## Capítulo 2: Estratégias de Sobrevivência e o Esgotamento do Curador
—...Eu o verei em breve, espero — Mello sussurrou enquanto Boris fechava a lona.
O som do tecido pesado caindo de volta no lugar cortou o som do vento, mas não deteve o resfriado do ar que irrompia. Mello ouviu os passos rápidos de Boris sumindo na neve, o que era um alívio. A tensão na tenda caiu consideravelmente, mas a presença fria e silenciosa do Dr. Dimitri ainda era pesada.
O médico russo não estava olhando para ele. Estava ocupado arrumando os frascos de vidro e instrumental de metal na mesa, batendo as coisas com um ar de frustração reprimida. Mello sabia que Dimitri não podia ignorá-lo completamente, mas o peso da autoridade de Nyon era suficiente para mantê-lo à distância. O desdém de Dimitri estava menos preocupado em desmascarar Mello como espião e mais irritado pela interrupção em seu cotidiano militar e pela nova demanda de cuidar de um “fardo inútil”, como ele havia murmurado.
_Um fardo inútil, hã?_
Mello se afundou mais uma vez nas peles quentes, sentindo o alívio físico de finalmente poder relaxar os músculos tensos. A dor de cabeça, que havia diminuído no calor da aceitação de Boris, latejava novamente, um lembrete físico de sua vulnerabilidade. Quatro dias na neve. O custo energético para sua sobrevivência foi monumental, ainda mais para ele, que precisava de energia para manter a “graça” em seu corpo.
Ele tinha que ser estratégico. A fachada de Aimee, a damisela fraca e grata, era essencial para a segurança, mas a subserviência real exigia utilidade. Simples gratidão não restauraria o fluxo de poder.
Mello fechou os olhos, concentrando-se em sentir a “pulsação” dentro de si. A manipulação do tempo era seu dom mais poderoso, mas também o mais exigente. Ele tinha tentado na nevasca, num acesso de indignação, e falhara miseravelmente. Aquele pingo de energia desperdiçado o havia deixado quase sem defesas quando a neve o engoliu.
Agora, o dom estava lá, mas era fino, frágil, como um fio de seda que poderia se romper a qualquer momento. Para torná-lo funcional novamente, para poder realizar algo tão grandioso como estancar um ferimento ou reverter um momento de infortúnio, ele precisava estabilizar a energia.
E para estabilizar a energia, ele precisava servir.
Mello mudou de posição na cama improvisada, mantendo o movimento lento e deliberado, como uma pessoa realmente frágil faria. Ele precisava de Nyon. Mas Nyon estava ocupado; Boris tinha deixado isso claro. Ele não podia ficar apenas esperando. Dimitri estava lá, cheio de desconfiança e necessidade. Se Mello pudesse demonstrar utilidade _agora_, ele solidificaria sua posição para Nyon antes mesmo que o Capitão tivesse tempo de considerar a desvantagem de mantê-lo.
Seus pensamentos se voltaram para suas habilidades. A cura. Este era o plano B da sua mãe.
Manipular o tempo era para coisas grandes, críticas, talvez até para salvar a honra da sua família ou reverter uma escolha cataclísmica. Curar, por outro lado, era mais fluido. Era um fluxo de energia divina infundida, mais fácil de manter em pequenas doses, mais fácil de ser direcionada.
O desafio era usá-lo sem que parecesse um milagre. No mundo da medicina militar russa, um milagre seria certamente punido com uma lâmina de bisturi. Ele precisava de sutileza.
Mello abriu os olhos e olhou para Dimitri, que ainda brigava com suas agulhas e gaze.
— Doutor Dimitri? — A voz de Mello era uma suave névoa, respeitosa e cautelosa.
O médico sobressaltou-se levemente, como se tivesse esquecido que Aimee estava ali. Ele se virou, a testa franzida.
— O que é?
— Eu me sinto um pouco mais forte agora — Mello mentiu, puxando os lençóis de pele para cima. Ele tentou colocar os pés para fora, mas assim que o fez, um pequeno tremor, que não era mentira, percorreu seu corpo. — Talvez eu pudesse... ajudar.
