Chapter 6: A Lógica da Sobrevivência Quase parecia que Mello hesitou. César estava ali, em frente ao fogão, o vapor subindo do bule, a camiseta branca destacando-se na pele pálida. Não havia perigo imediato, não havia arma apontada, não havia sequer o cheiro sufocante de drogas ou o zumbido irritante de Nate na sua cabeça. Havia apenas o som suave da água borbulhando e o silêncio da noite lá fora. “Chá de camomila,” César anunciou, tirando o bule do fogo. “É calmante. Ajuda a relaxar os músculos e a dormir.” Relaxar. A palavra soava estranha na boca de César, alguém cuja vida parecia ser a definição oposta de relaxamento. Mello olhou para o próprio corpo, que ainda tremia ligeiramente, mas agora os tremores eram mais internos, mais como um motor falhando do que um terremoto. César colocou a xícara na frente de Mello. “Eu li sobre isso,” ele explicou, notando o olhar questionador de Mello. “Abstinência. Não sou médico, mas tenho acesso a informações. Manter-se hidratado é o principal, e o chá quente pode ajudar com a náusea.” “Obrigado,” Mello murmurou, pegando a xícara com as duas mãos. O calor era reconfortante. Eles ficaram assim por um tempo. Mello sorvendo o chá devagar, sentindo o calor se espalhar, César apenas observando-o. O olhar dele não era invasivo, apenas… presente. “É estranho,” Mello disse, quebrando o silêncio. “Sopa e chá de camomila. Não era assim que eu imaginava que seria fugir de assassinos.” César deu um sorriso pequeno e quase imperceptível. “Nem tudo é ação, Mello. A maior parte da sobrevivência é logística. Manter a saúde, garantir os suprimentos. E ter um lugar seguro para dormir.” Logística. Claro. O cérebro de gênio de Mello reconhecia a verdade brutal nisso. Ele tinha se focado tanto no drama, no perigo, na adrenalina, que esqueceu o básico. A vida, mesmo a vida fugitiva, era sustentada por tarefas mundanas. Mello tomou o resto do chá. A náusea tinha diminuído, os tremores estavam mais fracos. Ele se sentia exausto, mas não desesperado. “Eu deveria ir para a cama,” Mello disse, levantando-se. Dessa vez, as pernas tremeram menos. “Eu te acompanho,” César disse, guardando a panela da sopa. O caminho de volta ao quarto rosa foi tranquilo. Uma vez lá, Mello se jogou na cama, sentindo o alívio físico de finalmente deitar. César ficou na porta. “Você vai ficar bem, Mello. Você é inteligente. Vai sair dessa.” “Qual é a sua aposta?” Mello perguntou, olhando para o teto. “Quanto tempo até eu quebrar totalmente e implorar por mais?” César não hesitou. “Você não vai. Porque você não é como os outros. Você usa sua inteligência para se destruir, mas também pode usá-la para se consertar. Você tem apenas que decidir qual parte quer vencer.” Aquelas palavras ficaram em Mello por um momento. Ele não disse nada. Apenas acenou, fechando os olhos. César fechou a porta. O silêncio voltou, mas agora estava preenchido com a exaustão física e mental de Mello. Ele se permitiu afundar no sono, o sono profundo e reparador que seu corpo implorava. O rosa nas paredes não parecia tão ruim agora. Na verdade, mal notava. * * * **Um Ano e Meio Depois** O tempo era uma coisa engraçada. Passava rápido demais, mas ao mesmo tempo arrastava quando você estava esperando. Um ano e meio. Parecia uma eternidade, mas quando Mello olhava para trás, para o garoto trêmulo e viciado no beco, parecia que tinha sido ontem. Agora, tudo era diferente. Tudo parecia normal, o que era o mais estranho. A vida ao lado de César, o herdeiro da maior máfia russa, não era o turbilhão de tiroteios e perseguições que Mello imaginava ao ler romances de espionagem. Claro, havia o perigo. O perigo era a tônica de fundo de tudo o que faziam. Mas o perigo quase sempre se manifestava em detalhes, em alertas silenciosos de celulares criptografados, em carros que não deveriam estar estacionados em certas esquinas, em ares condicionados de jatos particulares que subitamente paravam de funcionar. Era o tipo de perigo que Mello aprendeu a detectar com o raciocínio rápido que o orfanato o forçara a desenvolver, e que César treinara exaustivamente. A maior agitação vinha geralmente de deslizes ou descuidos. E geralmente eram deslizes dos capangas de César, não dele ou de Mello. Eles se mudavam de casa constantemente. Essa era a regra de ouro de César, a base da sua logística: nunca ficar no mesmo lugar por tempo demais. Uma semana era o máximo, duas se o lugar fosse extremamente isolado e as verificações de segurança tivessem dado zero. A casa atual era diferente de todas as outras que tinham habitado. Era um castelo. Não o tipo medieval, mas o tipo opulento do século XIX, na Suíça, no meio de uma paisagem idílica. Se Mello tivesse que chutar, era a tentativa de César de se misturar com o tipo de gente que possuía fortunas geracionais, o que tornava a segurança mais complexa, mas também a vida um pouco mais confortável. As paredes eram brancas e encardidas, a brancura desgastada pelo tempo e pela chuva. Mas os detalhes em madeira escura e dourado gritavam riqueza antiga. Era ridículo, mas Mello havia se acostumado. Nessa casa, Mello tinha um quarto. Um quarto enorme, com vista para os Alpes, um tapete persa debaixo dos pés, e um banheiro que parecia um templo romano. Mas ele preferia estar onde estava agora: deitado transversalmente na cama king-size de César, observando-o trabalhar. Mello estava de pijama. Um pijama de seda preta que ele tinha comprado há seis meses em Milão e que, por algum motivo místico, sempre estava presente na mala mais fácil de ser acessada quando se mudavam. Era o pijama que ele gostava, um pequeno luxo que marcava a banalidade de sua nova vida. Usando uma das almofadas macias para apoiar a cabeça, Mello observava César. César estava na escrivaninha de madeira maciça, iluminado por uma luminária Art Deco. Vestia calça social preta e uma camisa de seda com a gola desabotoada, parecendo um modelo de revista mesmo enquanto encarava três monitores conectados a códigos e planilhas indecifráveis para a maioria das pessoas. O cabelo loiro-platina caía levemente na testa, e seus olhos vermelhos estavam fixos e concentrados. Ele raramente vestia o paletó dentro de casa ultimamente, o que Mello considerava uma vitória pessoal. Significava que César estava confortável perto dele. Mas a postura, mesmo relaxada, ainda irradiava a tensão de um predador, sempre pronto. Mello sorriu levemente. Ele estava feliz. Não apenas pelo pijama, mas pela jaqueta nova. Ele tinha comprado uma jaqueta hoje. Não uma jaqueta qualquer, Mello não se contentava mais com o "qualquer". Era uma peça de designer excepcionalmente cara. Couro preto, claro, mas forrada com o que parecia um abraço de nuvem. O forro era de pele. Pele de chinchila, especificamente. Mello preferia não pensar muito nisso; ele estava focado no calor, no luxo e no cartão de crédito de César que ele havia usado para a façanha. "Você deveria ter visto a cara do vendedor," Mello disse, erguendo a voz o suficiente para ser ouvido acima do zunido baixo dos computadores. "Ele ficou branco. Eu assinei com o nome que você me deu, mas juro que ele estava esperando você entrar a qualquer momento, talvez com um rifle, para me levar embora preso." César não tirou os olhos do monitor, mas respondeu com a voz calma e profunda: "Se ele tentasse te impedir de usar meu cartão, ele estaria atrasando meu trabalho." "Exatamente, lógica perfeita." Mello sentiu um orgulho infantil pelo quão bem ele tinha se adaptado a essa lógica. A lógica que permitia que ele gastasse centenas de milhares de dólares em um casaco. Ele não era totalmente inútil, no entanto. Mello fez questão de provar isso desde o dia que saiu da abstinência. A inteligência dele, o raciocínio rápido que o colocava em segundo lugar atrás de Nate no orfanato, era agora direcionada para ajudar César. Ele começou com coisas pequenas. Arrumando logísticas de viagem, decifrando pequenos fragmentos de conversas interceptadas, encontrando falhas em planos de segurança. Mas evoluiu rápido. Mello agora era uma peça fundamental na estratégia. César precisava de uma mente externa, que pensasse de forma não convencional, fora da bolha da máfia onde todos usavam os mesmos truques. Mello ofereceu essa perspectiva. "Os curativos," Mello comentou, virando-se para encarar as costas larga de César. "Pense em quantos curativos a menos você precisou usar nesse último ano e meio, só porque eu te ajudei a prever a emboscada em Praga." "Três no total," César corrigiu imediatamente, sem se virar. "E foi a Eslovênia, não Praga." "Detalhes." Mello balançou a cabeça. "O ponto é, lógica. Eu forneço a lógica." A lógica de