Chapter 5: Território Neutro "Então," Mello disse lentamente, quebrando mais um pedaço de chocolate mesmo com as mãos visivelmente tremendo um pouco. "Nós entramos ou ficamos sentados aqui o dia todo?" César desligou o motor. A casa que apareceu entre as árvores era... não era o que Mello esperava. Nada era o que Mello esperava ultimamente, mas isso era diferente. Quando César tinha falado "uma casa", Mello imaginou algo pequeno, talvez uma cabana rústica de madeira com dois cômodos e móveis básicos. Isso não era uma casa. Era uma mansão. Não enorme, não do tipo ostentoso com colunas gregas e fontes, mas definitivamente uma mansão. Dois andares de madeira escura, janelas grandes cobertas por cortinas pesadas, varanda ampla circundando toda a frente. O tipo de lugar que pessoas ricas compravam para "escapar da cidade" mas nunca realmente usavam. Exceto que essa parecia... abandonada? Mello saiu do carro devagar, ainda segurando o chocolate. A madeira da casa estava desgastada, a tinta descascando em alguns lugares. Havia folhas acumuladas nos cantos da varanda, galhos caídos perto da entrada. Como se ninguém tivesse pisado ali em meses. "Você disse que tinha o básico," Mello comentou, olhando ao redor. A floresta fechava completamente em volta da propriedade, criando uma parede verde densa. "Isso não parece básico." César pegou a mochila do banco de trás. "Era da minha avó. Ela morreu há três anos." Passado. Família morta. Mello conhecia esse território — não fazer muitas perguntas sobre isso. Eles caminharam até a porta da frente. César tirou um chaveiro do bolso, escolhendo uma chave específica entre várias. A fechadura resistiu um pouco antes de ceder com um clique. A porta se abriu, rangendo levemente. E lá dentro... Merda. Por dentro, a casa era completamente diferente da aparência externa. Nada de abandono, nada de poeira ou móveis cobertos com lençóis brancos como em filmes. Tudo estava impecável. O chão era de madeira polida, brilhando sob a luz que entrava pelas janelas. Os móveis — sofá, poltronas, mesas — eram obviamente caros, todos em tons de cinza e preto, combinando perfeitamente. Havia quadros nas paredes, abstratos mas elegantes. Uma lareira grande dominava uma parede, lenha já empilhada ao lado. "Isso não está abandonado," Mello disse, entrando devagar. Seus passos ecoaram no espaço vazio. "Não." César fechou a porta atrás deles, trancando com dois ferrolhos diferentes. "Tenho alguém que vem limpar e manter tudo funcionando. Uma vez por mês." Claro. Porque César era rico. Obviamente rico, considerando as roupas formais caras, o carro sem graça mas bem mantido, agora isso. Mello tinha entendido que ele tinha dinheiro, mas isso era outro nível. "Faz sentido," Mello murmurou, ainda olhando ao redor. A sala de estar abria para uma cozinha moderna, toda em aço inoxidável e mármore escuro. Havia uma escada no canto levando ao segundo andar. César colocou a mochila em uma mesa lateral. "Você pode se acomodar. Explorar se quiser." Sua voz soava diferente aqui — mais relaxada, talvez. Menos tensa. "Lá é um dos lugares mais seguros que a gente pode encontrar." Seguro. Essa palavra de novo. Mello estava começando a entender que segurança era conceito importante para César. Fazia sentido, considerando as tentativas de assassinato e cicatrizes. "Tem comida?" Mello perguntou, porque precisava de algo prático para focar. Toda a opulência estava fazendo sua cabeça girar um pouco. "Sim. A pessoa que vem limpar também reabastecer o básico. Congelados, enlatados, algumas coisas frescas." César gesticulou para a cozinha. "Ajuda-se à vontade." Mello acenou, mas não se moveu em direção à cozinha. Ainda estava processando. Casa enorme, isolada, cheia de luxo mas escondida como se não devesse existir. E ele estava aqui, usando camisa emprestada que ficava enorme, com restos de chocolate nas mãos, seguindo um completo estranho. Completamente louco. Tudo isso era completamente louco. "Vem," César disse, indo em direção às escadas. "Vou te mostrar onde você pode ficar." Mello o seguiu, subindo os degraus de madeira. O segundo andar tinha um corredor longo com várias portas de cada lado. César passou por três antes de parar em uma à esquerda. Abriu a porta. E Mello... não esperava isso. O quarto era simplesmente incrível. Grande, com