Chapter 4: Contato Digital
Mello estudou a imagem de Randal Von Ivory na tela do laptop por mais alguns minutos. Aproximação física era arriscada demais. Aparecer na mansão dos Von Ivory com Sofia significava câmeras de segurança, guardas, e potencialmente polícia. Se Randal decidisse que ele estava tentando extorquir dinheiro, Mello seria preso antes de ter chance de explicar qualquer coisa.
Mas ele tinha outras habilidades que podiam ser úteis nessa situação. Habilidades que tinha desenvolvido durante anos trabalhando como terrorista e depois como hacker freelance. Ele podia alcançar Randal sem sair de casa.
Mello começou a trabalhar imediatamente. Primeiro precisava encontrar o e-mail pessoal de Randal. Não o e-mail corporativo que provavelmente era monitorado por assistentes e secretárias. O e-mail privado que apenas Randal acessava.
Levou três horas de pesquisa e exploração de vulnerabilidades até encontrar o que procurava. Randal tinha uma conta de e-mail que usava para assuntos pessoais. Não era difícil de acessar quando você sabia como explorar protocolos de segurança fracos.
Mello não invadiu a conta completamente. Isso seria desnecessariamente agressivo e começaria a relação com o pé errado. Em vez disso, ele simplesmente identificou o endereço e verificou que estava ativo.
Agora precisava de evidências para enviar junto com a mensagem inicial. Fotos de Sofia focando nas marcas. Documentação sobre a morte do patriarca. A cronologia do abandono.
Ele começou pelas fotos. Pegou o celular e foi até a sala onde Sofia ainda assistia desenhos.
"Sofia, vem aqui por um segundo."
Ela olhou para ele com curiosidade mas obedeceu. Mello a sentou perto da janela onde a luz natural era melhor. Tirou várias fotos focando no rosto dela, certificando-se de que as marcas abaixo dos olhos estavam claramente visíveis.
"Por que está tirando foto?" Sofia perguntou.
"Só porque sim," Mello respondeu guardando o celular. "Pode voltar a assistir televisão."
Sofia correu de volta para o sofá sem questionar mais. Mello transferiu as fotos para o laptop e começou a compilar o resto da documentação.
Artigos sobre a morte do patriarca. Matérias sobre a família Von Ivory e as marcas distintivas. A cronologia mostrando que Sofia tinha sido encontrada aproximadamente na mesma época em que o patriarca morreu. Tudo organizado em uma pasta que poderia ser anexada ao e-mail.
Escrever a mensagem foi mais difícil. Mello escreveu e deletou várias versões. Precisava ser direto sem soar ameaçador. Informativo sem parecer que estava tentando extorquir dinheiro.
Finalmente ele escreveu algo que parecia adequado:
"Sr. Von Ivory,
Meu nome é Mello. Há três anos encontrei uma criança recém-nascida abandonada em uma lixeira. Cuidei dela desde então. Recentemente descobri que ela possui marcas de nascença idênticas às da sua família. As marcas são simétricas, abaixo de ambos os olhos, uma característica genética rara.
Anexei fotos da criança, artigos sobre sua família, e documentação relevante. A cronologia do abandono coincide com a morte de seu pai. Acredito que a criança possa ser sua irmã.
Não quero dinheiro. Apenas que você faça um teste de DNA para confirmar ou descartar essa possibilidade. A criança tem direito de saber suas origens.
Aguardo sua resposta."
Mello releu a mensagem três vezes. Anexou todos os arquivos que tinha compilado. Verificou os endereços e certificou-se de que estava enviando tudo corretamente.
Clicou em enviar antes que pudesse mudar de ideia.
A mensagem foi enviada. Agora só restava esperar.
Mello não esperava resposta imediata. Randal provavelmente recebia centenas de e-mails diariamente. Poderia levar dias até que ele verificasse a conta pessoal e visse a mensagem.
Mas a resposta chegou em menos de duas horas.
Mello estava preparando almoço para Sofia quando o laptop emitiu o som de notificação de novo e-mail. Ele deixou a panela no fogão e foi verificar.
O e-mail de Randal era curto e direto:
"Isso é uma tentativa de extorsão. Tenho todos os seus dados identificáveis deste e-mail e contatarei as autoridades apropriadas se você tentar me contatar novamente."
Mello tinha previsto essa reação. Respondeu imediatamente:
"Não é extorsão. Verifique as fotos. As marcas são idênticas às suas. Isso não é coincidência. Só estou pedindo um teste de DNA. Se o resultado for negativo, nunca mais vou contatá-lo."
