## Capítulo 3: O Encontro Iminente e a Revelação de Valor
Mello estava quase dormindo, o corpo completamente à mercê da fraqueza, o único pensamento que o sustentava era a promessa de Boris de que Nyon viria. Ele lutou para manter a nossa consciência, mas o esforço para curar Sergey havia esgotado as suas reservas críticas.
Ele precisava de Nyon. Ele precisava servi-lo. Ele precisava se apresentar.
Mello adormeceu profundamente, a ansiedade misturada com o alívio de ter demonstrado seu valor, ainda que de forma misteriosa, ao cético Dimitri.
Ele esperaria o Capitão. Ele esperaria a chance de servir.
Ele estava exausto.
Ele estava no caminho.
***
Isso durou apenas por alguns minutos. O sono profundo e restaurador que Mello ansiava com tanta veemência foi abruptamente interrompido. Não foi um despertar suave; foi uma experiência invasiva e imediata, como um balde de água fria jogado no topo de sua cabeça.
O barulho. Era o som inconfundível do tecido grosso da lona sendo puxado e agitado, acompanhado pelo rangido alto das cordas que Dimitri tinha amarrado com tanto cuidado.
Mello se levantou na cama de campanha, o coração disparado. Ele estava confuso. Quanta tempo tinha passado? Sergey ainda estava tossindo em sua maca no canto, a frequência um pouco mais suave, Mello notou com um pico de satisfação.
A lona se abriu totalmente, e o ar frio e seco do acampamento invadiu a tenda. Mas o frio era o menor de seus problemas.
O Dr. Dimitri entrou apressadamente, seu rosto estava vermelho e ele estava ofegante, como se tivesse corrido através da neve. Logo atrás dele, com um sorriso largo, mas um olhar de preocupação incomum, estava Boris.
“Aimee,” Dimitri começou, a voz dele estava áspera e baixa, carregando uma nova urgência que não existia antes. Não havia mais a zombaria mal disfarçada. Havia reconhecimento, e isso era quase pior. “Levante-se. Agora.”
Mello tentou. Ele pressionou as palmas das mãos contra o material áspero da cama, mas seus braços tremeram de forma incontrolável. Ele usou a última gota de sua força para se sentar, as pernas balançando para fora. Parecia que ele estava enfiado em um poço de mel, e a gravidade estava puxando com mais força do que o normal.
“Doutor,” Mello murmurou, sua voz era um fio. “Eu… eu estou um pouco fraca.” Ele não precisou fingir a fraqueza.
Boris avançou, e Mello sentiu um alívio ao ver a familiar bondade no semblante do soldado. Boris não parecia estar apressado ou exigente.
“Não se preocupe, _Zoloto_,” Boris disse com a sua voz profunda e tranquilizadora. Ele usou o apelido carinhoso que Mello já havia aprendido a associar com conforto — “Meu Ouro”. “Nós vamos te ajudar. É um bom presságio, Aimee. É um bom presságio.”
“Um bom presságio de quê?” Mello perguntou, tentando soar cauteloso e feminino. Ele não queria soar exigente, mas ele estava exausto.
Dimitri respondeu por cima do ombro de Boris, enquanto ele revistava a área da maca de Sergey, como se estivesse verificando o trabalho de Mello.
“O Capitão Nyon está aqui. Ele chegou mais cedo do que o esperado. E ele quer falar com você. Mas não sobre suas ‘orações’ ainda,” Dimitri disse, o tom dele ainda era cético em relação à justificativa de Mello, mas ele reconheceu que o resultado era real.
Os olhos de Mello se arregalaram. Nyon. Tão rápido? Seu coração acelerou, e por um momento, a adrenalina fez com que a exaustão recuasse.
“O Capitão está aqui?” Mello mal conseguiu perguntar.
“Sim. E ele tem uma proposta para você. Bem, mais como um teste,” Boris interveio, estendendo a mão para Mello. “Nós queremos te mostrar uma coisa, Aimee. Vê se você reconhece.”
Mello aceitou a mão de Boris de bom grado. O aperto do soldado era grande e firme, um pilar de força que Mello precisava desesperadamente. A tarefa de se levantar da cama parecia uma montanha que ele não conseguiria escalar sozinho.
Ainda cambaleando, Mello permitiu que Boris o envolvesse. Dimitri tinha pegado um casaco, pesado e grande. Era de pele de urso marrom-escura, e parecia pertencer a um soldado de estatura imponente. O casaco parecia quente e valioso.
“Vista isso,” Dimitri ordenou, jogando o casaco sobre Mello. “Você precisa estar apresentável, e não quero que você ocupe outra maca com hipotermia.”
Mello fez o seu melhor, mas estava tendo problemas com as mangas enormes. Boris, com a sua gentileza intrínseca, ajudou Mello a vestir o casaco. O peso das peles era quase demais, mas o calor instantâneo era um alívio. O tecido da lã áspera arranhou o seu queixo. Mello foi engolido pelo casaco.
“Obrigada, Boris,” Mello sussurrou.
Boris sorriu, um calor que combatia o clima exterior. “Vamos, Aimee. O Capitão está esperando. E algo me diz que você vai gostar do que ele aprontou.”
Eles saíram da tenda.