Dimitri riu, um som seco e áspero, desprovido de humor.
— Ajudar? Você mal consegue se levantar, garota. Minha mãe, que nunca levantou um dedo para nada além de bordado, tem mais força que você. Não, você vai ficar aí e consumir nosso valioso suprimento de calor. Sua única utilidade é não nos dar mais trabalho.
Ele se virou novamente, mas Mello sentiu a pontada de humilhação, a mesma que o havia impulsionado para a nevasca. Desta vez, ele a usou como combustível. Sua mãe dizia que a humildade não era passividade, mas a aceitação de um propósito maior. Mello tinha seu propósito: servir Nyon, mas, por enquanto, servir quem estivesse perto.
— Eu não sou de todo inútil — Mello insistiu, com um toque de tristeza genuína na voz. — Na aldeia, eu costumava ajudar minha mãe com os remédios de ervas. Conheço alguns unguentos e... eu sou rápida com as bandagens.
Dimitri se virou devagar, os olhos azuis gélidos avaliando Mello de cima a baixo. Ele viu a pele pálida, o cabelo dourado, e a fragilidade evidente. Ele certamente não viu utilidade.
— O que você sabe sobre medicina de guerra? Sobre uma infecção que pode levar à perda de um membro? Sobre a gangrena que cheira a morte quando a limpamos? — Dimitri parecia tentar enojá-lo, testar sua fragilidade.
Mello apertou os lábios, mas não desviou o olhar.
— Sei o suficiente para saber quando alguém precisa de um bálsamo caseiro e de um toque gentil. Isso é tudo — Mello disse. Ele estava jogando a carta da inocência e da cura folk.
Dimitri ponderou por um momento. Ele tinha trabalho a fazer, e não havia outro assistente naquele acampamento avançado, principalmente um que falasse mandarim. Além disso, a presença de uma figura tão delicada ao lado de um soldado ferido poderia ter um efeito moral, mesmo que Dimitri odiasse admitir a utilidade de tal “ornamento”.
— Certo. Você quer ser útil? — Dimitri disse, quase sibilando. — Então mostre-me. Mas se você tocar em algo que não deveria, ou perturbar meu paciente, eu garanto que você irá desejar ter congelado na neve.
Mello assentiu com seriedade.
— Eu não irei decepcioná-lo, Doutor.
Mello se levantou da cama de campanha, o que não foi fácil. Suas pernas estavam bambas, mal sustentando seu peso. Ele teve que se apoiar na lateral da cama por um momento, a visão ligeiramente escura. Ele se moveu em direção à mesa onde Dimitri estava, adotando um andar elegante e cuidadoso que remetia ao treinamento feminino que recebera.
A tenda era maior do que Mello havia percebido. Havia uma clara divisão entre a área de “consulta” de Dimitri e a área de dormir de Mello. Mas a presença de outro paciente era a chave de tudo.
No canto mais distante da tenda, esticado em uma maca de madeira rústica, estava outro homem. Mello mal o havia notado, dada a intensidade do interrogatório com Dimitri. O homem estava quieto, mas sua respiração era superficial e rápida. Havia um cheiro forte e metálico de sangue e pus no ar, mesmo com o cheiro dominante de pinho e fumaça.
Mello caminhou até lá, guiado por Dimitri, que caminhava apressadamente, como se quisesse que Mello caísse no caminho e pudesse voltar para a cama.
— Este é Sergey — Dimitri disse, sem introduzir Mello. — Ele levou um ferimento na coxa há dois dias durante um reconhecimento. Os Chineses usam flechas sujas, e a infecção está se espalhando. Sem os suprimentos que eu solicitei há uma semana, eu não tenho certeza de que ele terá a perna até amanhã.
Mello olhou para Sergey. O soldado era jovem, seu rosto estava pálido sob uma camada de suor e sujeira. Os lábios estavam rachados e ele estava quase certamente febril. A ferida na coxa estava coberta por uma bandagem grossa e feia, mas a área ao redor estava vermelha e inchada, o calor que emanava dela era palpável, mesmo à distância.
