguntou, saindo de trás de Mello para olhar para Randal.
"Sim. Esqueletos de dinossauros enormes," Randal disse, gesticulando com as mãos. "E eu prometo que podemos ter waffles na próxima vez. Que tal hoje, então, ir ao museu?"
Sofia olhou para Mello, buscando permissão. Mello suspirou. Ele não podia negar a ela uma experiência como essa, especialmente porque Randal estava fazendo um esforço visível. O argumento da rotina perdeu força diante do brilho nos olhos de Sofia.
"Tudo bem," Mello cedeu, olhando para Randal. "Mas o museu. O aquário é muito lotado no domingo. E nós vamos no meu tempo, sem pressa."
"Perfeito," Randal disse, com um alívio evidente. "Obrigado, Mello. Você não vai se arrepender."
Mello apenas acenou com a cabeça. Ele sentia que já estava se arrependendo da quebra de rotina, mas ele tinha que admitir que ver Sofia animada era prioridade.
Mello levou Sofia para o quarto para vesti-la e prepará-la para o passeio inesperado. Enquanto Mello a vestia, Sofia não parava de falar sobre dinossauros e o quão grandes eles eram.
"O homem é legal, mamãe," Sofia disse, enquanto Mello abotoava a camisa dela.
"Sim, ele é legal," Mello concordou, tentando não parecer muito pensativo.
"Nós vamos ver T-Rex?"
"Talvez, se eles tiverem um no museu. Vamos nos apressar, então."
Mello preparou uma pequena lancheira para Sofia, incluindo água e alguns lanches saudáveis, porque ele não confiava nos lanches caros e provavelmente pouco nutritivos que Randal poderia comprar no museu. Ele também pegou um casaco leve para si mesmo, imaginando que o museu estaria frio.
Quando voltaram para a sala de estar, Randal estava parado perto da janela, usando o celular. Ele guardou o aparelho assim que os viu.
"Eu chamei o carro," Randal informou. "Vamos de carro particular hoje. É mais rápido e mais confortável."
"Nós iríamos de ônibus," Mello respondeu, com um tom de repreensão. "Eu prefiro não criar um hábito de transporte de luxo."
Randal suspirou, um som de impaciência.
"Mello, é o Central Park West. Não vamos pegar o ônibus. Levaria uma eternidade, e eu não quero que Sofia fique cansada antes mesmo de chegarmos. Por favor, deixe-me cuidar da logística hoje. É a única coisa que eu sei fazer bem," Randal disse, olhando para Mello.
Mello percebeu que Randal não estava pedindo, mas informando. Ele era o bilionário acostumado a ter seu caminho, e Mello era, tecnicamente, o futuro empregado dele.
"Tudo bem," Mello disse, forçando-se a aceitar. "Mas não é para criar um hábito."
Randal assentiu. "Eu prometo."
O carro chegou em poucos minutos. Era um sedã preto e luxuoso, com vidros escuros. Mello se sentiu um pouco desconfortável ao entrar no carro. Sofia, no entanto, estava maravilhada com o assento macio e a ausência de ruído do tráfego.
A viagem para o Museu Americano de História Natural foi rápida e silenciosa. Sofia estava sentada entre Mello e Randal. Randal tentou interagir, apontando para as construções e perguntando a Sofia se ela sabia o que eram, mas Sofia estava mais interessada em olhar pela janela.
Ao chegarem, Randal lidou com a entrada e os ingressos de forma eficiente, comprando um passe que permitia acesso a todas as exposições e até mesmo a um filme 3D. Mello tentou se oferecer para pagar a parte dele, mas Randal apenas balançou a cabeça, dispensando a oferta com um gesto.
"É por minha conta. Eu convidei," Randal disse, e não houve discussão.
O museu estava lotado, mas Randal parecia ter uma forma de se mover pela multidão sem esforço. Ele conduziu Mello e Sofia diretamente para o salão dos dinossauros.
Sofia ficou em êxtase. O esqueleto gigantesco do Tiranossauro Rex era impressionante, e Sofia soltou um grito de alegria, correndo para a base da exibição.
"T-Rex!" ela gritou, apontando.
Mello a seguiu, garantindo que ela não se perdesse na multidão. Randal parou ao lado de Mello, observando a reação de Sofia.