uma cama king size no centro coberta por edredom cinza escuro. Havia uma escrivaninha de madeira perto da janela, estantes vazias contra uma parede, um armário embutido que provavelmente era maior que alguns apartamentos. Tudo limpo, tudo organizado, tudo em tons neutros. Exceto as paredes. As paredes eram rosa. Não rosa choque, não rosa bebê, mas rosa mesmo assim. Um rosa suave, quase salmão, que cobria todas as quatro paredes e contrastava estranhamente com os móveis escuros. Mello odiava rosa. "Eu sei," César disse, claramente notando a expressão de Mello. "As paredes. Minha avó gostava dessa cor." "É... diferente," Mello conseguiu dizer. Não era mentira. Era definitivamente diferente de qualquer quarto que ele já tinha visto. "Posso mandar pintar se você—" "Não." Mello entrou no quarto, olhando ao redor. Rosa ou não, era melhor que qualquer lugar onde ele tinha dormido nos últimos meses. Melhor que os beliches apertados do orfanato, melhor que becos e bancos de praça. "Está bom. Sério." César ficou na porta, observando enquanto Mello explorava. Havia um banheiro privativo — claro que havia — com chuveiro e banheira, tudo em mármore branco. Toalhas limpas empilhadas perfeitamente. "A vida dela não era toda perigo," César disse de repente. Mello virou, confuso. "O quê?" "Minha avó." César estava olhando para o quarto, mas seus olhos pareciam distantes. "Ela tentou me proteger quando era criança. Me trazia aqui nas férias, longe de tudo. Mas..." Ele pausou. "Não funcionou completamente. Minha família sempre encontrava formas de me alcançar." Mello não sabia o que dizer a isso. Então ficou quieto, esperando. "A vida dela não era toda perigo," César continuou, voz mais baixa agora. "Mas a minha é. Então a gente tem que ter uma segurança um pouco maior. Caso tentem me sequestrar, matar, e etc." E lá estava. A confirmação casual de que a vida de César era exatamente tão perigosa quanto parecia. Sequestros, assassinatos, não eram conceitos abstratos para ele — eram possibilidades reais. Mello deveria estar assustado. Deveria estar planejando como escapar, como voltar para a cidade, como se afastar dessa loucura toda. Mas estranhamente, não estava. Talvez porque sua própria vida já era um desastre. Talvez porque perigo externo fosse menos aterrorizante que o perigo interno que ele carregava — vício, autodestruição, aquela voz constante dizendo que ele nunca seria bom o suficiente. "Entendo," Mello disse, porque entendia. Não completamente, não os detalhes, mas o conceito. Viver sempre olhando por cima do ombro. Nunca relaxar totalmente. César acenou, algo como alívio passando pelo rosto. Como se ele esperasse julgamento ou medo, e estava aliviado por não receber nenhum dos dois. "Vou te deixar se acomodar," ele disse, já virando para sair. "Meu quarto é o último no corredor, se precisar de algo." "César." Ele parou, olhando de volta. Mello não tinha certeza do que queria dizer. Obrigado, talvez. Ou uma pergunta sobre o que acontecia agora. Mas as palavras não vieram, então ele apenas acenou. César acenou de volta. Então saiu, fechando a porta suavemente atrás de si. Silêncio. Mello ficou parado no meio do quarto rosa por um longo momento. Apenas... processando. Tudo. A viagem, a casa, a situação toda. Então suas pernas começaram a tremer. Não muito. Apenas o suficiente para notar. Ele foi até a cama, sentando na beira. O edredom era macio, caro. O tipo de qualidade que você não encontrava em orfanatos. As mãos dele tremiam também agora. Mello olhou para elas, vendo o tremor se intensificar lentamente. Ah. Merda. Ele conhecia isso. Reconhecia os sinais. Corpo começando a reclamar da falta da droga, sistema nervoso entrando em protesto. Não tinha usado muito tempo o suficiente para a dependência ser severa, mas tinha usado o suficiente que parar bruscamente causaria... desconforto. Para dizer o mínimo. Mello fechou os olhos, respirando fundo. Tentando acalmar o tremor através de força de vontade pura, o que obviamente não funcionava. Biologia não ligava para determinação. Suor começou a formar na testa. Não muito, ainda. Mas estava vindo. Quanto tempo tinha passado desde a última dose? Vinte e quatro horas? Mais? O tempo estava confuso na cabeça dele. O beco, acordar no apartamento de César, café da manhã, a viagem... tudo