Dimitri começou a remover as bandagens com movimentos rápidos e precisos. O tecido estava firmemente grudado e o soldado soltou um gemido sibilado, mas permaneceu inconsciente ou quase isso, provavelmente dopado.
Quando Dimitri expôs a ferida, Mello sentiu um arrepio de repulsa instintiva. Era feio. Um buraco profundo, negro nas bordas, e o interior pulsava com um verde-amarelado que parecia muito errado. A carne ao redor estava roxa escura. A infecção estava correndo solta.
Dimitri bufou, olhando para a ferida com a resignação amarga de um homem que estava perdendo uma batalha.
— Veja isso. A linha está subindo. Eu limpei isso duas vezes desde que ele chegou. Eu não tenho antibióticos suficientes, e os antissépticos que temos são fracos. Eu preciso cauterizar, mas isso vai chocar o sistema dele.
Ele olhou para Mello.
— O que sua ‘medicina de ervas’ faria com isso, Aimee? — O desprezo no seu tom era evidente.
Mello ignorou o sarcasmo. Ele olhou para a coxa de Sergey. O desafio era exatamente do tamanho que ele precisava. Uma necessidade extrema, mas não fatalmente imediata.
— Eu... eu não tenho minhas ervas aqui, claro — Mello disse, mantendo a voz suave. Ele colocou a mão sobre sua própria camisa, onde a energia curativa deveria estar.
Dimitri o empurrou suavemente para o lado. — Então você é inútil. Fique fora do caminho. Agora, eu preciso de toalhas limpas. Elas estão ali — ele apontou para uma pilha dobrada em cima de um baú.
Mello foi para o baú, mas sua mente estava em chamas com o planejamento. Ele precisava de acesso e distração.
O cheiro de pinho e a fumaça de madeira, o ar seco da tenda, tudo conspirava para a sensação de estar em um lugar isolado, no meio do nada. E era exatamente isso o que Mello precisava.
Ele pegou as toalhas, mas em vez de entregá-las diretamente, moveu-se lentamente para a lateral da maca, a oposta à de Dimitri. O médico estava ocupado murmurando maldições em russo para a ferida.
— Qual é o nome dele, Doutor? — Mello perguntou, tentando soar preocupado.
Dimitri mal olhou para cima. — Sergey. Soldado. Agora me dê as toalhas.
Mello entregou algumas, mas manteve as outras em sua mão enquanto se ajoelhava ao lado de Sergey. Ele precisava de um toque sutil, um que não chamasse a atenção.
Ele inclinou-se sobre o soldado, usando o corpo frágil como disfarce.
— Você está sendo muito corajoso, Sergey — Mello sussurrou em mandarim, embora soubesse que Sergey não o entenderia. Era uma forma de acalmar sua própria mente e focar o fluxo de energia.
Em um movimento aparentemente inocente, Mello usou as toalhas como pretexto para se aproximar da maca. Ele colocou a mão levemente, quase sem tocar, na lateral da coxa de Sergey, um pouco abaixo da ferida principal, onde a pele estava vermelha e dolorida.
O toque foi o gatilho, mas o fluxo de energia precisava ser controlado. Mello não podia tentar curar o ferimento inteiro, isso demandaria muito, e havia o risco de que uma cura total e imediata fosse tão suspeita quanto um milagre.
Ele se concentrou apenas em uma pequena área. Uma mancha de pele do tamanho de uma moeda, bem na linha vermelha da infecção, mas ainda não necrosada. Seu foco era combater a disseminação local dos germes, fortalecendo a resposta do corpo naquela pequena área e estancando a dor.
A cura não vinha de fora, mas de dentro. Era uma aceleração do tempo de cicatrização do corpo, uma manipulação microtemporal das células.