O exterior era um choque. Mello mal tinha saído da segurança da lona desde que acordara, e a paisagem era mais intensa do que ele podia imaginar. O acampamento não estava instalado em um vale escondido ou em uma floresta densa; parecia ter sido montado na encosta, um posto avançado de observação, vulnerável ao tempo, mas taticamente exposto.
Era inverno em sua forma mais cruel. A nevasca tinha abrandado, a não ser por flocos esporádicos que caíam preguiçosamente de um céu cinzento. O medo de Mello de que o chão afundasse sob seus pés era real, já que a neve estava tão alta que a caminhada era difícil.
Mello mal conseguia manter o equilíbrio. A fraqueza física era um obstáculo inegável, e o casaco pesado não tornava as coisas mais fáceis. O campo estava cheio de movimento: soldados passando, carregando caixotes, esfregando as mãos enluvadas, fumaça saindo de chaminés improvisadas. Eles pareciam cansados, mas estavam em movimento.
Boris o segurava firmemente pelo braço, e Mello estava grato pelo apoio constante. Dimitri os seguia de perto, parecendo impaciente e vigilante.
Mello nunca tinha andado tanto no acampamento. Ele estava confinado à sua tenda, com a visão bloqueada pela parede de lona. Agora, ele via a extensão da operação militar. Havia uma dúzia de tendas idênticas, algumas maiores que a dele. O cheiro era uma mistura de pinho, fumaça de madeira, um odor salgado de carne de porco cozinhando em alguma fogueira, e o toque penetrante de suor e sujeira. Era tudo muito militar, muito masculino.
O que mais chamou sua atenção, no entanto, foi a forma como os soldados reagiam a ele. As cabeças giravam. Mello estava acostumado a atrair atenção, dada a sua beleza, mas aqui a atenção tinha um sabor diferente. Havia curiosidade, descrença e, em alguns casos, hostilidade.
“O que esta mulher está fazendo sozinha aqui?” Mello ouviu um sussurro em russo, a voz era rascante e cheia de escárnio.
“Aquela é a garota que o Capitão Nyon resgatou? Parece macia demais para esta guerra,” outro soldado respondeu, a voz carregada de desdém.
Mello abaixou a cabeça, escondendo o rosto atrás da gola alta de pele. Ele tinha que parecer frágil, uma garota indefesa. Seu treinamento entrava em ação instintivamente. Ele aumentou a ligeira tremedeira em seus passos, inclinou-se um pouco mais em Boris.
“Não se preocupe com eles, Aimee,” Boris sussurrou em seu ouvido. “Eles estão apenas com inveja. Eles nunca viram alguém tão... refinado por aqui.”
“Refinamento não é bom para uma guerra, Boris,” Mello respondeu, a voz grave, quase inaudível.
“Pode ser,” Boris concordou. A neve rangeu sob suas botas pesadas. “Mas você está aqui sob a proteção do Capitão. Isso é tudo que importa.”
Eles caminhavam em direção ao centro do acampamento, onde havia uma área aberta e mais movimentada. Conforme se aproximavam, o burburinho de conversa aumentava.
Mello podia sentir a antecipação crescente em Boris e a tensa observação de Dimitri. Esses homens estavam esperando por algo, e Mello estava no centro disso.
Finalmente, eles chegaram à área de encontro. Não era uma praça formal, mas um ponto de convergência entre as tendas maiores. Havia um pequeno grupo de soldados reunidos, todos olhando para um centro que Mello não conseguia ver completamente.
Boris abriu caminho através da multidão, a sua vasta estrutura corpórea era um arado eficaz.
“Com licença. Abrindo caminho! Aimee precisa ver!” Boris grunhiu com uma autoridade que Mello não tinha visto antes.
A multidão se abriu, e a cena revelada fez o ar congelar nos pulmões de Mello.
No centro da área aberta, amarrado firmemente a um poste de madeira que parecia ter sido improvisado para aquele propósito, estava um homem.
As cordas de cânhamo esfregavam contra a sua pele, que estava tingida de roxo escuro devido ao frio extremo, e ele estava vestido com trapos que mal o protegiam do vento. O homem estava sendo mantido de joelhos, dobrado, a cabeça pendurada.
Era um homem chinês. Mello soube imediatamente. Ele não precisava ver os traços, mas a pele bronzeada em contraste com o cabelo preto, o corte das suas roupas rasgadas... a diferença cultural era gritante em comparação com os soldados russos.
Mello sentiu um embrulho no estômago. O mesmo embrulho que o fez correr para longe de seu irmão na nevasca.
“O que é isso?” Mello perguntou a Boris, mal sussurrando.
“É o presságio de Nyon, Aimee,” Boris disse com uma estranha mistura de orgulho e tristeza. “Ele foi pego há algumas horas tentando se infiltrar perto das nossas linhas de comunicação. Estávamos esperando para ver se ele era um lobo solitário ou um batedor. Nyon disse que você podia resolver isso.”
Dimitri se apoiou na sua bengala, observando a reação de Mello com intensa concentração.
“Nós queremos saber, Aimee,” Dimitri disse, sua voz era baixa e cheia de interesse científico. “Se você o reconhece. Se você viu este homem nas suas vilas. Ele afirmou ser um mensageiro inocente, mas ele está mentindo.”
Mello olhou para o homem caído. O homem estava sujo, miserável, e a visão dele era um lembrete vívido da realidade da guerra que Mello tinha tentado ignorar. A nevasca, o frio, o desespero — tudo estava representado naquele homem amarado.