misturado em uma linha temporal nebulosa. Mas tinha sido tempo suficiente que seu corpo estava começando a notar a ausência. Náusea chegou em seguida. Sutil no começo, apenas um desconforto no estômago. Mas crescendo, se espalhando. Mello se levantou rapidamente, indo para o banheiro. Chegou ao vaso sanitário justo a tempo. O chocolate que ele tinha comido no carro voltou. Junto com qualquer coisa que ainda estava no estômago dele desde o café da manhã. Seu corpo se contraindo violentamente, rejeitando tudo. Quando finalmente parou, Mello estava suando completamente. Tremendo mais forte agora. Ele se sentou no chão frio do banheiro, encostando na parede. Abstinência. Claro. Porque sua vida não podia ser simples. Não podia apenas aceitar uma oferta de ajuda e seguir em frente. Tinha que haver consequências físicas para escolhas passadas. Segundo lugar até nisso — não conseguia nem ser viciado direito o suficiente para a abstinência ser rápida. Ia ser dias disso. Talvez uma semana. Tremores, náusea, suor, possíveis alucinações se ficasse ruim o suficiente. Ótimo. Perfeito. Mello fechou os olhos, deixando a cabeça cair para trás contra a parede. O mármore estava frio na nuca, ajudando um pouco com o calor que começava a tomar conta do corpo dele. Deveria ter pensado nisso antes. Deveria ter considerado que aceitar vir para o meio do nada significava não ter acesso a nada. Nem drogas, nem distrações, nada exceto ele mesmo e as consequências das próprias escolhas. Mas talvez fosse isso. Talvez fosse necessário. Enfrentar isso de uma vez, ao invés de arrastar e usar de novo quando ficasse difícil demais. Pensamento bonito. Muito nobre. Não fazia o estômago dele revirar menos. Mello não sabia quanto tempo passou sentado ali. Podiam ser minutos, podiam ser horas. O tempo estava estranho, distorcido. Sua percepção pulando entre hiper-consciente de cada segundo e completamente perdido. Eventualmente, ele conseguiu se levantar. Tremendo, sim, mas de pé. Foi até a pia, lavando o rosto com água fria. Enxaguando a boca, tentando tirar o gosto de bile. O reflexo no espelho mostrava exatamente o que ele esperava — pele pálida demais, olhos vidrados, cabelo grudado na testa por suor. Lindo. Absolutamente apresentável. Precisava de água. Líquidos. Seu corpo estava desidratando com o suor e vômito. Mello saiu do banheiro, atravessando o quarto em direção à porta. O corredor estava quieto. Nenhum som vindo de nenhum dos quartos. César devia estar no dele, no final do corredor, fazendo... o que quer que ele fizesse. Mello não fazia ideia. Descer as escadas foi mais difícil que deveria ser. Suas pernas não queriam cooperar completamente, tremendo a cada passo. Ele segurou no corrimão com força, focando em não cair. A cozinha estava vazia quando chegou lá. Silenciosa exceto pelo zumbido baixo da geladeira. Mello abriu armários até encontrar copos, enchendo um com água da torneira. Bebeu devagar. Muito rápido e ia voltar tudo. Pequenos goles, deixando o líquido assentar antes de continuar. Ajudou. Um pouco. O suficiente para pensar mais claramente. Ele precisava de um plano. Não podia apenas... existir aqui sem direção. Precisava de algo, algum objetivo além de "sobreviver à abstinência e não enlouquecer." Mas toda vez que tentava pensar além do momento imediato, sua mente ficava em branco. Futuro era conceito abstrato demais. Tudo que existia era agora — tremores, náusea, o gosto de água fresca na boca. "Você está bem?" Mello pulou, quase derrubando o copo. Virou rápido demais, fazendo sua cabeça rodar. César estava na entrada da cozinha. Ainda com as mesmas roupas, mas tinha tirado o paletó. Mangas da camisa branca dobradas até os cotovelos, revelando antebraços pálidos e musculosos. "Sim," Mello mentiu automaticamente. "Só vim pegar água." César não pareceu convencido. Seus olhos — vermelhos, Mello notou de novo, definitivamente vermelhos por ser albino — percorreram Mello de cima a baixo. Avaliando. Analisando. "Você está suando," ele observou. "Está quente." "Não está." César deu um passo para mais perto. Não ameaçador, mas deliberado. "A temperatura aqui é controlada. Dezenove graus constante." Claro que era. Porque essa casa tinha tudo. Mello não disse nada. Apenas segurou o copo com as duas mãos, tentando esconder o tremor. Não