Chapter 2: A Rotina se Estabelece Apenas mais alguns dias. Essa frase se tornou uma espécie de mantra que Mello repetia para si mesmo toda manhã. Mais alguns dias para planejar adequadamente. Mais alguns dias para garantir que a entrega seria feita sem riscos. Mais alguns dias para ter certeza de que estava fazendo a coisa certa. Uma semana se passou desde que ele tinha encontrado a bebê na caixa de papelão. A criança agora tinha cores mais saudáveis na pele. O choro tinha diminuído consideravelmente. Ela dormia em intervalos regulares e acordava apenas quando estava com fome ou precisava de uma fralda limpa. Mello estabeleceu uma rotina sem realmente perceber que estava fazendo isso. Acordava às sete da manhã quando a bebê começava a fazer barulhos. Preparava a mamadeira usando água morna e a quantidade exata de fórmula. Trocava a fralda. Colocava ela de volta para dormir. Três horas depois repetia o processo. O apartamento temporário começou a se transformar. Mello comprou mais fraldas quando o primeiro pacote acabou. Depois comprou mais fórmula. Um dia trouxe roupas de bebê porque embrulhar a criança em toalhas estava ficando impraticável. No dia seguinte comprou lenços umedecidos porque limpar a bebê apenas com água não funcionava direito. Cada compra era acompanhada da mesma justificativa mental. Era apenas temporário. Só até ele encontrar o momento certo para entregá-la. Não fazia sentido manter a criança em condições ruins enquanto ainda estava sob seus cuidados. Na segunda semana Mello percebeu que tinha estabelecido uma rotina completa sem ter planejado conscientemente fazer isso. Acordava no mesmo horário todos os dias. Alimentava a bebê nos mesmos intervalos. Tinha até começado a conversar com ela durante as trocas de fralda, embora obviamente a criança não entendesse nada do que ele dizia. O apartamento agora tinha suprimentos infantis espalhados por todos os lugares. Fraldas empilhadas no armário do banheiro. Latas de fórmula na cozinha. Roupas de bebê dobradas em cima da cômoda. Mamadeiras limpas secando ao lado da pia. Mello ainda não tinha dado um nome para a criança. Chamá-la pelo nome tornaria tudo mais real. Mais permanente. Ele se referia a ela apenas como "a bebê" quando precisava pensar sobre ela. Mas durante a segunda semana começou a ficar difícil manter esse distanciamento. A bebê o reconhecia agora. Quando ele se aproximava, ela parava de chorar imediatamente. Quando ele falava, ela virava a cabeça na direção do som. Quando ele a segurava, ela se aconchegava contra o peito dele de uma forma que parecia quase proposital. Uma noite Mello ficou acordado segurando a bebê que se recusava a dormir. Já eram três da manhã e ela simplesmente não fechava os olhos. Não estava chorando ou parecendo desconfortável. Apenas acordada olhando para o rosto dele. Ele caminhou pelo apartamento embalando ela suavemente. Tentou tudo que tinha funcionado antes. Cantar baixinho, embora não soubesse muitas músicas. Balançar ela em um ritmo constante. Manter as luzes apagadas. Nada funcionava. A bebê continuava acordada, olhando para ele com aqueles olhos que agora conseguiam focar melhor. Mello olhou de volta. Ela era tão pequena. Tão completamente dependente dele para tudo. Sem ele, ela estaria morta naquela caixa de papelão há duas semanas. Foi nesse momento, às três e meia da manhã enquanto caminhava pelo apartamento escuro segurando uma bebê que não dormia, que Mello tomou a decisão real. Não mais "alguns dias". Não mais planos de entregá-la anonimamente em algum lugar. Ele ia mantê-la. A decisão veio sem drama ou revelação súbita. Foi mais uma aceitação de algo que já estava acontecendo. Ele já estava cuidando dela. Já tinha transformado o apartamento em um lugar funcional para uma criança. Já tinha estabelecido uma rotina completa. Apenas precisava admitir para si mesmo que isso não era temporário. Ninguém mais queria essa criança. Os pais biológicos tinham literalmente jogado ela em uma caixa para morrer. O sistema de orfanatos estava cheio de crianças abandonadas que nunca encontravam famílias. Ela seria apenas mais uma criança perdida em um sistema que não se importava. Mas Mello podia protegê-la. Podia garantir que ela crescesse com tudo que precisasse. Comida, abrigo, segurança. Ele tinha recursos suficientes para isso. Tinha capacidade para mantê-la escondida das autoridades. E aparentemente tinha