Mello percebeu instantaneamente a armadilha. A isca posta pelo Capitão Nyon. Mello precisava mostrar seu valor sem revelar seu passado. O homem chinês era uma peça-chave. Se Mello o reconhecesse, ele seria visto como cúmplice, um espião. Se ele não o reconhecesse, mas o homem o reconhecesse, sua fachada desmoronaria.
Mello tinha que agir com cautela, a sua mente estava trabalhando rapidamente.
Ele soltou o braço de Boris e deu um passo para a frente, diminuindo a distância até onde o homem estava amarrado. Ele o fez de forma lenta, hesitante, enfatizando a sua fragilidade. O grande casaco fazia Mello parecer ainda mais minúsculo e vulnerável.
“Eu… eu não o conheço,” Mello disse, a sua voz era suave, mas audível no silêncio que havia caído sobre a pequena multidão. “Eu sou de uma aldeia no Norte. Meu movimento é limitado. Eu mal saía da casa. Não me lembro de ter visto o rosto dele.”
O homem chinês levantou a cabeça lentamente, como se a voz de Mello o tivesse despertado do seu torpor. Os seus olhos, vermelhos e inchados, se fixaram em Mello.
Mello se sentiu nu sob aquele olhar, mesmo com o casaco pesado.
O chinês soltou uma risada seca e áspera, que se transformou em uma tosse profunda. Ele falou em mandarim, palavras que soaram como chicotes no ar frio.
“_Liu Nuan... ou devo te chamar de Aimee, a vadia russa favorita?_”
Mello congelou. O nome, o seu nome de nascimento— _Liu Nuan_— era familiar, ressoando profundamente em seu ser. Apenas sua família e pessoas muito próximas na aldeia sabiam desse nome.
A voz do homem era baixa, mas estrondosa, e a sua revelação cortou a atmosfera. Os soldados russos não entenderam as palavras, mas o tom era inconfundível.
O homem chinês se esforçou contra as cordas, voltando-se completamente para Mello, a sua boca estava contorcida em um sorriso cínico.
“_Oh, os deuses realmente têm um senso de humor terrível!_” o homem cuspiu, tossindo mais uma vez. “_Quem diria que veria o irmãozinho Liu Nuan vendendo a sua ‘beleza dourada’ para os bárbaros russos!_”
Mello sentiu o sangue se esvair do seu rosto. Ele não era reconhecido como Aimee, a garota da aldeia, mas como _Liu Nuan_, o filho da família Liu. Um garoto que havia desonrado a sua família ao se vestir de mulher. Mello sentiu um calafrio de humilhação, uma sensação tão forte quanto a que sentiu antes de se atirar na nevasca.
Ele estava exposto.
Mello olhou rapidamente para Boris e Dimitri. Eles não entenderam as palavras, mas estavam observando a sua reação atordoada. Dimitri apertou a mandíbula, e Boris começou a franzir a testa, claramente desconfortável.
O espião aproveitou o silêncio para intensificar a sua crueldade. Ele percebeu que havia atingido um nervo.
“_Toda a família está sofrendo com a sua desaparecimento. O seu pai... o seu irmão_,” o homem continuou, mudando a sua voz para um tom de condenação solene. “_Eu vi o seu irmão, e ele chorou ao saber que você havia desaparecido. Mas depois ele viu a sua roupa e a sua peruca loira no meio da neve._”
A peruca? Mello usava extensões, mas o seu cabelo loiro eram seus. O homem devia ter visto algo, ou ouvido um rumor confuso. Mello não podia deixar que ele continuasse o seu discurso. Se a sua identidade de gênero fosse revelada, o seu “misterioso poder de curar” seria o menor de seus problemas. Nyon não o aceitaria como servo se ele soubesse que Mello era um homem, especialmente porque ele tinha sido resgatado como uma mulher. A humilhação de seu irmão parecia esmagadora.
O espião continuou, e as suas palavras atingiram Mello como pedras.
“_Seu irmão preferia que você estivesse morta a saber que está viva desfilando em território inimigo!_” o chinês gritou, a sua voz foi amplificada pelo esforço e pela raiva. “_Você não é a vergonha da família, você é a desgraça da China! Você nunca mais trará honra à sua família! Sua víbora traiçoeira!_”
O impacto das palavras era eletrizante. A humilhação, a traição, o repúdio do próprio irmão. Mello sentiu a força da sua mãe murchar dentro dele. Toda a sua vida foi definida por sua subserviência, e agora, no momento em que ele estava prestes a encontrar seu propósito — servir Nyon —, um inimigo o desmascarava como um traidor, uma vergonha.
Mello sentiu os seus olhos lacrimejarem, não tanto de tristeza pelas atrocidades físicas, mas pela vergonha gritante. Ele não percebera que a sua fuga impulsiva tinha tido um impacto tão destrutivo na sua família. A sua ação, feita sob súbita indignação, havia desonrado o seu irmão.
O homem preso continuou a gritar injúrias, embora a frequência diminuísse. Mello precisava sair dali. Ele não podia ceder ao pânico. O seu instinto de humildade, aquele que sua mãe lhe havia ensinado, o impulsionou. A melhor defesa contra a acusação de desonra era a humildade absoluta.
Mello se virou abruptamente, dando as costas ao espião chinês amarrado. Ele não podia falar. A sua garganta estava fechada pela emoção.