Mello, desapegada de emoções e tradições familiares, era inestimável para César. Se Mello alertasse sobre um padrão suspeito de movimentação de carros ou uma mudança inesperada na rota de um voo, César ouvia. Isso diminuiu consideravelmente a necessidade de curativos e a frequência de se esconder em bunkers fedorentos. Mello observava César trabalhar, o silêncio preenchido pelo som das teclas. Ele pensou em tudo que eles tinham vivido nesses 18 meses. Cidades. Aeronaves. Jantares formais onde ele precisava fingir ser um estudante russo-americano excepcionalmente mimado. Era realmente legal. A parte de gastar e gastar era, sem dúvida, o máximo. Mello nunca teve dinheiro, e a liberdade de comprar o que quisesse, sem perguntas, era um bálsia para sua alma de garoto carente. A adrenalina das aventuras, as escaramuças que exigiam que ele pensasse em segundos, usando a lógica para desarmar situações—isso o mantinha vivo. Ele também gostava de ajudar César nos aspectos 'emocionais'. No orfanato, Mello e Nate eram máquinas de raciocínio. Emoções eram fraquezas. Mas César, por trás da fachada de herdeiro implacável e musculoso, era absurdamente quebradiço. Rejeição da mãe, falta de atenção do pai, trauma de ser caçado desde a adolescência. Mello, com sua própria bagagem de abandono e o complexo de segundo lugar, surpreendentemente, era quem conseguia confortá-lo. Não com toques exagerados ou palavras doces, Mello não era disso. Mas com aceitação. Com a presença constante, deitado na mesma cama, sabendo dos segredos, dos medos, das cicatrizes que iam além do físico (embora as físicas também estivessem ali, permanentes). Eles dormiam na mesma cama todas as noites. Não era um relacionamento romântico, não no sentido tradicional. Não havia beijos ou declarações de amor. Havia uma intimidade que ia muito além disso: a intimidade de dois sobreviventes que dependiam da presença um do outro para manterem a sanidade. Era a segurança de saber que Mello estava ali, e que Mello não o machucaria, nem o julgaria. E a segurança de saber que César faria o que fosse preciso para protegê-lo, financeiramente e fisicamente. Mello era o âncora de César. E César era o universo inteiro de Mello, repleto de chocolate, couro caro e segurança logística. De repente, a imagem de Nate surgiu na mente de Mello. Nate, o prodígio, o primeiro lugar, o garoto que conseguia resolver equações diferenciais aos cinco anos de idade, enquanto Mello, aos sete, ainda estava se esforçando para acompanhar. O orfanato era uma gaiola de gênios. E a maior lição que Mello tirou dali foi que ele sempre seria insuficiente, comparado a Nate. "Sabia," Mello disse alto, virando-se para encarar o teto. "Eu estava pensando no Nate." As mãos de César pararam de digitar. Ele se virou na cadeira, encarando Mello, seus olhos vermelhos fixos. "O que sobre ele?" "A criança," Mello revirou os olhos. "Quando eu saí, ele tinha uns cinco. Mas já era melhor que eu em tudo. Ele estava resolvendo problemas de física que eu só consegui dominar com dez anos." Mello suspirou. Essa era a cicatriz que nunca curava. Nem mesmo uma jaqueta de chinchila conseguia apagá-la. "Eu sempre fui o segundo lugar. Sempre. Não importa o quão duro eu tentasse, ele estava um passo à frente. Era frustrante. A injeção de dopamina de ser 'o prodígio do orfanato' nunca foi minha. Era sempre 'Mello, o segundo melhor, atrás do Nate'." César observou Mello com a calma habitual, mas a intensidade por trás de sua expressão era palpável. Ele sabia que esse complexo de inferioridade era o motor de muitos dos vícios e autodestruições de Mello. "Você acha que se eu tivesse ficado por mais tempo... eu teria ultrapassado ele? Ou ele era o verdadeiro gênio, e eu era só um rascunho caro?" César inclinou a cabeça. Lentamente, ele se levantou da cadeira, atravessou o carpete macio e sentou-se na beira da cama, perto dos pés de Mello. "Mello, o que fez você falhar naquele ambiente não foi a falta de capacidade técnica," César disse, sua voz baixa e séria. "Suas notas eram quase idênticas às dele. Seus testes de QI eram virtualmente a mesma coisa. O que te fazia falhar era a falta de confiança." Mello piscou, atordoado. "Confiança? Eu sou o garoto que quase pôs fogo na lavanderia porque me disseram que eu não conseguiria. Eu sou arrogante." "Arrogância é a