funcionou — água balançava levemente na superfície, revelando tudo. "Abstinência," César disse. Não era pergunta. Não adiantava negar. "Sim." "Quanto tempo desde a última dose?" "Não sei. Um dia? Mais ou menos." Mello tomou outro gole de água. "Não foi por tempo suficiente para ser ruim. Só... desconfortável." Outra mentira. Ou meia-verdade. Ia ficar ruim eventualmente, mas talvez não tão ruim quanto poderia. Ele tinha usado pesado por algumas semanas, mas não meses. Não anos. Ainda havia chance do corpo se recuperar sem danos permanentes. Esperava. César ficou quieto por um momento. Então: "Tem algo que eu possa fazer?" "Não." Mello riu, sem humor. "A menos que você tenha morfina ou algo escondido em algum lugar, não há muito a fazer além de esperar passar." "Eu tenho analgésicos. Para dor." "Não vai ajudar com isso." Mas era... gentil da parte dele oferecer. Estranho, considerando tudo, mas gentil. "Obrigado mesmo assim." César acenou. Depois foi até a geladeira, abrindo e examinando o conteúdo. Pegou uma garrafa de água, abrindo e bebendo. Mello observou sem realmente pensar nisso. Havia algo quase... normal nisso. Dois adolescentes em uma cozinha, um bebendo água. Como se fossem pessoas comuns em situação comum. Exceto que nada sobre isso era comum. "Você deveria comer algo," César disse eventualmente. "Mesmo que seja difícil. Manter o estômago completamente vazio vai piorar." Lógico. Claro. Mas a ideia de comida fazia o estômago de Mello revirar. "Talvez mais tarde," ele conseguiu dizer. "Quando quiser." César fechou a garrafa, colocando de volta na geladeira. "Vou fazer algo leve daqui a pouco. Sopa, talvez. Você come se quiser." Sopa. Mello podia talvez lidar com sopa. Líquido, quente, fácil de digerir. "Ok," ele concordou. Silêncio caiu entre eles de novo. Não desconfortável exatamente, mas pesado. Cheio de coisas não ditas. Mello terminou a água, colocando o copo na pia. Suas mãos ainda tremiam, mas menos agora. Ou talvez ele estivesse apenas se acostumando com a sensação. "Vou voltar pro quarto," ele anunciou. Porque ficar aqui, sendo observado por César, estava fazendo algo estranho no peito dele. Uma mistura de desconforto e... outra coisa. Algo que ele não queria identificar. César acenou. "Grita se precisar de algo." Como se Mello fosse fazer isso. Como se ele fosse pedir ajuda quando mal conseguia admitir que precisava. Mas ele acenou de volta, saindo da cozinha. A subida das escadas foi tão difícil quanto a descida. Talvez pior, porque agora estava indo contra a gravidade. Mello teve que parar no meio, segurando o corrimão e respirando fundo até a tontura passar. Finalmente chegou ao quarto rosa. Fechou a porta, encostando nela por um momento. Seguro. César tinha dito que esse era um dos lugares mais seguros. Engraçado. Mello nunca tinha pensado muito sobre segurança antes. Sempre foi sobre ser melhor, ser primeiro, provar valor. Segurança era luxo que ele não podia considerar. Mas agora, nesse quarto com paredes rosa e móveis caros, isolado no meio da floresta com um estranho albino que carregava armas... Agora ele estava começando a entender o apelo. Mello foi até a cama, deitando por cima do edredom. Não tinha energia para fazer mais que isso. Apenas deitar, olhar para o teto, sentir seu corpo tremer e suar e reclamar. Ia ser uma noite longa. Ou dia. Ele não tinha certeza que horas eram. Luz ainda entrava pela janela, mas filtrada pelas cortinas, deixando tudo em tons dourados suaves. Seus olhos começaram a ficar pesados. Exaustão tomando conta apesar do desconforto físico. Ou talvez por causa dele — corpo querendo desligar, escapar do sofrimento através do sono. Mello deixou acontecer. Fechou os olhos, afundando no colchão macio. A última coisa que processou antes de dormir foi o silêncio. Completo, absoluto. Sem sons de cidade, sem vozes de outras crianças no orfanato, sem nada. Apenas silêncio. E pela primeira vez em muito tempo, isso não parecia assustador. Parecia... quase como paz. Quando Mello acordou, estava escuro. Completamente escuro. Sem luz das janelas, sem nada. Apenas escuridão densa que fazia seus olhos doerem de tentar enxergar através dela. Pânico chegou primeiro. Onde ele estava? Por que estava tão escuro? Onde— Então memória voltou. Casa. Floresta. César. Certo. Mello se sentou