Mello fez uma reverência profunda, uma reverência de submissão e pedido de desculpas, a todos os soldados russos. Mesmo no casaco pesado, o gesto parecia elegante e desesperado.
“Boris,” Mello disse, a sua voz estava quebrada em um sussurro quase inaudível, mas carregava a autoridade do seu desespero. “Por favor. Tire-me daqui.”
Ele não precisou dizer mais nada. A cena tinha sido intensa, embora os russos não tivessem entendido as palavras. Eles haviam visto o ataque verbal, a mudança no comportamento de Aimee.
Boris estava pronto. Ele percebeu o sofrimento de Mello imediatamente.
“Vamos, Aimee. Vamos sair daqui,” Boris disse, a sua voz estava carregada de uma raiva controlada. Ele colocou a sua grande mão nas costas de Mello e começou a guiá-lo para longe.
Mello segurou o casaco firmemente, tentando esconder o seu rosto. Ele estava absorvido pelo turbilhão da sua humilhação.
Enquanto ele era guiado por Boris através da multidão, a sua visão estava nublada pelas lágrimas que não conseguiu segurar. Mello estava quase tropeçando no passo apressado de Boris, quando a sua atenção foi capturada por uma figura.
Uma figura que ele não tinha notado até aquele momento, absorvido pela humilhação e pelo drama.
Tudo parou.
Mello ergueu a cabeça, as lágrimas ainda úmidas nos cantos dos olhos, e observou o homem.
O homem estava parado, observando o espião chinês com uma frieza olímpica. Ele era alto, muito mais alto do que Mello, mesmo no seu ponto mais alto. Sua postura era reta, o uniforme dele era de um azul escuro profundo, quase preto, e estava impecavelmente alinhado, contrastando com o desalinho dos outros soldados ao redor, incluindo a Dimitri e Boris.
O cabelo dele. Mello ficou hipnotizado. Não era preto, nem castanho. Era um azul profundo, quase índigo, com reflexos que pareciam emitir a cor da meia-noite sob a luz fraca. Não era um cabelo natural. Era um tom frio, marcante, que se ajustava perfeitamente à sua pele pálida. O cabelo estava penteado de forma militar, cortado com precisão nas laterais, parecendo uma coroa gelada.
O queixo dele era forte, e os seus olhos eram escuros, embora Mello não conseguisse discernir a cor exata. Neles, residia uma calma que contrastava com o caos emocional do acampamento. O homem exalava autoridade. Ele era a personificação da ordem no meio da neve russa.
Era ele. Mello soube.
O Capitão Nyon. O homem que o salvara, o homem a quem ele tinha que servir.
O Capitão Nyon olhava primeiro para o espião, depois a sua atenção se voltou para Mello. Os seus olhos fixaram-se nos de Mello, e por um instante, Mello sentiu-se como um cristal sob um feixe de luz forte— exposto, mas de alguma forma, o seu valor era reconhecido.
Nyon não demonstrou emoção; a sua cara de pedra não se alterou. Ele apenas avaliou o jovem chinês, o objeto de curiosidade de todos. Ele viu a fragilidade, as lágrimas, e o casaco que o engolia.
O Capitão, que estava vestido de forma elegante e correta, deu um passo para a frente, e o silêncio no acampamento tornou-se absoluto.
Ele não dirigiu a palavra a Mello. Ele se dirigiu ao espião com uma autoridade inquestionável, a sua voz baixa, mas carregada de ferro.
“_Yezhe meshaete_,” o Capitão Nyon disse, as palavras em russo eram frias e concisas: “Você está atrapalhando.”
Ele não perguntou se o homem era um espião. Ele não reagiu às acusações verbais. Ele agiu como se o homem amarrado fosse apenas um impedimento inconveniente.
Nyon fez um gesto curto, mas definitivo, para um capataz que estava ali perto, um homem com um machado casualmente no braço e uma expressão sádica no rosto.
“_Ustranite yego. Zakoncheno_,” Nyon ordenou. “Remova-o. Terminado.”
A voz era o fim, o ponto final no sofrimento do homem chinês, a declaração de que a vida daquele homem não tinha valor nem sequer para ser prolongada para interrogatório. Mello sentiu um arrepio. A frieza era absoluta, mas Mello notou que o Capitão Nyon não queria que a cena de humilhação continuasse.
O homem do machado assentiu, o brilho malévolo em seus olhos revelado. As suas mãos enluvadas eram grandes e profissionais.
O espião chinês soltou um grito, não de dor, mas de medo e súplica em mandarim, palavras que Mello podia entender, um último apelo por piedade.
Nyon não esperou. Ele deu as costas ao espião e começou a caminhar na direção da tenda maior. Ele tinha resolvido o problema.
“Capitão Nyon, espere!” Dimitri gritou, apressando-se para o lado de Nyon. “Temos algo mais importante para discutir sobre Aimee. A utilidade dela…”
Nyon nem sequer piscou, mas ele parou. Ele olhou para Dimitri, e Mello podia sentir a impaciência do Capitão.
Mello estava sendo puxado para longe por Boris, sentindo-se tonto. A humilhação, a exaustão, e o súbito choque causado pela presença de Nyon.
