## Capítulo 9: O Preço da Liberdade
Dois meses se arrastaram, carregados de uma tensão sutil que apenas pessoas acostumadas a viverem em disfarce poderiam perceber. A separação imposta pelo Diretor Johnson, ainda que inicialmente dolorosa para Gabriel (L), transformou-se em uma estranha libertação. L, finalmente livre do monitoramento constante e da dinâmica tóxica que sustentava a fachada com Vladimir, pôde se concentrar unicamente em seu papel investigativo.
O "rompimento" tinha sido um golpe de mestre. Ele havia interpretado o coração partido de Gabriel com tamanha convicção que Sarah e Zoey o haviam abraçado de volta em seu círculo com redobrada intensidade, tratando-o como uma vítima. A história era perfeita: o valentão controlador (Vladimir) expulso, e o troféu angelical (Gabriel) precisando de conforto e atenção. L explorou essa vulnerabilidade percebida para cavar fundo em fofocas e informações.
Ele havia descoberto que o código de drogas era mais complexo do que parecia; não era apenas um código de nomes de comida, mas níveis de acesso e potência. Ele tinha se infiltrado em festas menores e menos monitoradas, onde a pressão social era diferente, e ele conseguia pegar conversas fragmentadas sobre os ‘operadores’ da casa. Ele estava colecionando peças do quebra-cabeça, mas o risco era sempre presente.
Enquanto isso, Vladimir estava mais isolado, focando nas extremidades da investigação. Ele usava seu status de marginalizado (por ter sido 'expulso' por Gabriel) para intimidar outros adolescentes, conseguindo acesso a informações mais duras sobre a hierarquia e o lado financeiro da operação. Ele estava focado no "Terceiro Garoto" e nas conexões internacionais que ligavam o vídeo íntimo de uma garota da escola à rede.
Eles se encontravam apenas sob o disfarce de encontros "em segredo" — um café rápido para trocar informações, um sussurro apressado no corredor da escola onde L fingia se afastar com nojo e Vladimir fingia raiva. Na realidade, era a única maneira de L ter certeza de que a exaustão física estava diminuindo e que ele estava voltando ao seu peso normal. Vladimir, agora sob a mira do diretor, estava sendo incrivelmente cuidadoso, até mesmo enviando lanches saudáveis anônimos para o armário de Gabriel.
Apesar da frieza calculada em público, a ausência da presença física de Vladimir era um abalo constante para L. Ele havia se acostumado à proteção invisível, ao escudo que Vladimir proporcionava, mesmo que viesse com o preço de humilhação pública. Agora, ele estava sozinho no campo de jogo.
Era sexta-feira, e o ar estava carregado de antecipação. L havia recebido uma mensagem codificada de Zoey: "Grande festa na mansão. Venha provar que você está melhor sem ele. Livre para voar." Vladimir havia recebido um convite mais formal, através de Nate: "Apareça. Precisamos conversar sobre o próximo lance." Era a primeira vez que ambos voltavam ao covil dos leões desde o incidente.
L estava parado em frente ao espelho em seu apartamento alugado, onde agora vivia sozinho—a agente de apoio havia se posicionado em um apartamento próximo para manter a logística. Ele estava examinando a roupa que havia escolhido. Não era o uniforme de troféu de antes. Era mais ousado, mais independente. Uma jaqueta de couro fina sobre uma camiseta preta, calça jeans rasgada no joelho, sapatos limpos. Ele estava mais forte, a recuperação física sendo um alívio, mas o estômago ainda estava apertado.
Ele sentia um vazio. Não era a necessidade de Vladimir, o homem, mas sim de Vladimir, a muralha. O "namorado abusivo" era uma performance necessária que o mantinha a salvo. Sem ele, L era apenas Gabriel Perez, um garoto bonito e agora "solteiro" em uma festa cheia de predadores.
Ele pegou sua jaqueta, respirou fundo e saiu.
***
A música pulsava antes mesmo de L chegar à entrada. A Mansão, envolta em néon e sombras, exalava a promessa perigosa de liberdade adolescente. L se misturou à multidão, forçando um sorriso fácil no rosto de Gabriel.
O primeiro instinto de L era procurar por Vladimir. Mas ele resistiu à tentação. A separação precisava ser crível. Ele tinha que agir como o garoto que havia se libertado, ansioso para aproveitar a vida.