paciência para lidar com mamadeiras e fraldas sujas. A justificativa racional para a decisão era sólida. Ela estaria melhor com ele do que em qualquer instituição. Ele podia oferecer uma vida que o sistema nunca ofereceria. Era logicamente a melhor opção para a criança. Mas Mello reconhecia que havia mais do que lógica envolvida. Nas últimas duas semanas ela tinha se tornado parte da rotina dele de uma forma que ia além de responsabilidade temporária. Ele se pegava pensando nela quando saía para comprar mantimentos. Verificava se ela estava respirando quando dormia por muito tempo. Sentia algo estranho no peito quando ela olhava para ele e parava de chorar. Não era amor. Mello não estava certo do que era amor ou se era capaz de sentir isso. Mas era alguma coisa. Algo que tornava impossível simplesmente deixá-la em uma porta de hospital e ir embora. A bebê finalmente adormeceu por volta das quatro da manhã. Mello a colocou na cama improvisada e ficou observando ela dormir. Se ia fazer isso, precisava fazer direito. Não podia simplesmente manter uma criança sem nome e sem documentação. Isso eventualmente causaria problemas. Documentos falsos eram fáceis. Mello tinha contatos que podiam fornecer certidões de nascimento, documentos de identidade, qualquer coisa necessária. Ele já tinha usado esses serviços antes para si mesmo. Usar para a bebê seria simples. O nome precisava ser decidido. Algo comum que não chamasse atenção. Mello passou os dias seguintes pensando sobre isso enquanto cuidava dela. Nada parecia adequado. Todos os nomes soavam estranhos quando ele tentava associá-los à criança. Foi durante uma troca de fralda uma semana depois que o nome veio. Ele estava limpando a bebê e conversando com ela sobre nada em particular. Mencionou que precisava pensar em um nome logo porque "bebê" não era sustentável a longo prazo. Sofia. O nome apareceu na cabeça dele sem razão aparente. Não era de ninguém que ele conhecia. Não tinha significado especial. Mas quando pensou em chamá-la de Sofia, pareceu correto de uma forma que outros nomes não pareciam. Sofia. Era simples. Comum o suficiente para não chamar atenção. E por algum motivo que Mello não conseguia explicar, combinava com ela. Ele testou o nome em voz alta. "Sofia." A bebê olhou para ele quando ele falou. Provavelmente não porque reconhecia o nome, mas porque reconhecia a voz dele. Mas mesmo assim, pareceu uma confirmação. No dia seguinte Mello contatou um falsificador que tinha usado duas vezes antes. O homem trabalhava rápido e não fazia perguntas desde que o pagamento fosse adequado. Mello forneceu as informações necessárias. Sofia. Data de nascimento aproximada. Sem menção de pais biológicos porque oficialmente ele seria listado como o pai. O falsificador nem piscou quando Mello pediu documentos que o listassem como pai de uma recém-nascida. Ele já tinha visto coisas mais estranhas. Disse que levaria uma semana para preparar tudo com a qualidade necessária para passar por verificações superficiais. Enquanto esperava pelos documentos, Mello começou a pensar sobre a logística de longo prazo. Criar uma criança não era como seus outros trabalhos. Não podia simplesmente desaparecer por semanas quando uma operação exigisse. Não podia manter o estilo de vida nômade que tinha mantido nos últimos anos. Precisava de estabilidade. Um lugar permanente para morar. Alguma forma de renda que não exigisse viagens constantes ou períodos de ausência. A vida que ele tinha vivido até agora era incompatível com a responsabilidade de criar uma criança. A conclusão óbvia era que sua vida precisaria mudar drasticamente. Mello passou vários dias pensando sobre como fazer isso acontecer sem desistir completamente do trabalho que tinha feito nos últimos anos. Talvez pudesse fazer trabalhos menores que não exigissem tanto tempo. Talvez pudesse encontrar formas de operar localmente sem precisar viajar. Mas a realidade era que criar Sofia significaria essencialmente abandonar a maior parte do que ele tinha sido. O terrorista que descartava evidências em galpões abandonados no meio da noite não podia coexistir com o pai que preparava mamadeiras às sete da manhã. Uma semana depois o falsificador entregou os documentos. Certidão de nascimento, carteira de identidade, todos os papéis necessários para que Sofia existisse oficialmente. Mello verificou cada documento cuidadosamente. A qualidade