Assim que Mello direcionou a energia fraca para a coxa de Sergey, ele sentiu a dor física que acompanhava o uso do dom. Não era uma dor aguda, mas um dreno, como se um fio estivesse sendo puxado de seu plexo solar. A fraqueza que ele vinha sentindo aumentou exponencialmente. Seu corpo tremeu um pouco, e ele teve que usar toda a sua vontade para manter as mãos firmes e o rosto calmo.
Ele manteve o toque por apenas cinco respirações. Cinco segundos que pareceram uma eternidade. Nesse breve período, ele sentiu o calor da febre de Sergey, e, no entanto, a pele sob seu toque ganhou uma leve maciez, perdendo o inchaço. A vermelhidão diminuiu naquela área específica.
Mello retirou a mão e recuou ligeiramente, sua respiração estava ofegante, embora ele tentasse disfarçar. O esforço drenou sua energia. Ele sentiu o retorno — o fio fraco de poder começou a engrossar ligeiramente, como se o ato de nutrir o mundo exterior estivesse alimentando sua fonte interior. O princípio de sua mãe estava correto; servir era alimentar seu dom.
— Você está bem, Aimee? — Dimitri perguntou, olhando para Mello com suspeita. Ele notou a respiração pesada.
— Sim, Doutor — Mello murmurou, piscando para recuperar o foco. — O cheiro... é forte. Eu não estou acostumada com ferimentos tão feios.
Dimitri zombou. — Você se acostumará, ou desmaiará. De qualquer forma, você já entregou as toalhas. Agora vá para a mesa e organize meus instrumentos. Eu preciso de tudo limpo antes que eu corte isso.
Mello, exausto, apenas conseguiu se levantar e cambalear para a mesa. Ele sentiu o peso do cansaço, mas também a satisfação. Ele havia se provado.
Ele ignorou a dor latejante e começou a organizar as pinças e agulhas, limpando-as superficialmente com um pano úmido, tomando cuidado para não se cortar. Sua mente estava dividida entre a necessidade de parecer útil e o monitoramento silencioso do estado de Sergey.
Dimitri passou os próximos dez minutos limpando, raspando e drenando a ferida principal. O processo era brutal, e o soldado mal reagia, o que era um mau sinal. Dimitri reclamava o tempo todo, xingando em russo a estupidez da guerra e a insuficiência de seus recursos.
— Maldita seja a nevasca! Os suprimentos nunca chegam a tempo — ele rosnava, enquanto jogava fora panos sujos com uma ferocidade violenta. Ele precisava de ataduras novas e de um curativo secundário.
— Ataduras limpas, agora! — Dimitri ordenou, estendendo a mão sem olhar.
Mello estava ao lado da mesa de instrumentos; ele pegou um rolo de ataduras de linho, sua mente já no próximo passo.
— Doutor Dimitri, a pele de Sergey... parece melhor.
Dimitri parou. Ele estava prestes a aplicar uma tintura fortemente alcoólica no ferimento, mas a quietude na voz de Mello o interrompeu.
— O que você está murmurando, garota? É claro que não está melhor. Eu acabei de limpar pus. Está aberto e sangrando!
— Não, Doutor. Eu... eu acho que a vermelhidão está diminuindo na parte inferior da perna — Mello insistiu, com seu tom de voz beirando o pânico, mas ainda na linha da preocupação feminina.
Dimitri soltou um suspiro de exasperação, mas a curiosidade profissional, mesmo que misturada com o ódio de ser corrigido por uma “garota” que ele considerava inútil, o fez olhar. Ele se inclinou sobre Sergey novamente.
Dimitri se concentrou, sua expressão passando de raiva pura para uma incredulidade confusa.
Ele pegou uma pequena lanterna a óleo da mesa e a trouxe para perto da coxa de Sergey. O feixe de luz revelou o que Mello sabia: a área que ele havia tocado, a pequena mancha onde a infecção estava se espalhando, já havia retraído. A roxidão e a inflamação cederam, substituídas por um tom de pele mais pálido e saudável. A linha de infecção, que ele havia notado subindo progressivamente, tinha estagnado e parecia até ter recuado um centímetro naquela seção. A pele estava ligeiramente mais fria ao toque, um sinal de que a febre local havia diminuído.