Desta vez a resposta demorou mais. Mello terminou de preparar o almoço e alimentou Sofia enquanto esperava. Verificou o e-mail obsessivamente a cada cinco minutos.
A resposta chegou quando ele estava lavando os pratos:
"As marcas podem ser falsificadas. Tatuagens temporárias existem. Isso prova nada. Pare de me contatar ou tomarei medidas legais."
Mello suspirou. Randal estava sendo defensivo, o que era compreensível. Ele respondeu:
"Entendo seu ceticismo. Mas considere a possibilidade de que estou dizendo a verdade. Seu pai morreu há três anos. Encontrei a criança aproximadamente na mesma época. As marcas são naturais, não tatuadas. Um teste de DNA vai confirmar tudo de uma forma ou de outra. Não há risco em fazer o teste."
Ele enviou a mensagem e esperou. Sofia estava cochilando no sofá depois do almoço. O apartamento estava silencioso exceto pelo barulho ocasional de carros passando na rua.
A próxima resposta de Randal demorou quase uma hora:
"Por que você cuidaria de uma criança abandonada por três anos se planejava fazer isso desde o início? Isso não faz sentido."
Era uma pergunta válida. Mello pensou cuidadosamente antes de responder:
"Não planejava fazer nada. Só descobri sobre sua família quando uma enfermeira comentou sobre as marcas dias atrás. Antes disso não tinha ideia de que a criança vinha de uma família rica. Cuidei dela porque era a coisa certa a fazer."
Mais silêncio. Mello começou a se perguntar se Randal tinha parado de responder completamente.
Mas então outro e-mail chegou:
"Mesmo que eu acreditasse em você, qual garantia tenho de que isso não é uma armadilha? Você poderia estar trabalhando com alguém. Pode ter sequestrado a criança."
Mello respondeu:
"Não tenho como provar que não sequestrei ela. Mas pense logicamente. Se fosse um sequestro, por que esperar três anos? Por que não pedir resgate imediatamente? E se fosse uma armadilha, por que sugerir um teste de DNA que pode facilmente provar que estou mentindo?"
A lógica era sólida. Randal aparentemente concordou porque a próxima mensagem tinha um tom diferente:
"Assumindo que você está sendo honesto, o que exatamente está propondo?"
Progresso. Mello respondeu rapidamente:
"Um encontro em local neutro. Um laboratório particular que pode fazer teste de DNA. Você traz sua identificação e uma amostra. Eu levo a criança. O laboratório coleta amostras de ambos e faz o teste. Resultados em alguns dias. Simples assim."
Randal não respondeu por várias horas. Mello passou o resto do dia cuidando de Sofia, verificando o e-mail obsessivamente. Ela acordou do cochilo querendo brincar e ele passou uma hora montando blocos de construção com ela enquanto esperava.
A resposta finalmente chegou quando ele estava colocando Sofia para dormir à noite:
"Concordo com o teste. Mas escolho o laboratório. Enviarei o endereço amanhã. E se isso for algum tipo de golpe, garanto que vai se arrepender."
Mello leu a mensagem duas vezes. Randal tinha concordado. Isso era mais do que ele esperava conseguir no primeiro dia.
Ele respondeu:
"Entendido. Aguardo o endereço."
A mensagem de Randal com o endereço do laboratório chegou na manhã seguinte. Era um laboratório particular em uma área cara da cidade. O agendamento estava marcado para daqui a dois dias às dez da manhã.
Mello passou os próximos dois dias preparando tudo. Revisou a documentação que tinha sobre Sofia. Certificou-se de que os documentos falsos estavam em ordem caso Randal pedisse para vê-los. Planejou a rota até o laboratório calculando o tempo necessário.
Sofia percebeu que algo estava diferente. Ela continuava perguntando por que Mello estava agindo estranho. Ele respondeu que tinha uma reunião importante e que ela precisaria ir junto.
Na manhã do encontro, Mello acordou cedo. Vestiu Sofia com roupas limpas e arrumou o cabelo dela. Ela reclamou durante todo o processo porque não gostava quando ele mexia no cabelo.
"Por que preciso ficar bonita?" Sofia perguntou fazendo bico.
"Vamos conhecer alguém importante," Mello respondeu terminando de prender o cabelo dela em um rabo de cavalo.
"Quem?"
"Alguém que pode ser sua família."
Sofia franziu a testa confusa. Com três anos ela não entendia completamente o conceito de família biológica versus família adotiva. Para ela, Mello era mamãe e isso era tudo que importava.
Saíram do apartamento com tempo de sobra. Mello tinha calculado quarenta minutos para chegar ao laboratório, mas queria margem para imprevistos.
Estavam a meio caminho quando Sofia começou a reclamar que estava com fome.
