Chapter 8: A Grande Manobra Sasha se recostou, o casaco perfeitamente ajeitado. “Mas este… garoto. Este seu assistente. Ele é perspicaz,” Sasha continuou, o olhar ainda fixo em Mello, avaliando-o como se fosse um quebra-cabeça particularmente interessante. “A forma como ele o conduziu para fora da Suíça, e depois de Praga, usando a lógica das distrações. Seus relatórios são, na maioria das vezes, cirúrgicos. Você não o perdeu?” César e Mello tinham trocado um olhar, a tensão da situação impedindo qualquer diálogo. O reconhecimento vindo diretamente de Sasha era mais perigoso do que qualquer desprezo. “Ele está aqui. Ele é inestimável,” César respondeu secamente, a mão roçando inconscientemente o tecido do pijama de Mello que tinha escapado da jaqueta de couro preta. Era um movimento minúsculo, mas Mello sentiu; era a maneira de César se ancorar na realidade, na única lógica que importava para ele: sua sobrevivência compartilhada. Mello tentou manter a expressão impassível, mas a menção de Praga e Suíça, os momentos onde ele usou o que havia aprendido em seu treino precoce no orfanato, o fez sentir uma pontada de satisfação. Ele odiava admitir, mas o reconhecimento de um predador alpha era intoxicante. Sasha não parecia interessado na resposta de César. Ele inclinou a cabeça novamente, e o sorriso enigmático, frio e predador, retornou, desta vez direcionado exclusivamente a Mello. “Você sabe, Alexandra,” Sasha começou, e Mello automaticamente encolheu os ombros com a persistência do nome, “eu sempre admirei sua mãe. Não a mulher, claro. A mulher era fraca, ingênua. Mas a logística que ela conseguiu montar para me trair… isso exigiu uma mente de primeira linha. Uma pena que ela a usou para fins tão… sentimentais.” Mello sentiu um arrepio. A mãe de César, Alexandra, tinha tentado fugir com o amante, um diplomata de baixo escalão, e havia sido pega. Mello sabia o final dessa história, em termos de corpo e logística. “Eu sou Mello,” ele repetiu, a voz perigosamente neutra. Ele não ia permitir que Sasha o desumanizasse publicamente, não quando César estava ao lado. Sasha ignorou-o com um aceno de mão que varreu o protesto para longe, como poeira insignificante. “Mello. Alexandra. Tanto faz. O nome é apenas um apelido para as qualidades que residem sob o exterior. E suas qualidades, garoto, elas são desperdiçadas.” Sasha se inclinou para frente, o movimento lento e deliberado, a atenção de toda a sala focada nele. Até o guarda-costas, Yuri, parecia estar prestando mais atenção. “Eu observei você,” Sasha continuou, a voz quase um sussurro conspiratório. “Você segue César como um filhote de lobo. Você o protege, você o guia. Você é, de fato, a mente por trás dessa sobrevivência que chamamos de império. Mas você é o segundo lugar, de novo, não é?” Mello deu um aperto de leve na perna, a tensão se materializando em sua postura. A dor da verdade não era física, mas emocional. Sasha, em cinco palavras, havia acertado no âmago de sua identidade. “Você sempre será o segundo lugar, Mello, enquanto estiver na sombra de alguém. E César, apesar de todo o seu potencial, ele projeta uma sombra muito grande, mas tem as bases erradas. Ele é fraco, afetado por emoções, por essa… necessidade que ele tem por você. Isso o torna vulnerável.” César permaneceu em silêncio, a mandíbula travada. O abuso emocional era familiar, mas ouvir sua fraqueza ser creditada à sua afeição por Mello era um golpe direto. “Você busca o poder que a inteligência pode prover,” Sasha continuou, como se estivesse lendo um roteiro que Mello havia escrito em seu diário. “O primeiro lugar. O reconhecimento. Nate, ele era apenas um fantasma, a personificação da sua falha. Mas aqui? Aqui o primeiro lugar tem um rosto, e ele está sentado ao seu lado, esperando que você falhe para assumir a culpa.” Sasha sorriu, e desta vez o sorriso tinha o peso do ouro. “Eu estou te oferecendo o primeiro lugar, Mello,” ele disse, o nome soando estranhamente íntimo vindo dele. “Eu estou te oferecendo o controle que sua mente merece. Venha trabalhar para mim, Mello. Você não será um ‘assistente’ ou um ‘braço direito’. Você será o cérebro. Você será o poder que decide a estratégia global. Eu te dou a autoridade para descartar César quando você julgar que ele se tornou um