O espião chinês soltou uma última frase, uma maldição gritada na sua língua nativa, dirigida ao Capitão Nyon. “_Você não saberá o seu propósito! Você morrerá no seu sono, bárbaro azul!_”
Nyon ignorou. Ele estava focado em Dimitri e Mello.
O homem do machado moveu-se. A sua mão estava levantada, pronta para...
Mello não conseguiu ver. A sua visão estava a desvanecer-se, mas ele sabia o que estava prestes a acontecer. Ele tentou lutar contra Boris.
“Eu não vi nada!” Mello gritou em mandarim. “Eu não o reconheço! Eu não sou uma víbora!”
Mello estava cambaleando, o seu corpo reagindo à extrema pressão emocional e física. A sua exaustão tornou-se avassaladora. Ele precisava de ar, precisava fugir.
Ele estava no limite. A sua cabeça começou a girar, a luz do sol fraca parecia brilhar em uma névoa.
No mesmo momento em que o machado desceu, Mello não conseguiu mais lutar contra o seu corpo. Ele tropeçou, caindo para a frente.
Boris o segurou firmemente, impedindo que Mello atingisse o chão gelado.
“Aguenta, Aimee! Está quase acabado! Vamos voltar para a tenda, _Zoloto_!” Boris disse, levantando-o.
Mello mal conseguia respirar, e a visão do Capitão Nyon parado rigidamente, parecendo um monumento de gelo, era a última coisa que ele viu.
A figura alta e imponente, os cabelos que pareciam ser azuis, o uniforme bem ajeitado. Nyon acabou de dar a ordem final para o homem preso.
Mello estava tonto, enojado, e fisicamente a cambalear.
“Eu não sou nada disso,” Mello murmurou, lutando para manter os olhos abertos.
Boris continuou a puxá-lo.
O Capitão Nyon observava a cena, a sua testa estava ligeiramente franzida, mas ele não demonstrava o que sentia. Ele tinha dado a ordem.
Mello sentiu o braço de Boris apertar.
O som do machado encontrou o silêncio. Um som abafado, final.
Mello foi virado. Ele estava sendo tirado de lá, na direção da tenda.
Ele olhou para trás, por cima do ombro de Boris, a sua visão estava escurecendo. Nyon ainda estava lá, uma figura imóvel de autoridade.
Mello estava sendo apoiado, quase carregado, por Boris. A cabeça dele caiu.
Ele sentia nojo de si mesmo, de sua fraqueza.
A última coisa que Mello sentiu antes que a escuridão o engolisse foi a firmeza do casaco de pele e a vergonha inelutável.
Ele estava desmaiando nos braços de Boris. A visão do corpo do espião, a vergonha de seu irmão, a frieza de Nyon. Era demais. Mello estava completamente exausto e agora, devastado.
A sua cabeça estava caindo, e ele ouviu a voz de Dimitri ao longe, misturando-se com o som abafado da neve sob as botas.
“Capitão, precisamos de um lugar mais quente e privado para discutir a utilidade dela. Ela está a esgotar-se,” Dimitri disse, a sua voz estava tensa.
Mello estava sendo movido rapidamente, a sua cabeça balançava. A escuridão era total.
Ele não sabia o que aconteceria a seguir, mas ele tinha visto o Capitão Nyon. E Nyon tinha lidado com a ameaça à sua fachada.
Mello estava fora de si, o peso da exaustão era opressor.
Ele estava desmaiado.
***
Mello acordou pela segunda vez naquele dia, sem o barulho da lona, mas com uma quietude que o perturbou.
Ele estava de volta à sua cama de campanha, o casaco de pele de urso ainda estava sobre ele. A tenda cheirava a antisséptico e pinho, e a luz lá fora começou a diminuir, indicando que a tarde estava morrendo.
Ele estava sozinho.
Mello tentou se mover e, desta vez, ele conseguiu. Ele estava fraco, mas a tontura havia desaparecido. A dor de cabeça diminuiu para um latejar tolerável.
Ele olhou para a maca de Sergey. Sergey estava dormindo profundamente, a sua respiração era calma. O seu febril rubor havia diminuído, e Mello notou que as células de seu corpo estavam a curar-se mais rápido do que o normal. O seu toque de cura não tinha sido em vão.
Mello sentou-se na cama, cuidadosamente.
Ele passou a mão sobre a sua cabeça, sentindo a textura do seu cabelo. A humilhação reacendeu em seu estômago. “Ví-bo-ra trai-ço-ei-ra.” As palavras do espião reverberaram em sua mente. Ele havia desonrado a sua família. Ele havia escolhido o caminho da desgraça pela sobrevivência.
Ele inspirou profundamente e se lembrou do Capitão Nyon.
Nyon não o tinha rejeitado. Nyon o tinha protegido, ao eliminar a ameaça.
O Capitão Nyon: a figura alta, imponente, com cabelos que pareciam ser azuis, o uniforme bem ajeitado.
Mello estava sentado, digerindo tudo o que tinha acontecido. O teste. A prova de seu valor. A humilhação. E a proteção de Nyon.
A lona se abriu novamente. Desta vez, foi apenas o Dr. Dimitri. Ele parecia menos irritado, e mais... intrigado.
“Você acordou,” Dimitri disse, nem uma pergunta, nem uma saudação.
“Estou melhor. Obrigada, Doutor,” Mello respondeu, mantendo a sua voz suave.
Dimitri entrou na tenda, fechando a lona atrás de si. Ele se sentou em um banquinho de madeira, apoiando-se na sua bengala.