máscara de quem precisa desesperadamente de aprovação externa," César rebateu, com a lógica fria que Mello amava, mas odiava que fosse usada contra ele. "Nate não pensava no que os outros pensavam de sua capacidade. Ele sabia que era bom. Você estava sempre tentando provar que era bom. Essa diferença, Mello, é o que te colocava em segundo." César esticou a mão e tocou a perna de Mello, um toque breve e firme através da seda do pijama. Um movimento raro e que Mello valorizava. "Você estava investindo sua energia em competição e em provar que era digno do primeiro lugar. Nate estava investindo 100% da energia em ser bom," ele explicou. "O foco dele estava nele mesmo. O seu estava nele." Mello absorveu isso, sentindo as peças se encaixarem. Era a verdade. A verdade desconfortável que ele nunca tinha formulado em voz alta. "Sim," Mello assentiu, a voz rouca. "A falta de confiança. Acho que é isso." Aquele pingo de insegurança, aquele medo de não ser bom o suficiente, era a rachadura por onde toda a autodestruição havia se infiltrado. César apertou a mão brevemente, como um conforto silencioso, antes de voltar à escrivaninha. Mello ouviu os sons de César recomeçando a digitar, a rotina de segurança se reafirmando. Mello se virou de lado, observando a silhueta de César na penumbra. Não importava que Nate fosse melhor em equações diferenciais. O que importava era que ele, Mello, estava agora na cama quente de um castelo suíço, vestindo seda e chinchila (cortesia do herdeiro da máfia) e usando sua lógica para manter o homem mais perigoso do mundo vivo. A lógica da sobrevivência, não a da academia. E nisso, Mello sabia, ele tinha encontrado seu próprio primeiro lugar. Ele estava prestes a comentar sobre a inteligência de César em relação a pessoas, quando um bip sutil veio de um dos monitores de César. Uma luz vermelha piscou. César parou de digitar imediatamente. A postura dele ficou tensa, todos os vestígios de relaxamento desapareceram. "Mello," ele disse, sem se virar. "O que você vê?" Mello se levantou, sentando-se na cama. Mesmo à distância, ele conseguia ver o mapa no monitor central. "Movimento no setor cinco. Três unidades. Sinal de calor inconsistente com animais de grande porte." "Exato. E a rota?" "A rota é uma trilha de patrulha não marcada, leva diretamente ao flanco oeste da capela abandonada... Onde está o ponto cego da nossa segurança perimetral." César finalmente se virou, mas o foco estava nos monitores. "Eles descobriram a falha." "Ou alguém deu a dica," Mello corrigiu. "Mas a lógica deles é ruim, César. Três? Para um ataque direto a um local como este? Isso não é uma equipe de assassinato. É uma distração. Eles querem que você mobilize a segurança para lá." Mello se levantou da cama, o pijama de seda contrastando com a expressão de pura concentração. Ele estava no seu elemento agora. Logística e crise. César esperou. "A lógica diz que se a distração está no flanco mais óbvio, a ameaça real está onde a segurança está 'mais apertada'. Onde está o ponto de retirada?" "Estação de pouso primária," César respondeu, apontando para um ponto no mapa. "A aeronave está sendo reabastecida." "Perfeito. Se eles querem que você se mova, eles têm que ir para o ponto de fuga. Eles querem a aeronave," Mello decretou. "Eles estão vindo por dentro. Quem está na casa além de nós dois e os dois guardas da noite?" "Ninguém. Todos foram dispensados." "Então, o que eu disse. A distração é para ganhar tempo e mobilizar os guardas de fora. O ataque real deve estar focado em neutralizar você no local mais distante da distração. O quarto." Mello parou, sorrindo. Ele adorava esse jogo. "Eles querem te pegar aqui, o mais relaxado possível. O fator surpresa." César apenas acenou, seus lábios se curvando em algo que poderia ser aprovação ou talvez alívio. "Você tem razão. O cálculo de risco não faz sentido para um ataque de fora," César murmurou, já indo em direção ao cofre escondido atrás de um quadro renascentista falso. "Espera, espera," Mello disse, colocando a mão no ombro de César, forçando-o a parar. "Não ative os alarmes. Se for uma equipe interna, eles saberão que foram descobertos. O melhor é o silêncio. Se for uma invasão interna, precisamos saber quem é o traidor antes de reagir." A lógica era impecável. Mello tinha aprendido a pensar como