Dimitri tocou a área, sua testa franzida em concentração intensa. Ele pressionou gentilmente a pele, e os tecidos cederam de forma suave, sem a rigidez da celulite aguda que estava presente em outros lugares.
O médico recuou, olhando para Mello. Não havia mais raiva em seus olhos, mas uma confusão fria e penetrante. Ele parecia estar tentando resolver uma equação impossível.
— Isso é... Inacreditável — Dimitri murmurou, voltando para o russo. — Eu não tratei essa área especificamente.
Ele olhou para Mello, a desconfiança voltando em ondas, mas agora misturada com uma ponta de... interesse.
— O que você fez? Minutos atrás, isso parecia tão ruim quanto o resto. Eu estava certo de que a infecção estava ganhando.
Mello tentou manter seu rosto neutro. O esforço para sustentar a fachada enquanto estava fisicamente exausto era quase insuportável.
— Eu... eu não fiz nada, Doutor. Eu apenas... estava perto. E... eu ofereci uma oração rápida para ele — Mello disse, forçando um sorriso frágil.
Dimitri bufou, mas era o som da dúvida, não da certeza. Ele não acreditava em orações, mas ele acreditava em fatos visuais. E o fato era: aquela parte da perna tinha melhorado anormalmente rápido.
— Não me venha com bobagens religiosas, Aimee — Dimitri disse. — Eu sou um homem prático. Você deve ter trazido algum tipo de... unguento desconhecido. Algo na sua roupa.
Mello balançou a cabeça, enfatizando sua inocência esmagada.
— Eu estava nas peles por dias. Você mesmo disse que rasgou minhas roupas de viagem. Eu não tenho nada.
Dimitri ficou em silêncio por um longo momento. Ele olhou para Mello, a garota pálida e de cabelos dourados, o epítome de fragilidade. E então olhou para a perna de Sergey, onde a cura era visível.
*Um espião inútil?*
O pensamento mudou. Mello não podia ser inútil se ele pudesse fazer algo que a medicina de Dimitri não podia. A "magia" poderia ser útil para Nyon.
Mello sentiu a melhora em seu próprio corpo, uma onda fraca de energia, não forte como um rio, mas um riacho que mostrava que a nascente estava reabastecendo. Seu trabalho estava validado.
No entanto, o dreno físico era real. A dor na têmpora agora era um martelo batendo na cabeça. Ele sentiu toda a fraqueza da falta de comida e repouso forçado atingindo-o de uma vez.
Dimitri, alheio à luta interna de Mello, voltou para o ferimento principal com renovada urgência.
— Interessante. Muito interessante. Se o seu toque tem esse efeito, Aimee, por que você não o usou antes? — Dimitri perguntou, sem esperar por uma resposta e já começando o trabalho de raspagem e aplicação de antisséptico.
Mello viu ali a brecha.
— Eu não sabia que poderia. Eu... eu só queria que ele parasse de sofrer. Eu estava tão assustada.
Isso funcionou. Reforçou a imagem da fragilidade mágica e acidental, não de um curandeiro com controle.
Dimitri terminou o curativo grosso, mais rápido do que o habitual, e se afastou. Ele olhou para ambos: seu paciente, que agora tinha uma chance de manter a perna, e Mello, que parecia perigosamente à beira de um colapso.
— Você me deixa furioso — Dimitri admitiu, sua voz baixa. — Você entra aqui com uma história ridícula, exige suprimentos, e agora você... você tem esse efeito inexplicável. Não sei se isso é espião chinês ou maldição antiga!
Ele esfregou o rosto, visivelmente abalado. A ciência de Dimitri foi confrontada com o inexplicável.
— Não sou uma maldição, Doutor. Eu só quero... ajudar.
Dimitri olhou para o ferimento curado e para Mello. Ele não podia dispensar Aimee agora. Se ela tivesse essa capacidade, Nyon precisaria saber. E se Nyon precisava dela, Dimitri tinha que protegê-la.