"Devia ter comido mais no café da manhã," Mello disse.
"Mas não estava com fome antes! Estou com fome agora!"
Discutir com uma criança de três anos sobre lógica temporal nunca funcionava. Mello olhou ao redor procurando algum lugar para comprar comida rápida. Viu um mercado pequeno na esquina seguinte.
"Vamos comprar um sanduíche rápido," ele disse guiando Sofia para dentro do mercado.
O lugar era pequeno e lotado. Mello pegou um sanduíche pronto da geladeira e foi para a fila do caixa. Sofia segurou a mão dele olhando ao redor com curiosidade.
A fila tinha cinco pessoas. Mello ficou atrás de uma senhora idosa que estava comprando uma quantidade absurda de produtos de limpeza. Ia demorar um tempo.
A senhora virou-se e notou Mello e Sofia. Ela sorriu de uma forma que Mello imediatamente reconheceu como o início de uma conversa não solicitada.
"Que menina linda," a senhora disse. "Sua filha?"
Mello hesitou. Tecnicamente a resposta era complicada. Mas antes que pudesse responder, Sofia resolveu o problema por ele.
"Mamãe vai me dar sanduíche!" Sofia anunciou orgulhosa.
A expressão da senhora mudou. Ela olhou para Mello mais atentamente. O cabelo loiro dele estava solto hoje porque não tinha tido tempo de prender. A roupa era neutra, jeans e uma blusa preta. De longe, especialmente com Sofia chamando ele de mamãe, era fácil fazer suposições.
"Ah," a senhora disse com um tom que Mello não gostou. "Você é muito jovem para ter uma filha dessa idade."
"Tenho vinte e quatro," Mello respondeu automaticamente. Ele podia ver para onde isso estava indo e não gostava.
"Vinte e quatro," a senhora repetiu balançando a cabeça. "Então você tinha o que, vinte e um quando ela nasceu? Minha nossa. Estragou sua vida bem cedo."
Mello não respondeu. Apenas segurou a mão de Sofia e esperou a fila andar.
Mas a senhora não tinha terminado.
"Aposto que nem sabe quem é o pai, não é? Essas coisas acontecem quando você é jovem e irresponsável. Provavelmente foi com algum namorado que desapareceu assim que descobriu sobre a gravidez."
Uma mulher mais jovem na fila atrás deles entrou na conversa.
"É sempre assim," ela disse concordando com a senhora idosa. "Meninas jovens que não pensam nas consequências. Aí a criança paga o preço."
Mello apertou os dentes. Sofia olhou para ele confusa porque podia sentir a tensão na mão dele. Ele relaxou o aperto tentando não transmitir o que estava sentindo.
"Pelo menos você não abortou," a senhora continuou. "Isso é algo. Mas criar uma criança sozinha nessa idade? Vai ser difícil. Você tem emprego pelo menos?"
"Tenho," Mello respondeu. A resposta saiu mais curta do que pretendia.
"Trabalha com o que? Espero que seja algo estável. Criança precisa de estabilidade. Não pode ficar pulando de emprego em emprego."
"Consultoria de segurança," Mello disse. Não era mentira tecnicamente.
A senhora fez uma expressão cética.
"Segurança. Claro. Bem, espero que pague o suficiente para sustentar vocês duas. Criança é cara. Fraldas, comida, roupas que ela vai crescer e não servir mais. Você pensou em tudo isso antes de decidir manter ela?"
Mello não respondeu dessa vez. Apenas olhou para frente esperando a fila andar. A caixa estava demorando uma eternidade com a senhora idosa e seus produtos de limpeza.
A mulher mais jovem atrás dele continuou:
"E creche? Você consegue pagar creche? Porque criança dessa idade precisa de socialização. Não pode ficar trancada em casa o dia todo."
"Ela socializa," Mello disse. Isso também não era mentira. Sofia brincava com outras crianças no parque regularmente.
"Parque não conta," a mulher respondeu como se pudesse ler a mente dele. "Precisa de ambiente estruturado. Outras crianças da mesma idade. Adultos que sabem o que estão fazendo."
A insinuação de que Mello não sabia o que estava fazendo ficou pendurada no ar entre eles. Ele escolheu ignorar.
A senhora idosa virou-se novamente para contribuir mais:
"E o pai da criança? Ele paga pensão pelo menos? Ou desapareceu completamente?"
Sofia puxou a mão de Mello.
"Mamãe, por que a senhora está brava com você?"
"Não está brava," Mello respondeu baixo. "Ela só está falando."
"Está falando coisas ruins," Sofia insistiu. Mesmo com três anos ela podia detectar o tom negativo na conversa.