Zoey e Sarah o encontraram na entrada, seus olhos brilhando com entusiasmo.
"Gabs! Você veio!" Zoey gritou sobre o barulho, beijando-o ruidosamente na bochecha.
"Claro que sim. Preciso matar a saudade," L respondeu, sua voz calibrada para soar animada e um pouco nervosa.
"Vamos, bebam alguma coisa!" Sarah agarrou seu braço, puxando-o para a cozinha improvisada, onde adolescentes serviam um ponche vermelho brilhante de baldes de plástico. L, sempre cauteloso, recusou a bebida e optou por uma lata de refrigerante selada que ele "pegou emprestada" de uma caixa de gelo abandonada. Ele sentia os olhares. Sem Vladimir como foco, Gabriel era o centro da atenção.
A noite avançava lentamente, marcada pelo ritmo lento da investigação. L estava fazendo o que fazia de melhor: observar. Ele viu Anna, mais reclusa do que o normal, no canto da sala de estar, parecendo desconfortável. Viu Nate, o braço direito de Vladimir, circulando, seus olhos varrendo a sala.
L tentou se engajar em conversas triviais, focando nas falhas de Vladimir para consolidar sua história de vítima.
"Ele era tão sufocante, né?" L disse, revirando os olhos para Sarah, que concordou fervorosamente. "Eu não podia respirar."
Mas a cada minuto, L sentia o peso da falta de proteção. Ele estava sendo sondado. Os comentários eram mais atrevidos, os toques mais demorados. Ele era um alvo. A isca estava desprotegida.
***
Zoey e Sarah, rindo alto e visivelmente alteradas, estavam encostadas em uma parede, observando Gabriel flertar inocentemente com um grupo de garotos um pouco mais velhos.
"Uau, ele finalmente está se soltando. Dois meses de luto foi o suficiente," Zoey comentou, tomando um gole do seu copo.
"Parece que Valdi nem faz falta, hein?" Sarah disse com satisfação. Ela ainda guardava uma ponta de ressentimento por Vladimir ter preferido Gabriel.
De repente, a atenção delas foi atraída para o grupo. Um garoto que L não reconheceu imediatamente, talvez um calouro ou alguém de outra escola, aproximou-se de Gabriel. Ele era magro, com cabelo descolorido e usava uma camisa de banda. Ele tinha uma bebida transparente em um copo de plástico na mão e estava sorrindo de orelha a orelha.
"Gabriel! Cara, que bom te ver. É para celebrar sua liberdade," o garoto disse, estendendo o copo.
L hesitou. Ele tinha um protocolo rígido. Nunca bebidas não supervisionadas.
"Ah, valeu, mas tô suave com o refri," L respondeu educadamente, mas com firmeza.
"Qual é, Gabs? É só um 'refresco de festa'. É suave, juro. Para você ficar na vibe," o garoto insistiu, movendo o copo mais perto. Ele parecia amigável e inofensivo.
Havia uma pressão sutil, um desejo de não parecer esquisito. E L havia passado dois meses tentando ser "normal" e "descolado". Ele sabia que recusar bebidas era uma bandeira vermelha no ambiente adolescente. L, o detetive, calculou o pequeno risco. Ele já tinha lidado com drogas piores e estava fisicamente mais preparado agora.
"Ah, tá bom," L cedeu, pegando o copo e levando-o aos lábios. Ele tomou um gole pequeno, apenas o suficiente para parecer que aceitou o convite. O sabor era doce e ligeiramente químico, mas não forte o suficiente para ser imediatamente reconhecido como algo prejudicial em meio ao caos de sabores da festa.
O garoto sorriu e se afastou.
Zoey e Sarah testemunharam a cena à distância. Elas viram o contato visual entre o garoto de cabelo descolorido e um dos garotos mais velhos do grupo de Gabriel. Um sorriso rápido e conhecedor.
Sarah franziu a testa. "Aquele otário deu a ele um 'sorvete', você viu?”
"Sorvete? Pensei que era 'doce'," Zoey respondeu, corrigindo o código da festa para ecstasy (MDMA).
"Não importa o nome, é MD. Puro. Vão querer que ele fique beeeem animado," Sarah disse com um sorriso malicioso.