"Eu acho que acertei na escolha," Randal disse, com satisfação.
"Você acertou," Mello admitiu, observando Sofia pular de alegria.
A interação de Randal com Sofia no museu foi, no entanto, exatamente o que Mello temia. Randal estava tentando comprar o afeto da irmã, não apenas com o passeio, mas com a atenção exagerada e os presentes.
A primeira parada foi na loja de presentes do museu, antes mesmo de verem todas as exposições. Randal parou Sofia e perguntou qual dinossauro ela mais gostava. Sofia, indecisa, apontou para uma pelúcia de Triceratops. Randal pegou a pelúcia e, sem hesitar, pegou mais duas, uma de T-Rex e uma de um Pterodáctilo.
"Ela só precisa de um, Randal," Mello disse, em voz baixa.
"Mas ela gostou de todos," Randal respondeu, olhando para Mello com uma expressão confusa. "É só um brinquedo. Não é grande coisa."
"Não é sobre o dinheiro, é sobre a lição," Mello insistiu, observando Sofia abraçar os três dinossauros de pelúcia.
Randal pagou pelos brinquedos sem pestanejar e continuou o passeio. Em cada salão, se havia uma loja de presentes, Randal parava. No salão dos mamíferos, ele comprou um livro ilustrado sobre baleias. No salão das pedras preciosas, ele comprou um kit de escavação para crianças.
Mello se sentiu cada vez mais incomodado com a enxurrada de presentes. Sofia estava feliz, sim, mas Mello temia que ela começasse a associar Randal apenas à gratificação instantânea e material.
Eles se afastaram um pouco das exposições principais, encontrando um canto mais calmo perto de uma exibição sobre o desenvolvimento humano. Mello parou Randal, enquanto Sofia estava sentada no chão, abrindo o livro sobre baleias, distraída.
"Nós precisamos conversar sobre isso," Mello disse, mantendo a voz baixa e séria.
Randal olhou para ele, franzindo a testa.
"Sobre o quê? Eu estou me divertindo. Ela está se divertindo. Qual é o problema?"
"O problema é que você está agindo como um banco, Randal," Mello disse, sem rodeios. "Você está comprando o afeto dela. Isso não é ser um irmão. Isso é ser um cliente que paga pelo serviço, e eu não sou um empregado aqui, nem Sofia é um projeto de relações públicas."
Randal recuou ligeiramente, parecendo atingido pela acusação.
"Isso é injusto, Mello. Eu estou tentando. Eu não sei o que fazer. Ela é minha irmã. Eu não tive uma infância normal. Eu não tive um irmão mais velho para me ensinar a ser um irmão. Eu só sei resolver problemas com recursos. Se eu posso dar a ela o que ela quer, por que não dar?" Randal perguntou, sua voz estava tensa.
Mello suavizou a postura, percebendo a frustração genuína na voz de Randal. A armadura do empresário de sucesso rachou um pouco, revelando o homem que admitiu sentir-se sozinho no dia anterior.
"Eu sei que você está tentando," Mello disse. "E eu aprecio o esforço. Mas você precisa entender que Sofia precisa de você, Randal. Não do seu dinheiro. Ela precisa de sua presença. Quando você a empurrou no balanço ontem, ela riu. Foi uma risada de verdade, que não tem preço. Os brinquedos são legais, mas eles não substituem a conexão."
Randal passou a mão pelo rosto, respirando fundo.
"Você acha que eu estou tentando compensar o tempo perdido com coisas materiais?"
"Eu acho que você não sabe como não fazer isso," Mello respondeu, observando Sofia virar as páginas do livro com entusiasmo. "Você me propôs um salário de cinquenta mil por mês. Você acha que o dinheiro resolve tudo. E em muitos casos, ele resolve. Mas aqui, com Sofia, não é o caso. Você é o irmão dela, não o seu patrão."
O silêncio pairou entre eles por um momento. Randal olhou para Sofia, depois para Mello. Ele parecia estar processando a informação, uma novidade em seu mundo de transações e balanços.
"Você está certo," Randal admitiu, baixando o olhar. "Eu não sei como agir. O dinheiro é a única ferramenta que eu conheço para resolver problemas, Mello. Se há um problema, eu compro uma solução. Eu não tive que aprender a ter paciência, ou a me conectar emocionalmente com as pessoas. Meu pai não era assim. Eu fui criado para ser... eficiente. E com Sofia, a eficiência não funciona. Eu só quero que ela goste de mim. Que ela me veja como parte da vida dela."