passivo, uma… fraqueza emocional.” Mello sentiu o coração acelerar. A proposição era tentadora de uma forma visceral e perigosa. Ser o alfa. Ser o número um. Não mais o estrategista invisível, sempre nos bastidores. Mas sim, aquele que puxava os cordões, que detinha o poder cru. Ele olhou para César, que parecia estar olhando para frente, mas Mello sabia que cada palavra havia sido absorvida. César não estava reagindo, não porque estava em choque, mas porque estava acostumado com a agressão psicológica do pai. A rejeição de Sasha era previsível. Mello pensou no beco, na dor da abstinência, na desesperança. Ele pensou em César carregando-o, no cheiro de desinfetante e na sopa de galinha que o salvou. Ele pensou nos dezesseis meses de sobrevivência, onde ele usava sua inteligência não para fugir de problemas, mas para proteger o único ser humano que havia lhe oferecido aceitação incondicional. A lógica. A lógica que Mello sempre buscava forneceu a resposta. Se ele se juntasse a Sasha, ele estaria no poder, sim, mas estaria aos pés de um homem que via amor, conexão, e até mesmo a lógica da auto-preservação como fraqueza. Sasha o usaria até ele falhar, e então o descartaria, talvez com o mesmo desprezo que usou com a mãe dele. No império de Sasha, a desconfiança era a regra; no de César, a confiança era a base, mesmo que dolorosamente construída. E havia algo mais. Se ele traísse César, ele não seria mais Mello. Ele seria o traidor, o ingrato. E Mello tinha aprendido que, para a sobrevivência a longo prazo, a lealdade, mesmo que enraizada na lógica, era um ativo mais forte que o poder efêmero. Ele balançou a cabeça de forma imperceptível. “Não, obrigado,” disse Mello, usando um tom que ele reservava para dispensar um garçom inconveniente. “A proposta é interessante, Sasha, mas inaceitável em termos logísticos.” Sasha piscou devagar. “Logística? Explique-se, garoto,” ele demandou, o tom agora mais seco, irritado pela ousadia da rejeição. “César está vivo,” Mello começou, e o tom era frio e desapaixonado. “Ele está vivo porque, apesar de suas ‘fraquezas emocionais’, ele tem lealdade. As pessoas ao redor dele podem ser medíocres, mas elas o protegem porque ele paga bem e porque ele não trai. Você está vivo por meios mais questionáveis, suborno, medo e eliminação constante de ameaças, inclusive familiares. Seu sistema é insustentável. Eu analisei o relatório de risco. Você está com problemas de conformidade interna.” Ele estava falando sobre os inúmeros atentados que César tinha sofrido e superado, e os que Sasha tinha sobrevivido. “Trabalhar para você, Sasha, seria me colocar no centro de um sistema de traição e medo, onde eu sou a próxima peça a ser descartada quando seu ciclo de paranoia se completar,” Mello concluiu, sua voz firme. “César está construindo algo. Você está desmantelando algo. Minha inteligência é um recurso, e eu a invisto onde o retorno é maior em termos de segurança e controle. Ficar com César é o caminho mais lógico para a minha sobrevivência a longo prazo. O primeiro lugar em um império ruinoso é menos valioso que o segundo lugar em um império em ascensão.” O silêncio na sala foi denso. Mello sentiu um alívio leve ao ver que estava articulando a sua lealdade como uma tática, o que tornava tudo aceitável para o seu próprio ego. César também parecia ligeiramente relaxado, a tensão do medo paternal substituída pela surpresa do apoio de Mello. De repente, Sasha explodiu em uma risada. Não era um riso de prazer, mas um som rouco e seco que ecoou na vasta sala. “Logística! Eu amo garotos que se levam tão a sério!” Sasha balançou a cabeça, secando uma lágrima imaginária no canto do olho. “Parabéns, César. Seu filhote tem garras.” Ele parou de rir tão abruptamente quanto começou, e a mudança de humor foi vertiginosa. Seus olhos cinzentos agora eram de aço frio. “Você achou que eu realmente estava te propondo uma traição, Mello?” Sasha perguntou, o tom condescendente. “Por favor. Eu sou Alexandr. Eu não confio em ninguém. Não há ninguém neste planeta que eu confiaria para trair meu próprio filho, porque a traição deles seria apenas uma questão de tempo. Foi um teste. Um teste de lealdade e autopreservação.” Ele sorriu, um sorriso que enviava arrepios pelo lado esquerdo do rosto de Mello. “E você passou, Mello. Você