era excelente. Passariam por qualquer verificação que não fosse extremamente detalhada. Ele guardou os documentos em um envelope selado e colocou em um lugar seguro. Sofia agora existia legalmente. Era oficialmente filha dele. Não havia mais volta. Naquela noite Mello segurou a certidão de nascimento falsa e olhou para o nome impresso. Sofia. Filha de Mello. A data de nascimento listada era aproximadamente três semanas atrás. Tudo parecia oficial e legítimo. Ele caminhou até onde Sofia dormia e observou ela. Três semanas atrás ela estava morrendo em uma caixa de papelão. Agora tinha nome, documentos, e alguém que garantiria que ela crescesse segura. A transformação era absurda quando ele realmente pensava sobre isso. Mello pegou o último item que tinha guardado relacionado à ideia de abandoná-la. Era um pedaço de papel onde ele tinha escrito endereços de hospitais e orfanatos semanas atrás. Lugares onde poderia tê-la deixado anonimamente. Ele tinha carregado esse papel no bolso por dias, planejando usar eventualmente. Agora olhando para o papel, Mello percebeu que nunca realmente ia usá-lo. Desde o primeiro dia quando tinha levado Sofia para o apartamento, alguma parte dele já tinha tomado a decisão de mantê-la. Tinha apenas levado três semanas para admitir isso conscientemente. Ele rasgou o papel em pedaços pequenos. Foi até o banheiro e jogou os pedaços no vaso sanitário. Deu descarga e assistiu os fragmentos desaparecerem pela água. O último vestígio da ideia de abandoná-la desapareceu junto. Quando voltou para o quarto, Sofia estava acordada. Ela não chorava, apenas olhava para o teto com aquela expressão vaga que bebês recém-nascidos tinham. Mello se aproximou e ela imediatamente virou a cabeça na direção dele. Ele pegou ela no colo. Sofia fez um som pequeno que não era exatamente um choro, mas mais um reconhecimento de que ele estava ali. Mello a segurou contra o peito e sentou na cadeira velha perto da janela. "Sofia," ele disse em voz alta pela primeira vez dirigindo-se a ela. "Esse é seu nome agora." A criança obviamente não reagiu além de continuar olhando para ele com aqueles olhos que ainda aprendiam a focar. Mas falar o nome em voz alta tornou tudo mais concreto. Mais real. Ela tinha um nome. Tinha documentos. Tinha alguém que seria responsável por ela permanentemente. Mello olhou pela janela para a rua vazia lá fora. Sua vida tinha mudado completamente em três semanas. De terrorista sem vínculos para pai de uma recém-nascida. A transformação era tão abrupta que ainda não tinha processado completamente. Mas enquanto segurava Sofia e observava ela começar a adormecer novamente, Mello percebeu que não se arrependia da decisão. Era insano. Era impraticável. Ia complicar tudo em sua vida de formas que nem conseguia prever completamente ainda. Mas era a decisão certa. Pelo menos para ela. E aparentemente isso era suficiente. Sofia adormeceu completamente. Mello continuou segurando ela por mais uma hora antes de colocá-la de volta na cama. Ele pegou o envelope com os documentos falsos e guardou em um cofre pequeno que mantinha escondido atrás de uma tábua solta no armário. Os documentos de Sofia agora estavam seguros junto com os documentos falsos dele. Duas identidades fabricadas guardadas no mesmo lugar. Pai e filha, pelo menos no papel. A ironia não estava perdida para Mello. Ele tinha criado uma família inteira baseada em mentiras e falsificações. Mas talvez famílias verdadeiras também fossem construídas sobre algum tipo de ficção. Pessoas fingindo saber o que estavam fazendo. Fingindo ter as respostas. Fingindo que tudo fazia sentido quando na verdade ninguém realmente sabia de nada. Mello fechou o cofre e recolocou a tábua no lugar. Depois voltou para o quarto e deitou na cama. Sofia dormia tranquilamente a poucos metros de distância. A respiração dela era suave e constante. Ele tinha queimado todas as pontes. Destruído qualquer possibilidade de voltar atrás. Os documentos existiam agora. Sofia era oficialmente filha dele. Não havia mais opção de simplesmente deixá-la em algum lugar e desaparecer. Mas enquanto fechava os olhos e começava a adormecer, Mello descobriu que não queria voltar atrás de qualquer forma. A decisão estava tomada. Sofia era responsabilidade dele agora. Permanentemente.

Comments (0)

No comments yet. Be the first to share your thoughts!

Sign In

Please sign in to continue.