“O Capitão Nyon aceitou a sua… utilidade peculiar,” Dimitri disse, esfregando o rosto. “Ele não está feliz com a sua fragilidade ou com as suas mentiras de aldeia. Mas ele está disposto a investir em você.”
Investir? Mello se perguntou.
“O que… o que o Capitão Nyon quer de mim?” Mello perguntou.
Dimitri suspirou. “Ele quer que você seja a ‘Mascote de cura’. Para elevar o moral, é claro. E para curar pequenos ferimentos. Ele foi convencido pelo seu ‘efeito estranho’ sobre o espião. O espião não morreu instantaneamente, apesar do ferimento que lhe foi infligido, ele durou mais alguns minutos.”
Mascote de cura? Mello sentiu um pico de desapontamento. Ele não queria ser um ornamento. Queria servir com propósito. Mas ele sabia que ser um ornamento era um luxo que ele podia usar.
“Eu farei o meu melhor para servir o Capitão Nyon,” Mello disse, forçando-se a parecer grato.
“É bom que faça. Porque ele fará uso de seus dons,” Dimitri disse. “Mas você deve seguir as minhas ordens. Nyon precisa de você em força total. Você tem que comer tudo o que lhe é dado e descansar. E você não pode sair da tenda, a não ser que eu ou Boris o escolte.”
“Eu compreendo, Doutor. Eu estou grata pela bondade do Capitão,” Mello disse.
Dimitri se levantou. “O Capitão está ocupado. Mas ele fará uma visita. Quando você estiver mais forte, e ele estiver desocupado. O mais provável é que seja esta noite.”
Nyon viria. Mello sentiu um misto de medo e excitação.
“Obrigada, Doutor Dimitri,” Mello disse.
Dimitri lhe deu um aceno seco e saiu da tenda.
Mello estava sozinho novamente, mas agora com um propósito claro. Ele iria servir Nyon, a despeito de ser uma mascote, a despeito da humilhação, a despeito da sua fragilidade. O medo e a vergonha eram combustível para a sua determinação.
Mas a vergonha ainda estava lá. Mello se encolheu sob o casaco de pele.
Ele se levantou devagar, pegou a sua tigela de sopa de missô morna que Boris havia deixado mais cedo. Ele se obrigou a comer. Ele precisava de força.
Ele estava no caminho certo. Ele esperaria a chegada do Capitão. Ele precisava estar acordado e pronto para se apresentar.
Mello comeu lentamente, o seu pensamento concentrava-se no rosto de Nyon. O cabelo azul-meia-noite. A autoridade inquestionável.
Os minutos se arrastavam. A tenda estava escura, iluminada apenas por uma pequena lanterna a óleo.
Ele estava quase terminando a sua refeição quando ouviu novamente o barulho da lona.
Desta vez, não era Dimitri. O passo era diferente, mais deliberado, mais pesado.
O tecido da lona foi puxado de lado, e a figura que entrou encheu a abertura.
Mello se levantou instintivamente, uma reverência de submissão e respeito estava nos seus lábios.
Era ele. O Capitão Nyon.
Ele parecia ainda mais alto e mais imponente dentro da pequena tenda. A sua presença era avassaladora, e o ar na tenda pareceu ficar mais pesado.
O seu cabelo azul escuro, os seus olhos escuros, pareciam perfurar a alma de Mello.
Nyon não sorriu. Ele observou Mello, que parecia minúsculo sob as peles.
“Aimee,” Nyon disse, a sua voz era baixa, um timbre controlado.
“Capitão Nyon, eu sou Aimee,” Mello se curvou novamente. “Eu estou muito grata por vossa bondade e por salvar a minha vida.”
Nyon assentiu, como se esperasse a gratidão. Ele deu um passo para a frente, e Mello podia sentir o cheiro de neve e algo metálico, como ferro.
“Você demonstrou utilidade hoje,” Nyon disse. “Eu valorizo a utilidade, Aimee. Mais do que orações.”
Mello sentiu o seu coração apertar. A utilidade era o seu único passaporte.
“Eu farei tudo o que estiver ao meu alcance para servi-lo, Capitão,” Mello prometeu, a sua voz era firme.
Nyon se moveu para a mesa de Dimitri, olhando para os instrumentos.
“Eu preciso de você forte e pronta. A guerra não espera,” Nyon disse. Ele se virou, a sua expressão era quase inescrutável, mas havia um toque de algo que Mello não conseguia identificar.
“Você já se recuperou?”
“Sim, Capitão. Eu estou quase bem,” Mello mentiu.
Nyon se aproximou de Mello, a sua proximidade era opressiva.
Ele estendeu a sua mão e puxou o casaco de Mello de volta, revelando a roupa fina que Mello estava vestindo.
“Você é delicada, Aimee. A sua aparência é... diferente,” Nyon disse, seu olhar estava fixo no rosto de Mello, nos seus traços, no seu cabelo loiro. “Mas você tem um propósito aqui. Não se esqueça disso.”
Mello sabia que Nyon estava falando sobre a sua habilidade. O seu dom.
“Eu entendi, Capitão,” Mello disse, mantendo-se firme sob o escrutínio.
Nyon balançou a cabeça ligeiramente e voltou a colocar o casaco sobre Mello. Ele estava verificando o seu bem-estar, mas de uma maneira impessoal, militar.