A senhora ouviu isso e sua expressão amoleceu ligeiramente.
"Não estou brava com sua mãe, querida. Só estou preocupada com vocês duas. Sua mãe é muito jovem para estar criando você sozinha."
"Mamãe cuida bem de mim," Sofia declarou com a confiança absoluta que apenas crianças pequenas conseguem ter.
"Tenho certeza que ela tenta," a senhora disse. "Mas tentar não é sempre suficiente. Criança precisa de mais do que uma mãe jovem e sozinha pode oferecer."
Finalmente a fila andou. A caixa terminou de passar os produtos da senhora idosa. Mello aproveitou a distração para se concentrar em não responder.
A mulher mais jovem atrás dele não tinha a mesma consideração:
"Você pelo menos tem família que ajuda? Mãe, pai, alguém?"
"Não," Mello respondeu. Ele colocou o sanduíche no balcão assim que a senhora idosa terminou de pagar e saiu.
"Então é só você duas," a mulher concluiu. "Isso é ainda pior. Criança precisa de estrutura familiar. Avós, tios, primos. Não pode crescer isolada com apenas uma pessoa."
A caixa passou o sanduíche e disse o preço. Mello pagou rapidamente querendo terminar essa interação o mais rápido possível.
Mas a senhora idosa ainda estava perto o suficiente para adicionar um último comentário:
"Boa sorte, querida. Você vai precisar."
Mello pegou o sanduíche e a mão de Sofia e saiu do mercado sem responder. Ele podia sentir os olhos das duas mulheres seguindo eles até a porta.
Uma vez fora, Sofia puxou a mão dele.
"Por que elas falaram essas coisas?"
"Porque pessoas às vezes falam sem pensar," Mello respondeu abrindo o sanduíche para ela. "Não importa."
"Mas você ficou chateado."
"Estou bem."
Sofia não pareceu convencida mas aceitou o sanduíche e começou a comer enquanto caminhavam. Mello verificou o horário. Ainda tinham quinze minutos até o horário marcado. Tempo suficiente se caminhassem rápido.
O laboratório ficava em um prédio moderno de vidro e aço. O interior era esterilizado e clínico. Mello deu o nome na recepção e a atendente pediu para esperarem.
Sofia terminou o sanduíche e começou a explorar a sala de espera com curiosidade. Havia revistas empilhadas em uma mesa de centro e ela começou a folhear uma delas de cabeça para baixo.
Mello sentou em uma cadeira e esperou. Verificou o celular obsessivamente mas não tinha mensagens. Olhou ao redor da sala procurando câmeras de segurança. Havia duas que podia ver.
A porta da entrada abriu quinze minutos depois. Mello levantou a cabeça automaticamente para verificar quem estava entrando.
Era Randal Von Ivory.
Mello o reconheceu imediatamente das fotos que tinha visto online. Alto, provavelmente um metro e oitenta. Cabelo de um tom ruivo escuro cortado profissionalmente. Terno caro que provavelmente custava mais do que Mello ganhava em um mês. E as marcas. Duas pequenas marcas simétricas abaixo de cada olho.
Randal parou na entrada e olhou ao redor da sala. Os olhos dele encontraram Mello e pararam. Por um segundo nenhum dos dois se moveu.
Sofia escolheu esse momento para correr até Mello segurando a revista.
"Mamãe, olha o cachorro!"
Ela subiu na cadeira ao lado dele mostrando a foto de um cachorro na revista. Completamente alheia à tensão no ar.
Randal caminhou até onde eles estavam. Os olhos dele foram de Mello para Sofia e depois de volta para Mello. Ele parou a alguns metros de distância.
Mello se levantou, segurando a mão de Sofia.
Randal olhou para Sofia. Especificamente para as marcas abaixo dos olhos dela. A expressão dele não mudou mas Mello viu o momento exato em que ele reconheceu as marcas. A mesma característica genética rara que ele via no espelho todos os dias.
"Você deve ser Mello," Randal disse finalmente.
"Sim," Mello respondeu. "E você é Randal Von Ivory."
Randal assentiu uma vez. Os olhos dele ainda estavam fixos em Sofia.
Sofia olhou para ele com curiosidade.
"Quem é você?" ela perguntou com a franqueza típica de crianças de três anos.
Randal não respondeu imediatamente. Ele continuou olhando para as marcas. Depois para o rosto dela como um todo. Procurando semelhanças talvez. Tentando determinar se essa criança poderia realmente ser sua irmã.
Mello esperou. Segurou a mão de Sofia e esperou para ver o que Randal faria.
Comments (0)
No comments yet. Be the first to share your thoughts!