— Sente-se — Dimitri ordenou, apontando para a cama de Mello. — Agora! Você parece que vai desmaiar. E então eu teria dois pacientes, o que é inaceitável.
Mello obedeceu imediatamente, voltando a se deitar, agradecido pela oportunidade de sentar. Estar de pé era muito esforço.
Dimitri caminhou até a porta da tenda, onde a lona estava firmemente amarrada. Ele pegou um pedaço de corda e rapidamente amarrou a fenda sob a lona, fechando qualquer buraco possível.
— Não cometa o erro de pensar que você pode sair desta tenda, Aimee — Dimitri disse, virando-se para o curador exausto. — Se você é um espião, ou alguma espécie de feiticeira, você é perigosa. E se você é valiosa, não posso deixar você ser sequestrada ou perdida.
Ele parecia ter resolvido a charada de Mello. A fragilidade e a utilidade. O valor superava o risco, desde que o risco pudesse ser contido.
— Você fica aqui. Eu vou encontrar Boris. Ele precisa saber o que aconteceu aqui. E o Capitão Nyon precisa ser avisado.
Mello assentiu, muito cansado para falar.
— Claro, Doutor.
Dimitri pegou seu chapéu de pele e um casaco grosso, vestindo-os rapidamente. No caminho para a saída, ele parou ao lado de Mello. Sua expressão não era gentil, mas possuía um novo nível de seriedade.
— Se isso for um truque, Aimee, se você tentar algo... a punição aqui não será apenas a perda de uma mão, entende? — ele advertiu, a ameaça era fria, mas clara.
— Não pretendo truques, Doutor — Mello murmurou, seus olhos já pesados. — Apenas... retribuir a bondade do Capitão Nyon.
Dimitri considerou isso por um momento e deu de ombros, como se a bondade fosse uma doença.
— Bem. Eu vou garantir que Boris saiba que você tem potencial. E que o Capitão Nyon... tenha um presságio muito mais interessante para considerar. Espere aqui.
E com isso, Dimitri soltou a trava da lona, abriu-a apenas o suficiente para deslizar para fora na nevasca fria, e a amarrou firmemente por fora. A tenda ficou imediatamente silenciosa, exceto pelo som da respiração fraca de Sergey.
Mello estava sozinho, guardado, mas seguro. O cansaço era como uma manta pesada. Ele permitiu que seus músculos relaxassem, aliviado por não ter que manter a postura frágil, embora a extrema exaustão física já estivesse fazendo isso por ele.
Ele fechou os olhos. A dor em sua cabeça parecia latejar no ritmo das batidas de seu coração.
_Seja forte, Mello. Você está servindo. A recompensa virá._
O pensamento de Nyon fez um pequeno lampejo de calor retornar. O homem que tinha ousado chamá-lo de bom presságio. Aquele era o homem que ele precisava para sua sobrevivência espiritual e física. Nyon seria o anfitrião perfeito para sua servidão.
Ele precisava estar forte e pronto para quando o Capitão chegasse. Mas o cansaço... o cansaço do uso de seu dom era avassalador.
Mello tentou resistir, mas o sono não era mais uma opção. Era uma demanda do seu corpo.
Ele se afundou mais e mais nas peles quentes, pensando na chegada de Nyon. Ele precisava estar acordado. Ele *tinha* que estar acordado.
Mas a exaustão o engolfou.
Mello estava quase dormindo, o corpo completamente à mercê da fraqueza, o único pensamento que o sustentava era a promessa de Boris de que Nyon viria. Ele lutou para manter a consciência, mas o esforço para curar Sergey havia esgotado suas reservas críticas.
Ele precisava de Nyon. Ele precisava servi-lo. Ele precisava se apresentar.
Mello adormeceu profundamente, a ansiedade misturada com o alívio de ter demonstrado seu valor, ainda que de forma misteriosa, ao cético Dimitri.
Ele esperaria o Capitão. Ele esperaria a chance de servir.
Ele estava exausto.
Ele estava no caminho.
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