A honestidade de Randal desarmou Mello. Ele se lembrou de sua própria inexperiência ao encontrar Sofia. Ele não tinha dinheiro, mas tinha o tempo e a necessidade desesperada de proteger a menina, e essa necessidade o forçou a aprender a ser um cuidador.
"Eu entendo," Mello disse, com mais gentileza. "É um processo. Você não vai se tornar o irmão perfeito da noite para o dia. Apenas tente ser você mesmo. Não tente ser o 'provedor bilionário'. Apenas seja Randal. Ela já gosta de você."
Randal olhou para Mello, um brilho de gratidão em seus olhos. A tensão entre eles diminuiu, substituída por um entendimento silencioso.
Eles continuaram o passeio, mas Randal mudou sua abordagem. Ele se ajoelhou ao lado de Sofia, olhando o livro de baleias com ela, fazendo perguntas sobre os animais e ouvindo atentamente as respostas. Ele não pegou mais a carteira.
Eles passaram mais algumas horas explorando o museu. O filme 3D sobre vulcões foi um sucesso, embora Sofia tenha se assustado um pouco com os efeitos especiais e tenha se agarrado à mão de Randal. Randal segurou a mão dela com firmeza, tranquilizando-a. Mello observou essa interação, notando a mudança na dinâmica. Randal estava aprendendo a estar presente de uma forma não material.
Por volta das duas da tarde, o entusiasmo de Sofia começou a diminuir. Ela tinha absorvido muita informação, e o sono de sua soneca habitual estava se manifestando. Ela começou a esfregar os olhos e a ficar inquieta.
"Mamãe, eu quero ir para casa," ela murmurou, a voz ficando chorosa.
Mello se aproximou, verificando a testa dela.
"Você está cansada, meu amor. Vamos para casa," Mello disse.
Randal concordou imediatamente.
"Sim, vamos. Eu não quero que ela fique esgotada."
Randal chamou o carro. Enquanto esperavam na entrada do museu, Sofia estava quase dormindo no colo de Mello.
A viagem de volta foi mais lenta, devido ao tráfego de domingo à tarde. O carro estava parado em um engarrafamento na Quinta Avenida, e Sofia acordou.
O sono interrompido a deixou impaciente e irritadiça. Ela começou a chorar, um choro alto e insistente que ecoava no carro silencioso.
"Eu quero sair! Eu não gosto do carro!" Sofia gritou, debatendo-se no colo de Mello.
Mello tentou acalmá-la, balançando-a suavemente.
"Estamos quase lá, meu amor. O carro está parado, mas logo vamos andar," Mello disse, tentando manter a calma.
Sofia não ouviu. Ela estava no meio de uma birra clássica de três anos. Ela chorou mais alto, exigindo ser colocada no chão do carro e que o carro começasse a andar.
Randal estava sentado ao lado deles, visivelmente desconfortável com a situação. Ele nunca tinha presenciado uma birra infantil tão intensa. Ele olhou para Mello, pedindo ajuda com os olhos.
Mello tentou todas as suas táticas habituais: cantar canções de ninar (que Sofia rejeitou com um grito), oferecer água (que ela bateu na mão), e distraí-la com o Pato (que ela jogou no chão do carro).
A birra se prolongou por dez minutos intermináveis, e Mello estava começando a se sentir exausto e frustrado. Ele sabia que a birra era resultado do cansaço e da quebra de rotina, mas isso não tornava a situação menos estressante.
"Sofia, por favor, pare de chorar," Mello implorou.
Sofia apenas gritou mais alto.
Foi então que Mello apelou para uma tática que ele usava raramente, apenas em momentos de desespero absoluto, quando o cansaço e a frustração o dominavam.
Mello olhou diretamente para Sofia, com uma expressão séria.
"Escute aqui, Sofia," Mello disse, a voz baixa, mas firme. "Eu te carreguei na barriga por nove meses. Eu te alimentei e troquei sua fralda todos os dias por três anos. Para você me responder com essa birra, depois de eu ter feito tudo por você? Não. Você vai parar de chorar agora."