Zoey riu. "Bem, ele está muito paradão desde que terminou com Vladi. Talvez isso o solte um pouco. Ele ia precisar. Hoje ele é nosso troféu de libertação. Seria ótimo se Vladi visse ele assim, de boa."
Elas escolheram conscientemente ignorar a droga. Para elas, era apenas um elemento da festa. Se Gabriel estivesse chapado, ele falaria mais, riria mais, dançaria mais. Ele seria *divertido*. Elas não viam o perigo, apenas a promessa de entretenimento, e talvez, a chance de Gabriel desabafar alguns segredos suculentos. L, afinal, era detetive, e tinha o tato e a discrição para não se expor.
***
Anna estava na periferia da sala de estar, bebendo água de uma garrafa. Ela estava mantendo uma distância estratégica de L e, especialmente, de Sarah e Zoey. Desde o incidente do confronto, Anna havia se tornado mais cautelosa. Ela suspeitava que Gabriel não era quem dizia ser, ou pelo menos, sua história não colava. A maneira como ele havia reagido com dignidade à humilhação de Vladimir, e a rápida guinada para a vítima indefesa, parecia calculada.
Seus olhos estavam fixos no grupo de Gabriel. Menos de cinco minutos haviam se passado desde que ele tomou a bebida. E a mudança era inegável.
L, que momentos antes estava parado, levemente rígido em sua postura de observador, começou a se mover. Seus olhos ficaram subitamente mais brilhantes, e o sorriso, que antes era uma máscara social, se tornou sincero e elétrico. Ele estava rindo de algo que um dos garotos disse, um riso alto e desinibido que não combinava com o reservado Gabriel Perez.
Anna sentiu a pele arrepiar. Não era o comportamento de alguém bêbado. Era algo mais rápido, mais intenso. E ela reconheceu discretamente o padrão.
Seu coração começou a acelerar. *MDMA*. Não era incomum nas festas, mas ver Gabriel, sempre tão controlado, de repente liberado daquele jeito, acionou um alarme. Anna tinha percebido há semanas que Gabriel era delicado, uma flor de estufa no meio do pântano. Ele precisava de Vladimir, do controle de Vladimir, para sobreviver naquelas festas.
O efeito do ecstasy não era sutil. A euforia tomou conta de L rapidamente. Ele sentiu uma onda quente percorrer seu corpo, seguida por uma clareza mental estranha, mas distorcida. O tédio e a rigidez se foram. A música parecia vibrar diretamente em sua alma.
A atuação desmoronou.
"Cara, isso é incrível! Sabe, eu nunca me senti tão… aberto," L disse, gesticulando amplamente. Seu desejo de interagir, de se conectar, era avassalador. Ele inclinou-se para um dos garotos, seus olhos azuis arregalados com emoção. "Sério, eu confio em vocês. Tipo, de verdade. Eu sinto que posso dizer qualquer coisa."
O detetive L estava desaparecido. No lugar dele, estava um Gabriel eufórico, impulsivo e perigosamente comunicativo. O corpo de L estava reagindo violentamente à droga, que estava saturando seus receptores de serotonina. Ele estava suando levemente, mas não parecia se importar. O mundo era bonito.
Anna notou a mudança na atmosfera. A atração magnética em torno de Gabriel se intensificou. O grupo de garotos já não estava mais interagindo com ele; eles estavam o cercando. Olhos famintos, fixados no rosto e no corpo de Gabriel.
L, percebendo a atenção, interpretou-a através da lente da droga. *Eles me amam*. Ele sorriu abertamente, a vulnerabilidade gritante em sua expressão.
"Vocês não são como Vladi. Vocês parecem bons. Amáveis," ele sussurrou, a voz carregada de emoção falsa gerada pela substância.
Anna viu os olhares. Eram tubarões, ela pensou com terror, e Gabriel era o atum mais bonito que eles já tinham visto. A fragilidade de Gabriel sob o efeito do MDMA era um convite aberto. Na Mansão, quando os limites caíam, coisas ruins aconteciam muito rápido. Anna sabia do que aqueles garotos eram capazes—ela vira os vídeos.
Ela não podia deixar isso acontecer. Apesar de seus conflitos com L, apesar de suas suspeitas, havia uma humanidade que a impedia de assistir à destruição iminente. Gabriel era diferente, ele não merecia isso.