“O homem chinês gritou... coisas. Sobre você,” Nyon disse. Foi a primeira vez que ele se referiu ao incidente.
Mello sentiu as suas bochechas queimarem. A humilhação estava de volta.
“Sim, Capitão. Ele estava mentindo. Eu nunca o vi. E ele deve ter ouvido rumores terríveis sobre a minha família por eu ter sido levada pelos seus soldados,” Mello disse, escolhendo as suas palavras cuidadosamente para manter a fachada.
Nyon apenas olhou para ele, os seus olhos eram como gelo. Ele não parecia convencido.
“Rumores na guerra são comuns. Eu não ligo para o que ele gritou sobre a sua honra familiar, Aimee,” Nyon disse. “Eu ligo apenas para o que você pode fazer por mim.”
O alívio inundou Mello. A sua honra era irrelevante para o Capitão Nyon. Apenas a sua utilidade importava.
“Então eu serei o seu servo mais útil, Capitão Nyon,” Mello prometeu.
Nyon deu um sorriso sutil, um movimento de lábios que mal chegou aos seus olhos.
“Veremos,” Nyon disse. Ele ficou em silêncio por um momento, observando Mello.
“Prepare-se. O Dr. Dimitri irá trazê-la para a tenda principal amanhã de manhã. Você começará o seu trabalho. Você é a nossa Mascote de cura.”
“Sim, Capitão,” Mello disse, o coração batendo forte. Ele estava pronto para a sua servidão.
Nyon assentiu, e virou-se para sair.
“Durma, Aimee. Você precisará de todas as suas forças,” ele ordenou.
E, com isso, o Capitão Nyon saiu da tenda, e a lona se fechou atrás dele.
Mello estava sozinho, mais uma vez, mas a sua mente estava clara. A sua servidão havia sido aceita. A sua função havia sido definida.
Ele estava no caminho certo. Ele voltaria a deitar-se, o seu corpo ainda estava exausto, mas a sua alma estava revigorada.
Ele precisava de um sono profundo para recarregar as suas energias. A utilidade custava caro, mas a recompensa seria o seu poder.
Mello fechou os olhos, e o sono veio rápido, desta vez sem a ansiedade do Capitão.
***
Mello acordou ao som de vozes baixas. O dia era mais claro, e o sol espreitava timidamente pela abertura da tenda.
O Dr. Dimitri e Boris estavam na tenda, a luz da manhã refletia no metal dos instrumentos de Dimitri.
“Bom dia, Aimee. Você dormiu bem?” Boris perguntou, o seu sorriso era aberto e reconfortante.
“Sim, Boris. Obrigada,” Mello respondeu, sentando-se. Ele se sentia muito melhor. O cansaço ainda estava lá, mas era administrável.
“O Capitão Nyon quer você imediatamente. Eu preparei a sua comida,” Dimitri disse, estendendo a Mello uma tigela de mingau. “Coma rápido. Temos que ir.”
Mello comeu rapidamente, a sua mente estava focada na apresentação. Ele se vestiu com o casaco de pele e estava pronto.
O processo de sair da tenda foi o mesmo. Boris o apoiou, e Dimitri os seguia. Mello caminhou com mais confiança desta vez.
Eles caminharam para a tenda principal do acampamento, uma estrutura maior e mais imponente do que o resto.
O interior era quente e organizado. Havia um mapa grande sobre uma mesa e alguns soldados de patente mais alta estavam reunidos.
O Capitão Nyon estava lá, de pé, no centro, o seu cabelo azul brilhava sob a luz da lamparina. Ele estava discutindo a estratégia com os seus homens.
Nyon parou quando Mello entrou.
“Aimee, você deve ir com Dimitri. Ele precisa de sua ajuda com os feridos. Lembre-se, o seu propósito é servir. E curar,” Nyon disse, sem rodeios.
Mello fez uma reverência, e seguiu Dimitri para uma seção da tenda que era dedicada ao tratamento dos feridos.
O trabalho era exaustivo, mas satisfatório. Mello curava pequenos ferimentos, contusões e dores persistentes. Ele usava o seu poder, concentrando-se em áreas minúsculas, acelerando o tempo de cura das células. O esforço era contínuo, e o dreno de energia era significativo. Mas, a cada cura, ele sentia o feedback, um pequeno riacho de poder que estava sendo restaurado.
A sua técnica: um toque suave e consolador, um sussurro de encorajamento, e o poder se manifestava. Dimitri observava, os seus olhos eram afiados, mas ele não questionava.
O dia avançava, e Mello estava exausto. Mas ele continuava.
Ele estava servindo.
E a cada cura, Mello sentia o seu poder a aumentar.
O Capitão Nyon observava Mello, ocasionalmente, uma observação silenciosa, uma confirmação de que Mello estava a cumprir o seu papel.
Mello trabalhou incansavelmente, até que a luz da lamparina na tenda mal conseguia cortar a escuridão.
Nyon se levantou e foi embora, não sem antes acenar para Mello.
“Bom trabalho, Aimee. Você tem sido útil. Descanse agora,” Nyon disse. A sua aprovação era o pagamento de Mello.
Mello foi levado de volta em um estado de exaustão total.
Ele comeu e dormiu imediatamente.