O efeito foi imediato e surpreendente. Sofia parou de gritar no meio de um soluço, seus olhos fixos nos de Mello. Ela estava confusa e chocada com a seriedade da voz de Mello.
Sofia piscou, o rosto molhado de lágrimas.
"Mamãe carregou na barriga?" ela sussurrou, a birra esquecida.
Mello a abraçou, cansado.
"Sim. Eu te carreguei na barriga, meu amor. E agora você está cansada, então vamos ser pacientes e ficar quietos até chegarmos em casa, ok?"
Sofia aninhou a cabeça no pescoço de Mello, respirando fundo, o choro reduzido a pequenos soluços.
Randal estava em silêncio absoluto. Mello olhou para ele, e Randal estava olhando para Mello com uma expressão de choque total.
A história da "barriga" era uma mentira, claro. Uma mentira que Mello usava para impor um nível de autoridade e culpa emocional quando todas as outras táticas falhavam. Funcionava porque criava uma imagem de sacrifício inegável. Mello não precisou explicar a Randal que era mentira.
Randal apenas acenou levemente com a cabeça, processando o que acabara de ouvir. Ele não disse nada sobre a inverdade. O importante era que a birra havia parado.
A viagem continuou em silêncio. Sofia adormeceu nos braços de Mello, exausta.
Quando o carro finalmente parou em frente ao prédio de apartamentos de Mello, Mello abriu a porta com cuidado, segurando Sofia adormecida.
"Eu ajudo," Randal disse, saindo do carro rapidamente.
Ele abriu a porta do prédio, segurando-a para Mello. Eles subiram as escadas em silêncio.
Mello colocou Sofia na cama, na sala de estar. Ele cobriu-a com um cobertor, e Sofia se aninhou, respirando suavemente.
Randal estava parado na porta do quarto, observando.
"Ela está bem agora," Randal sussurrou.
"Sim. Ela só estava exausta," Mello respondeu, endireitando-se.
Eles saíram da sala de estar, caminhando em direção à porta da frente. Mello pegou a mochila de Sofia, colocando-a na mesinha de centro.
"Obrigado pelo dia," Mello disse. "Apesar da birra, ela se divertiu."
"Eu também me diverti. E obrigado por ter me aturado," Randal respondeu. "E obrigado pela lição sobre a abordagem materialista. Eu vou tentar ser menos... bancário."
Mello sorriu levemente. "É um começo."
Randal se moveu em direção à porta, mas parou. Ele se virou para Mello.
"Mello, sobre o que você disse no carro..." Randal começou.
Mello sentiu o rosto esquentar. Ele sabia que Randal estava se referindo à mentira da gravidez.
"É uma tática. Não use isso contra mim," Mello disse, com um tom de aviso.
Randal não sorriu. Ele apenas olhou para Mello, e a seriedade em seus olhos era profunda.
"Não. Eu não vou. Eu só... eu entendo por que você faz o que faz. Eu vi o quanto você se importa com ela. E isso é... impressionante."
Houve um momento de silêncio. Mello estava olhando para Randal, e Randal estava olhando para Mello. O ar entre eles parecia carregar uma eletricidade silenciosa, diferente da tensão de suas discussões.
Mello viu a vulnerabilidade nos olhos de Randal, a gratidão e algo mais, algo que Mello reconhecia porque ele sentia o mesmo. Era a atração que eles tentavam ignorar, agora inegável no silêncio do pequeno apartamento.
Randal deu um passo para trás, quebrando o contato visual, e olhou para a porta.
"Eu preciso ir. Eu te ligo amanhã para falar sobre o contrato. E sobre as visitas," Randal disse, a voz estava um pouco rouca.
"Tudo bem," Mello respondeu, sua própria voz estava baixa.
Randal abriu a porta e saiu.
Mello ficou parado, olhando para a porta fechada, tentando se acalmar. Ele havia acabado de ter um confronto sobre paternidade e dinheiro com um bilionário, e a única coisa que ele conseguia pensar era no olhar de Randal, na forma como ele havia aceitado a mentira e a havia transformado em um elogio à sua dedicação.
Mello se virou, caminhando de volta para a sala de estar. Sofia estava dormindo profundamente. Ele se inclinou, beijando a testa dela.