devagar, esperando seus olhos ajustarem. Gradualmente, formas começaram a aparecer — o contorno da escrivaninha perto da janela, a porta do banheiro, a porta do quarto. Quanto tempo ele tinha dormido? Horas, obviamente. Tempo suficiente para o dia virar noite. Seu corpo ainda tremia. Talvez um pouco menos que antes, ou talvez ele estava apenas mais acostumado. Difícil dizer. Sede. Ele estava com muita sede. Boca seca, língua grudando no céu da boca. Precisava de mais água. Mello se levantou, caminhando devagar até a porta. Abriu com cuidado, tentando não fazer barulho. O corredor estava iluminado por luzes fracas no chão, provavelmente sensores de movimento. Suficiente para ver o caminho mas não ofuscante. Ele desceu as escadas de novo, segurando firme no corrimão. Na cozinha, encheu outro copo de água, bebendo em goles lentos. Melhor. Então notou a panela no fogão. Sopa. César tinha dito que ia fazer sopa. Mello levantou a tampa. Sim, sopa. Ainda morna, vapor subindo suavemente. Cheiro de frango e vegetais, simples mas apetitoso. Seu estômago revirou. Mas não em rejeição total. Mais como... consideração hesitante. Talvez um pouco. Ele encontrou uma tigela, servindo uma pequena porção. Pegou uma colher, sentando à mesa. O primeiro gole era arriscado. Mello esperou, sentindo o líquido quente descer, esperando seu estômago decidir se ia aceitar ou rejeitar. Aceitou. Ok. Progresso. Ele comeu devagar, colher por colher. Não muito, apenas o suficiente para ter algo no estômago. Seu corpo precisava disso, mesmo que não quisesse admitir. Estava no meio da tigela quando ouviu passos. César apareceu na entrada da cozinha. Ele tinha trocado de roupa — agora usava calça de moletom preta e camiseta branca simples. Cabelo ainda perfeitamente arrumado, porque aparentemente até em roupas casuais ele mantinha aquela aparência formal. "Você acordou," ele observou. "Sim." Mello tomou outra colherada de sopa. "Que horas são?" "Quase meia-noite." Então ele tinha dormido... seis horas? Sete? Tempo suficiente. "A sopa está boa," Mello disse, porque precisava preencher o silêncio com algo. "Obrigado." César acenou, vindo para mais perto. Encostou no balcão, observando Mello comer. Não era desconfortável exatamente, mas havia algo intenso no olhar dele. Como se ele estivesse estudando Mello, memorizando detalhes. "Você se sente melhor?" César perguntou. "Um pouco." Mentira generosa. Ele se sentia marginalmente menos terrível, o que tecnicamente contava como melhor. "Ainda uma merda, mas... sobrevivível." "Vai melhorar." "Você fala como se soubesse." "Conheço pessoas que passaram por isso." César cruzou os braços. "Leva tempo, mas melhora." Pessoas. Mello se perguntou que tipo de pessoas César conhecia, que tipo de vida ele tinha que abstinência de drogas era conhecimento familiar. Mas não perguntou. Não tinha energia para curiosidade agora. Terminou a sopa em silêncio. Levou a tigela até a pia, lavando rapidamente. "Você deveria voltar a dormir," César sugeriu. "Descanso ajuda." "Eu sei." Mas Mello não queria voltar para o quarto ainda. Algo sobre estar aqui embaixo, na cozinha iluminada, com outra pessoa por perto... era melhor que solidão. Mesmo que a outra pessoa fosse um estranho albino misterioso. "Posso... ficar aqui um pouco?" Mello perguntou, surpreendendo a si mesmo. "Só até... não sei. Até me sentir menos..." Ele não terminou. Não sabia como terminar. Menos sozinho, talvez. Menos como estava se desintegrando aos poucos. "Claro," César disse simplesmente. "Quer café? Ou chá?" "Chá." Mello não tinha bebido chá em... quanto tempo? Anos, provavelmente. Desde antes do orfanato focar apenas em eficiência e parar de oferecer luxos como variedade de bebidas. César começou a preparar água quente, pegando sachês de uma prateleira. Mello observou, sentindo algo estranho acontecer no peito. Isso era... doméstico. Normal. Como se fossem apenas duas pessoas dividindo espaço, fazendo chá tarde da noite. Como se tudo estivesse bem. Não estava, claro. Nada estava bem. Mello estava passando por abstinência, César estava fugindo de assassinos, eles estavam escondidos em uma mansão no meio do nada. Mas por um momento, apenas sentado ali na cozinha iluminada, esperando água ferver... Quase parecia que

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