***
Os dias se tornaram semanas. Mello se tornou uma presença constante no acampamento. Ele era a Mascote de cura, a utilidade. Ele curava os pequenos ferimentos. A sua reputação cresceu. Os soldados o temiam menos, e o viam mais como um presságio de sorte.
A sua saúde física melhorou drasticamente. Ele não estava mais fraco, e ele tinha mais controle sobre os seus poderes. O fluxo de poder era constante.
Mello se adaptou ao ambiente, o seu disfarce Aimee era inabalável. Ele era a damisela frágil, mas útil.
Ele se encontrava com Nyon regularmente, sessões curtas de avaliação. Nyon era sempre frio, mas justo. Mello estava no seu caminho de servidão.
***
Um dia, o acampamento estava em frenesi. Era o meio da tarde, e Mello estava na tenda médica, ajudando Dimitri a organizar as suas ervas.
A lona se abriu e Boris entrou apressadamente.
“Aimee, o Capitão Nyon precisa de você,” Boris disse, o seu rosto estava tenso.
“O que aconteceu, Boris?” Mello perguntou.
“Eles pegaram outro. Um espião. Mas este é diferente. Ele é um mensageiro importante. Nyon quer você lá. Ele quer a sua opinião,” Boris disse, apressando Mello.
Mello se levantou, vestindo o seu casaco de pele.
“Vamos, Aimee. Rápido!” Boris disse.
Eles correram para o centro do acampamento. O tumulto era maior do que antes.
O centro da multidão se abriu, e Mello viu.
Era o mesmo poste. E amarrado a ele, novamente, estava um homem chinês.
Mas não era o mesmo homem. Este homem estava com a cabeça erguida, os seus traços eram finos, o seu olhar era desafiador. E ele estava em gritos, injuriando o Capitão Nyon em chinês perfeito.
Mello se aproximou. A presença do Capitão Nyon era esmagadora, ele estava parado, observando o homem com o seu ar de autoridade fria.
“Aimee,” Nyon disse. “Diga-me o que ele está dizendo. E se você o reconhece.”
Mello se concentrou. O homem estava cheio de bravatas, mas também de informações. Ele estava gritando sobre os movimentos das tropas chinesas, sobre o irmão de Mello.
O homem gritou: “_O seu irmão está morto, Bárbaro Azul! Ele morreu por causa das suas incursões! E a sua maldita ‘garota’ chinesa não trará nada além de desgraça para a sua tenda!_”
Mello se virou para Nyon. “Capitão, ele está a mentir. Ele está tentando me desestabilizar. Ele não é de minha aldeia.”
Mello estava mais forte agora. Ele não iria sucumbir à humilhação.
“Eu não o reconheço, Capitão. Ele é apenas um prisioneiro assustado,” Mello disse.
Nyon assentiu. “Bom. Mas eu quero que você o cure. Ele está ferido. Eu preciso dele para falar.”
Mello estava chocado. Curar um espião inimigo?
“Capitão, eu irei,” Mello disse, aproximando-se do homem.
Ele se concentrou, e tocou o braço do homem. O poder fluiu, curando a ferida superficial.
O homem chinês gritou de dor, surpreso com o toque. Ele olhou para Mello, e a sua expressão mudou para ódio.
“_Liu Nuan! Você trai o seu país duas vezes!_” o espião chinês gritou em mandarim. “_Você não é melhor do que um animal!_”
O Capitão Nyon se aproximou. Ele ouviu o grito.
“O que ele disse, Aimee?” Nyon perguntou.
Mello não podia mentir. A mentira enfraqueceria o seu dom.
“Ele disse que eu sou um traidor, Capitão. Ele me chamou de Liu Nuan. É o meu nome de batismo. Eu o rejeitei há anos, Capitão. Eu sou Aimee,” Mello disse, a sua voz foi clara, a sua submissão era real.
Nyon olhou para Mello. Ele se virou para o espião chinês, a sua cara de pedra estava inescrutável.
“_Tudo bem. Eu entendo_,” Nyon disse em russo, virando-se para o espião.
Nyon deu um passo para trás. “Você fez o seu trabalho, Aimee. Agora, o meu.”
Nyon fez um gesto curto.
“_Cortem a língua dele. E depois, matem-no_,” Nyon disse em russo.
Mello sentiu o horror. Ele curou o homem apenas para Nyon o torturar.
O corpo do espião tremeu. Mello se virou.
Enquanto a cena se desenrolava, Mello foi puxado para longe por Boris.
Mello estava tonto, mas desta vez era de terror. Ele estava servindo o lado negro.
Mello foi levado para a sua tenda, desesperado.
***
Mello estava na sua cama, tentando recuperar o fôlego. O cheiro de metal e sangue no ar.
A lona se abriu. Era Nyon. Sozinho.
“Você foi útil, Aimee. Mas você está assustada,” Nyon disse.
“Capitão, eu não consigo ver tal crueldade,” Mello sussurrou, tremendo.
“É a guerra, Aimee. Você precisa se acostumar. Ou você será inútil,” Nyon disse.
Ele se aproximou de Mello, os seus olhos eram fixos nos de Mello.
“Você será minha. Você é o meu presságio. Mas não se esqueça, se você me falhar, eu não serei tão misericordioso quanto o seu ‘irmão’ que a desonrou.”
A ameaça era fria e direta.
“Eu servirei, Capitão. Eu estarei à sua disposição,” Mello disse, a sua submissão era absoluta.
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