não é um sentimental. Você é um predador lógico.” Sasha se recostou. “E César... você não pode ter pessoas ingratas ao seu lado. Lealdade é tudo. Ele demonstrou lealdade. Isso é bom.” A afirmação de Sasha era, em si, um paradoxo. O homem que pregava a desconfiança estava testando a lealdade. Mello entendeu: Sasha não confiava, mas respeitava a lógica de quem era leal por interesse estratégico. Sasha mudou a postura, e a atmosfera da sala mudou com ele. A parte teatral e cruel da conversa havia acabado. O que restava era a fria, dura e inesperada realidade. “Agora, para o verdadeiro motivo de eu ter interrompido a sua lua de mel espanhola,” Sasha disse, e a expressão de César finalmente vacilou, transformando-se em confusão. Sasha se inclinou novamente, mas desta vez não para jogar. Era para confidenciar. “Eu estou morrendo, César.” As palavras caíram na sala com a sonoridade de um martelo. Mello piscou. Não era a frase que ele esperava de alguém que parecia uma força da natureza. César piscou, confuso. “Pai, você não parece… doente. Seus exames são sempre impecáveis.” Sasha sorriu, e desta vez o sorriso era melancólico, não manipulador. “Você pensa que a máfia se preocupa com colesterol, César? Não. Minha mortalidade se manifesta de uma maneira muito mais perigosa: no enfraquecimento do meu medo. As pessoas não me temem mais incondicionalmente. E quando o medo se esvai, o respeito se dissolve, e o padrão de vida que eu mantenho desmorona.” Sasha tirou um lenço do bolso do sobretudo e limpou a boca. Era um gesto de cansaço, algo que Mello nunca esperaria do patriarca Rostova. “O mundo mudou,” ele continuou, sua voz baixa. “Nos seus dezessete anos, você só conheceu a fase de expansão. Eu construí isso tudo, César. Eu peguei um bando de viciados e criminosos russos e os transformei em uma corporação global que controla o fluxo de capital, armas e informações entre continentes. Mas sustentar isso… exige recursos. E exige um comando forte, que não demonstre incerteza. Algo que eu já não posso mais oferecer.” Mello estava processando os dados rapidamente. Esse tipo de confissão aberta por Sasha era sem precedentes. Significava que a crise era real, e não apenas mais um teste de estresse. “Você está falando da sua influência, não da sua saúde biológica,” Mello interpretou. Era melhor traduzir a fraqueza de Sasha em termos lógicos para César. Sasha olhou para Mello com uma aprovação resignada. “Exatamente, Mello. Minha saúde biológica é perfeita. Mas meu império está em declínio de influência. Eu me tornei um ativo muito caro para algumas facções. E, pior, eu me tornei previsível.” Ele suspirou. Era um som pesado, incomum para sua compostura habitual. “Há anos que eu evito pensar na sucessão. Eu sou um homem que não consegue ficar parado. Mas a realidade me alcançou. Não posso mais sustentar o padrão de exigência que o império estabeleceu. O conselho está insatisfeito com a falta de liderança visível. E com razão.” Sasha começou a enumerar, usando os dedos da mão. “Eu tinha três opções de sucessão, se formos estritamente hierárquicos,” ele disse. ‘Anya. Dimitri. Você.” César ergueu uma sobrancelha para a menção de Anya. “Anya? Ela está na Austrália, casada com um fazendeiro de ovelhas. Ela me odeia.” “Exatamente,” Sasha respondeu, com a voz carregada de desprezo. “Anya é sentimental. Ela me rejeitou, abandonou o império, e agora vive uma vida de tédio insípido. Ela teve sua chance, e a desperdiçou por ‘amor’. Ela só serviria como um testa de ferro, e é incapaz de comandar.” Mello lembrou que Anya era a irmã mais velha de César, mas a rivalidade entre os irmãos era lendária, principalmente após a morte da mãe. Ela tinha se afastado completamente do círculo familiar, o que era um feito e tanto, considerando a influência de Sasha. “Dimitri,” Sasha continuou, e seu rosto se contorceu em desgosto. “Seu primo. Um bosta. Totalmente desprovido de ambição além de roubar dinheiro para financiar seus jogos de azar. Ele não conseguiria controlar a segurança de um bordel, quem dirá a máfia.” “O que nos leva a você, César,” Sasha disse, e ele olhou para o filho com uma intensidade que César raramente recebia: reconhecimento e urgência. “Você é o meu único herdeiro viável. Você é um Rostova, você tem o nome, e, mais