Anna olhou para Sarah e Zoey. Elas estavam rindo, absorvidas em seu próprio entretenimento, satisfeitas por verem o "troféu" finalmente animado. Elas não interviriam. Elas eram parte do problema.
Com uma decisão súbita, Anna soltou a garrafa de água e se afastou. Ela não podia arriscar confrontar aqueles garotos. Ela precisava de ajuda. Ela precisava de Vladimir.
O detetive tinha se isolado desde o incidente da suspensão. Ele não estava na sala principal. Anna sabia que, com o status de 'marginalizado' de Vladimir, ele estaria em um lugar onde ele pudesse exercer seu poder sem a interferência de Gabriel.
A Mansão era um labirinto, mas Anna sabia que havia apenas um lugar onde Vladimir faria sua "reunião" com Nate: o antigo escritório do proprietário, no segundo andar. Era um dos quartos menos usados, e onde as câmeras foram instaladas. Ele precisaria estar lá para manter a fachada do controle e poder.
Respirando fundo, Anna começou a subir a escadaria. A música e o calor da festa diminuíam à medida que ela se adentrava nos corredores mais escuros e empoeirados do segundo andar. O cheiro de mofo se misturava ao cheiro de urina velha e suor. Aqui, a realidade da decadência da Mansão era mais evidente.
Ela encontrou o quarto. A porta estava entreaberta. Ela podia ouvir vozes baixas e sérias.
Anna hesitou, limpando o suor da testa. Ela não era bem-vinda – especialmente no que seria classificado como uma "reunião de negócios" de alto nível. Mas o pânico era um motor mais forte do que a etiqueta social.
Ela empurrou a porta aberta.
Vladimir estava sentado em uma cadeira de couro desbotada, com Nate apoiado contra a lareira suja. Os dois estavam olhando para um tablet que Vladimir segurava, provavelmente revisando relatórios ou vídeos. Vladimir ainda usava sua arrogância familiar, mas seus olhos, ao se virarem para Anna, estavam afiados e impacientes.
"O que você quer, Anna? Esta não é a seção de convidados," Vladimir disse, sua voz tensa e baixa, mas carregada de autoridade. A performance de detetive arrogante estava em pleno vigor, mas Anna sentiu o pânico sutil que ele instigava.
"É o Gabriel. Lá embaixo," Anna conseguiu ofegar. Ela havia corrido.
Ao ouvir o nome de L, a postura de Vladimir endureceu. A máscara de tédio caiu ligeiramente.
"O que aconteceu? Ele desmaiou de novo?" Vladimir perguntou, mas a preocupação era genuína, cortando a fachada.
"Pior. Acho que drogaram ele," Anna disse, suas palavras tropeçando em sua respiração acelerada. "Ele tomou alguma coisa. Um dos garotos deu MDMA a ele, eu acho. Ele está... ele está muito solto. E está cercado por um grupo de predadores na sala principal."
Vladimir se levantou com uma velocidade chocante. Ele era o detetive agindo agora, toda a encenação adolescente desaparecida.
"Onde estão Zoey e Sarah?" ele exigiu, preparando-se para descer.
"Rindo, Vladi! Elas viram, e acharam engraçado! Acham que ele vai ficar 'divertido'. Mas ele está falando demais, Vladi. Ele está vulnerável. Ele disse que confia neles. Você sabe o que eles fazem aqui quando alguém está assim," Anna implorou, o medo por L/Gabriel a consumindo.
Anna tentou se recompor. Havia meses de ressentimento, inveja e frustração acumulados entre eles, mas o perigo iminente superou tudo. L/Gabriel era a vítima aqui, e ela sentia a responsabilidade.
"Por favor, Vladi," ela continuou, sua voz se quebrando em um sussurro. "Por favor, vá ajudá-lo. Eu sei que ele terminou com você, mas... você o protegia. Você é o único que pode entrar lá e tirar ele sem uma cena de briga que estrague a festa. Vá ajudá-lo. Ele está assustando, eu posso ver pelos olhos dele."
Ela estava implorando ao homem que a havia intimidado e humilhado indiretamente por meses, em nome do garoto que ele havia marcado como sua propriedade.
"Você não o ama? Você não disse que ele era sua propriedade? Vá buscá-lo. Antes que seja tarde demais," Anna suplicou, sua voz cheia de desespero e convicção.
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