um chefe de máfia—não como um valentão, mas como um estrategista. Eles se equiparam rapidamente. Mello pegou um pequeno comunicador criptografado, enquanto César retirava duas armas de alto calibre do cofre e as preparava. "Eu vou descer," César disse, com a voz baixa e tensa, voltando o olhar de predador. "Vou checar a sala de segurança no nível B." "Não. Você é o alvo principal. Se for uma emboscada, é lá que eles vão esperar. Eu vou descer," Mello declarou. "Você fica aqui para dar suporte logístico e cobertura." César hesitou. "Mello, é diferente da Eslovênia. Isso não é só lógica. Isso é força." "Eu sei," Mello respondeu, já pegando um casaco grosso para cobrir o pijama de seda. Ele nunca usava uma arma de fogo, mas carregava consigo uma faca que César havia lhe dado. "Mas eu sei andar. E eles não estão esperando que o garoto mimado do chefe esteja no pijama explorando o castelo. Eu sou a variável surpresa." Ele pegou a jaqueta nova de chinchila no armário. Não, ele não ia usá-la agora. Não queria estragá-la. César, depois de uma breve pausa, cedeu. Mello sabia que ele cedeu porque o plano era o mais lógico para a segurança de César. "Você me mantém atualizado. Qualquer coisa estranha, você volta imediatamente. E Mello..." Mello virou-se para César, já na porta. "Eu te amo, ok? Se algo der errado, eu juro que..." "Eu sei," Mello o interrompeu, dando um meio sorriso. Ele não falava a palavra 'amor' de volta, mas o significado estava na forma como eles dependiam um do outro. "Eu vou apenas... andar. E pensar na lógica do ataque. E não vou me meter em briga. Eu sou apenas o batedor." Mello saiu do quarto de César, deslizando para o corredor escuro. As luzes de segurança no chão o guiavam. Ele desceu as escadas de mármore — devagar, sem fazer barulho. A casa parecia um labirinto noturno de sombras e silêncio. Mello gostava do silêncio. Era ali, na ausência de ruído, que a lógica dele funcionava melhor. Ele pensou na lógica do ataque. Três homens para distrair. Isso significava que a ameaça interna era provavelmente um ou dois para o 'trabalho sujo'. E tinha que ser alguém que soubesse sobre a falha de segurança no bunker. Traição, provavelmente. Mello chegou ao andar térreo, seguindo em direção à ala que levava à sala de segurança. Ele parou nos fundos de um longo corredor, onde sombras densas se acumulavam. Se fosse um traidor, ele estaria esperando por César, em um ponto onde a visibilidade era baixa, mas a rota de fuga era limpa. Mello parou perto de uma janela. Estava prestes a se comunicar com César quando ouviu um pequeno clique metálico vindo da frente, na direção da sala de segurança. Não era um tiro, mas o som frio de metal batendo. Mello se moveu silenciosamente, deslizando pelas sombras. Ele se escondeu atrás de uma coluna decorativa, o comunicador na mão. Ele viu. Um homem, vestido de preto, o rosto coberto por um balaclava. Não era um dos guardas habituais de César. Ele estava segurando uma pistola pesada e estava claramente esperando. Ele estava posicionado para pegar alguém que viesse da escada principal ou do corredor. E ele estava sozinho. Mello sorriu. Lógica ruim. Se ele estivesse sozinho, ele deveria ter bloqueado as duas rotas. Mello sussurrou no comunicador, mal movendo os lábios: "Um. Corredor principal da sala de segurança. Parece estar esperando. Não é um profissional." "Saia daí, Mello," a voz de César soou no fone, tensa. "Silêncio. Eu tenho a vantagem logística. Ele está olhando para o escuro. Eu estou olhando para ele." Mello viu que a arma do homem estava apontada para o chão, mas pronta. Ele estava claramente nervoso. Mello pegou uma pequena estatueta de cerâmica de uma mesa próxima. Não era pesada, mas faria barulho suficiente. Com um movimento rápido, ele jogou a estatueta na porta de entrada da sala adjacente. *CRASH!