importante, você tem se provado um gênio da sobrevivência, graças a esse seu pequeno acessório loiro.” Ele gesticulou para Mello novamente. “Você pode ser emocionalmente fraco, César, mas você é brutalmente lógico sob estresse, e é por isso que você está vivo. E é esta combinação que o império necessita neste momento.” Mello sentiu o peso das palavras de Sasha. A lógica. César o havia resgatado do beco, mas Mello havia, de fato, se tornado o escudo intelectual de César contra o mundo. Sasha se levantou, andando pela sala. Ele não estava mais sendo o pai abusivo. Ele era o CEO de uma corporação criminosa, fazendo uma jogada decisiva e inesperada. “Em uma semana, a estrutura de comando precisa ser transferida. O conselho de líderes subordinados já está em motim. Eles não me querem. Eles querem o novo.” “Uma semana? Pai, isso é de repente,” César protestou, a voz tensa. Ele não estava acostumado a receber o poder, apenas a ser atacado por ele. “O mundo real não espera pela sua conveniência, César. Se eu demorar mais, eles escolherão Dimitri, ou pior, pulverizarão o império em caos, e você estará morto em menos de um mês. Você é o único que pode assumir o controle do império que construí, que engloba a Rússia, partes da Ucrânia, e está se espalhando pela Ásia e pelo Oriente Médio.” César estava em choque visível, o rosto pálido até mesmo sob a pele albina. Ele parecia um adolescente, não um herdeiro de uma máfia. Todo o seu treinamento havia sido em defesa, não em ataque e controle total. “Por que a urgência? Você estava se preparando para se aposentar na Patagônia, se bem me lembro. O que aconteceu para mudar seu cronograma tão drasticamente?” César exigiu, controlando o tremor na voz. Sasha parou, a mão dele pairando no ar. O silêncio retornou. Ele olhou para César, e pela primeira vez, Mello viu medo nos olhos de Sasha. Não o medo que ele causava nos outros, mas o medo de ser a presa. “Há três dias, eu estava em Kiev. Em uma reunião de rotina, para consolidar um novo porto de entrada,” Sasha começou, e sua voz estava tensa, dura. “Eu nunca estou desarmado. Eu nunca confio. Mas eles me pegaram. Um grupo da velha guarda, que eu pensei ter neutralizado. Eles queriam que eu me aposentasse à força. Com um tiro na cabeça.” Mello se inclinou para frente, absorvendo cada palavra. Sasha tinha sido emboscado? Ele? “Eles me cercaram. Estávamos em um armazém abandonado. Eu estava com seis homens. Eles tinham mais de vinte,” Sasha continuou, sua voz recuperando um pouco de sua arrogância, a vaidade de ter sobrevivido ao ataque. “Foi uma armadilha perfeita. Eu perdi três dos meus melhores homens.” Ele fez uma pausa, respirando fundo. “Eu consegui escapar. Graças a Yuri.” Yuri, que estava imóvel ao lado da porta, apenas assentiu levemente, sem mudar a expressão. “Mas eu não saí ‘ileso’. Eu não levei um tiro. Mas perdi algo mais importante.” Sasha apertou a mão em um punho. “Eu perdi o controle da situação. Eu estava no chão, sentindo a força deles me esmagar. Eu estava esperando a bala final. E naquele momento, César, eu soube. Meu tempo acabou. Eu não sou mais rápido o suficiente. Eu não sou ‘o temido’ Alexandr. Eu sou apenas um homem cansado, envelhecendo, que cometeu um erro logístico fatal.” “O incidente me fez entender que se eu continuar tentando manter o poder, eu serei morto por um subordinado medíocre, e esse é um final indigno para mim,” Sasha confessou, a palavra ‘indigno’ soando mais dolorosa do que ‘morte’. Ele olhou para Mello, e a última frase foi direcionada ao estrategista. “O império precisa de um comandante com a lógica e a capacidade de sobreviver. Alguém jovem e capaz de inovar. Você, César, junto com seu estrategista, vocês têm a combinação. O conselho vai aceitar um Rostova, mas eles só o manterão se você demonstrar que está no controle total. É por isso que eu estou aqui. Para forçar a transição. Meu tempo de influência acabou, e a ameaça de morte é iminente. Seja por rivais externos ou por meus próprios homens insatisfeitos.” Sasha olhou para César e Mello, e o olhar era quase de súplica, escondido sob a fachada de ordem. Ele estava se rendendo. “Você está no comando, César. Dentro de uma semana. Agora prepare-se. Temos muito o que discutir.”

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