Quando ele se endireitou, ele viu o pato de borracha que Sofia havia jogado no chão do carro, agora perto da porta do quarto. Ele pegou o brinquedo, e enquanto o segurava, pensou no dia, na honestidade inesperada de Randal, na birra e na confissão de Mello.
Mello olhou para o apartamento vazio. Randal tinha se tornado uma presença constante em sua mente. O medo de perder Sofia estava se misturando com o desejo de ter Randal por perto, não apenas como o irmão de Sofia, mas como algo mais.
Mello sentiu uma onda de emoção que ele mal conseguia identificar, era o amor que ele estava reprimindo, crescendo em seu peito, uma força perigosa que ameaçava destruir a estabilidade que ele havia construído.
Ele andou até a janela, olhando para a rua. Ele viu o carro preto de Randal se afastando.
Mello pensou no que Randal havia dito sobre o dinheiro ser a única ferramenta. Mello percebeu que, para ele, o terrorismo havia sido sua ferramenta. E agora, a única ferramenta que ele tinha era Sofia, e o amor incondicional que ele sentia por ela.
Ele voltou para o centro da sala, olhando para os brinquedos espalhados.
Mello pensou no beijo. Ele queria beijar Randal. O desejo era repentino e avassalador.
Ele se lembrou da troca de olhares.
Ele estava prestes a confessar seu amor, mesmo que fosse apenas para o ar vazio do apartamento. Ele estava prestes a dizer que se sentia atraído por Randal, que ele não conseguia parar de pensar nele.
Sofia se moveu na cama, um pequeno murmúrio. Mello se interrompeu, o pensamento abruptamente interrompido. Ele olhou para Sofia, e a realidade o atingiu novamente. Ele não podia arriscar tudo. Não agora, quando eles estavam tão perto de uma solução para a vida de Sofia. O amor era um luxo que ele não podia pagar.
Mello segurou o pato de borracha, olhando para a porta. Ele precisava de controle. Ele precisava manter a dinâmica de babá e patrão, não de amantes.
Ele deu um passo em direção à porta, querendo correr atrás de Randal, mas parou. A confissão teria que esperar, talvez para sempre. Mello não podia arruinar a nova dinâmica.
Ele sentiu o peso da decisão, a repressão do sentimento. Ele olhou para a rua novamente. Randal tinha ido embora.
Mello deu um passo em direção à porta novamente, o coração batendo forte, e ele pensou na coragem que faltava a ele e a Randal.
Mello se viu olhando para a porta, sua respiração pesada. Ele precisava ligar para Randal. Dizer algo, qualquer coisa.
Ele estava prestes a pegar o telefone para ligar para Randal, mas ele se impediu.
Ele olhou para a janela, e viu um casal passeando com o cachorro, rindo. Ele se perguntou se algum dia ele teria algo assim.
Ele virou o olhar para o pato de borracha em sua mão, sentindo a textura do brinquedo.
Ele olhou para Sofia, dormindo. O silêncio era profundo, mas o confronto silêncioso dentro de Mello continuava.
Ele tinha que manter a compostura. Pelo bem de Sofia.
Mello deu um passo em direção à sala de estar, seus olhos fixos na porta.
Ele estava prestes a correr, a gritar, a confessar o que estava reprimindo, mas a imagem de Sofia dormindo o parou.
Mello estava preso entre o desejo e a responsabilidade, e a responsabilidade sempre vencia.
Ele olhou para a porta, e ele estava quase pronto para abrir a boca e confessar seu amor, mesmo sabendo que não podia.
Mello se virou, caminhando em direção à sala de estar, a decisão tomada. Ele não podia fazer isso.
Mello deu um passo para trás, a atração por Randal era palpável no ar.
Mello olhou para o telefone, pensando em ligar, mas ele se conteve.
Mello estava parado, olhando para o espaço vazio onde Randal estava.
Mello engoliu em seco, sentindo a repressão do desejo.
Mello virou o olhar para o chão, onde o giz de Sofia estava.
Mello respirou fundo, tentando acalmar o coração.
Mello estava prestes a dizer algo, qualquer coisa, mas a palavra parou na garganta.
Mello olhou para o pato de borracha, e o segurou com força.
Mello estava olhando para a porta, o desejo era inegável.
Mello deu um passo para frente, e ele estava prestes a confessar o amor.
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