* O som ecoou na mansão silenciosa. O homem reagiu instintivamente, virando-se rapidamente em direção ao barulho, hesitando por um segundo crucial. Mello não perdeu tempo. Em três passos rápidos, ele estava atrás do homem. Ele não era forte, mas era rápido. Ele usou o braço em volta do pescoço do homem, sufocando-o e o jogando para trás contra a parede. O homem soltou um grunhido, a arma caiu no chão. O choque de ter sido atacado pelas costas pelo que parecia uma sombra o desorientou. Mello o pressionou com todo o seu peso magro. "Quem te mandou?" Mello sibilou em russo, a língua que César o obrigara a aprender. O homem se debateu, mas Mello era surpreendentemente forte quando a adrenalina estava envolvida. Em um ano e meio, ele não só tinha ficado sóbrio, mas também tinha treinado. Não para lutar, mas para sobreviver. "Não consigo respirar—" "Apenas um nome," Mello exigiu. "P-Pai de César—" Antes que Mello pudesse terminar de processar o choque da informação, ele foi empurrado violentamente. O homem, em um último esforço, conseguiu jogá-lo contra o chão. A cabeça de Mello bateu levemente. O homem se levantou, mas antes que pudesse pegar a arma, César estava lá. César não estava atirando. Ele estava usando táticas de neutralização. Em um movimento rápido e brutal, César estava sobre o traidor, desarmando-o com um chute e, em seguida, uma pancada precisa que o apagou. O cofre estava aberto e César usava seu casaco preto, as armas estavam com ele, mas ele se concentrou em Mello. "Você está ferido?" César perguntou, sua voz voltando ao tom normal, mas o tremor da preocupação ainda ali. "Não," Mello ofegou, levantando-se. Ele olhou para o homem inconsciente. "Seu pai. Foi ele que mandou. Ele disse." César não pareceu surpreso. Apenas frio. Ele olhou para o corpo inconsciente, depois para Mello. "Limpe-se. Nós vamos embora agora. Acordar os guardas externos. Foi uma tentativa de infiltração. Sua lógica estava correta." Mello assentiu. Logística. Sobrevivência. Algumas horas depois, eles estavam no ar. No jato particular que César mantinha em prontidão perto da cidade. Mello estava enrolado no pijama de seda, tomando chocolate quente (exigência logística para Mello em caso de emergência), enquanto César falava em russo baixo com seus seguranças leais. "Próximo local?" Mello perguntou, quando César terminou a ligação. "Um velho bunker na Islândia. Ninguém pensa em Islândia," César disse, voltando-se para ele e sorrindo. O sorriso de sempre, o que César só reservava para Mello. "Você salvou minha vida de novo, Mello." "Não havia lógica em esperar. Ele estava sozinho. E os curativos," Mello respondeu, erguendo o copo de chocolate. "Eu te protejo dos curativos." A vida continuou. Seis meses se passaram. Mais casas, mais códigos, mais jantares. Mello teve tempo de usar sua jaqueta de chinchila algumas vezes e aprendeu que amava caviar. Um dia, eles estavam em uma nova casa, dessa vez na Espanha, à beira da praia, em uma villa que parecia ter sido projetada para ser destruída em um filme de James Bond. César estava trabalhando no escritório, Mello estava deitado na rede na varanda, jogando um joguinho bobo no celular que César havia criptografado e turbinado. Mello estava pensando no quanto as coisas tinham mudado. Do beco, à abstinência, aos castelos. Ele teve que admitir, a vida com César era boa. Ele era mimado, respeitado e, surpreendentemente, necessário. Ele havia encontrado um propósito que o orfanato e seu vício nunca poderiam ter dado. Ele olhou para César, que estava focado no laptop. "Eu estava pensando," Mello disse, interrompendo o silêncio. "O Nate. Eu estava pensando nele de novo." César fechou o laptop. Ele sabia que quando Mello mencionava Nate, era sinal de que ele estava analisando seu próprio valor. "O que te fez pensar nele agora?" "Não sei. A praia. O sol. Me faz pensar na falta de sol no orfanato. Eu estava me perguntando de novo, se eu tivesse ficado, se eu teria sido melhor. Se eu teria chegado ao primeiro lugar, se eu tivesse tido a confiança que você disse que me faltava." César se recostou na cadeira e cruzou os braços musculosos. "Na época, Mello, era impossível. Você estava se afogando na necessidade de provar. Você estava se comparando constantemente, o que é o oposto de confiança." Mello assentiu. "Eu sei. Agora eu olho para trás... a criança de cinco anos me frustrava tanto. Eu o odiava, mas o respeitava pra caramba. Ele era simplesmente... inatingível." César sorriu, um sorriso de satisfação. "Você estava investindo em ser melhor que ele. Ele estava investindo em ser ele mesmo. Você estava tentando ser a versão 2.0 dele. Ele era a versão original." Mello riu, um som genuíno. "Sim. Eu sei. Falta de confiança. Você acertou." Mello assentiu.

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