Chapter 4: A Verdade Parcial "Então," ele disse, voz casual demais. "Qual seu nome verdadeiro?" César segurou o olhar azul. Não piscou, não desviou. "César." Mello inclinou a cabeça. "Sério? Você usa seu nome real como identidade falsa?" "Uso vários nomes. César é um deles." Não era mentira, tecnicamente. César *era* seu nome. O fato de também ser o nome que usava em documentos falsos apenas tornava tudo mais conveniente. "É mais fácil responder quando alguém chama." "Esperto." Mello tamborilou os dedos na mesa de novo, aquele ritmo nervoso que parecia acontecer quando ele estava processando informação. "E o sobrenome? Também real?" "Depende de qual você encontrou." Uma risada curta escapou de Mello. "Justo." Silêncio caiu entre eles novamente. César podia ver Mello pesando as palavras, decidindo o quanto empurrar. O garoto era curioso, isso estava claro. Mas também era cuidadoso à sua própria maneira — sabia quando parar de fazer perguntas que não queria realmente as respostas. César aproveitou o momento de silêncio para estudá-lo. Mello parecia menos pálido agora, menos frágil do que quando tinha acordado. Comida tinha ajudado, obviamente. Mas ainda havia aquelas sombras sob os olhos, aquela tensão constante nos ombros. "Onde você fica normalmente?" César perguntou, mudando o foco. "Quando não está em becos." Algo passou pelo rosto de Mello. Desconforto, talvez. "Por quê?" "Curiosidade." "Curiosidade." Mello repetiu a palavra como se não acreditasse nela. Mas depois de um momento, ele suspirou. "Um orfanato. Ou era. Tecnicamente ainda moro lá mas... não tenho ido muito." Orfanato. Isso explicava algumas coisas — a solidão, aquele comentário sobre segundo lugar. Competição entre crianças era sempre cruel, mas em lugares assim devia ser pior. Todos tentando se destacar, provar valor. "Quantos anos você tem?" César perguntou, embora pudesse estimar. Mello parecia jovem mas havia algo velho no olhar. "Quinze." A resposta veio rápida, quase defensiva. "Sei que pareço mais novo mas—" "Você não parece mais novo." César interrompeu. Não quando você olhava direito, quando via além da magreza e do cabelo bagunçado. Havia uma intensidade em Mello que não tinha nada a ver com idade. "Apenas... cansado." Mello fez uma careta. "Que fofo da sua parte." "Não quis dizer como ofensa." "Eu sei." Mello passou a mão pelo cabelo, fazendo os fios ficarem ainda mais selvagens. "É verdade de qualquer forma. Eu estou cansado." A admissão saiu quieta, quase relutante. Como se Mello não costumasse admitir fraqueza mas estava cansado demais para fingir agora. César entendeu esse sentimento melhor do que queria. "O orfanato," ele começou cuidadosamente. "Eles sabem onde você está?" "Provavelmente não. Provavelmente nem perceberam que sumi." Havia amargura na voz de Mello agora. "Não é como se alguém lá realmente se importasse. Contanto que apareça para as inspeções e não cause problemas, ninguém liga pra onde estou." César sentiu algo apertar no peito. Reconhecimento, talvez. Ele conhecia essa sensação — de ser tecnicamente cuidado mas emocionalmente abandonado. De ter teto e comida mas nenhuma conexão real. "Num lugar daquele," César disse devagar, "ninguém iria se importar se você sumisse." As palavras saíram mais duras do que ele pretendia. Viu Mello encolher ligeiramente, como se tivesse sido atingido. Merda. "Desculpa," César adicionou rapidamente. "Foi insensível." "Mas verdade." Mello olhou para a mesa, traçando padrões invisíveis na superfície com o dedo. "Ninguém ligaria mesmo. Segundo lugar nunca é essencial, não é? Sempre tem alguém melhor para ocupar o espaço." Lá estava de novo. Aquela fixação com ser segundo. César queria perguntar sobre isso, sobre quem era primeiro lugar, sobre o que tinha acontecido para deixar Mello tão quebrado por isso. Mas empurrar agora seria demais. Em vez disso, ele disse: "Tenho um lugar. Uma casa, um pouco isolada. Longe da cidade." Mello levantou a cabeça, olhos confusos. "O quê?" "Se você precisa de espaço para pensar, para... sair dessa situação." César gesticulou vagamente. "Nós poderíamos ir pra lá. É quieto. Seguro. Você teria tempo para descobrir o que fazer depois." Por um longo momento, Mello apenas olhou para ele. César podia ver o processamento acontecendo — analisando a oferta, procurando por armadilhas, tentando entender o ângulo. "Você está me convidando para ir ao meio do nada com você," Mello disse lentamente. "Um completo estranho que tem múltiplas identidades e armas." "Sim." "Você percebe como isso soa, certo?" "Percebo." "E ainda assim está oferecendo." "Estou." César manteve a voz firme, sem pressão. "Mas você não precisa aceitar. É só uma opção." Mello ficou em silêncio, olhar distante como se estivesse calculando probabilidades na cabeça. César imaginou que ele era o tipo de pessoa que fazia isso — analisava situações logicamente mesmo quando as emoções estavam envolvidas. "Por que você confia em mim?" Mello perguntou de repente. "Você me deixou sozinho no apartamento. Me deu comida. Agora está oferecendo levar para outro lugar." Ele inclinou a cabeça. "Eu poderia ser perigoso." A ironia quase fez César rir. Mello — magro, viciado, sem recursos — achando que era ele o perigo nessa equação. Quando César tinha treinamento de combate desde os cinco anos, tinha matado seu primeiro homem aos treze, carregava armas como segunda natureza. Mas ele não disse nada disso. "Você não é perigoso," César disse simplesmente. "Você não sabe isso." "Sei sim." Porque César tinha visto perigo a vida toda. Conhecia o olhar de alguém que queria machucá-lo, a linguagem corporal de um assassino, a tensão antes de um ataque. Mello não tinha nada disso. Tinha raiva, sim. Tristeza, definitivamente. Mas não havia malícia, não havia intenção de causar dano. "E se eu aceitar?" Mello perguntou, voz cuidadosa. "Ir pra essa casa no meio do nada com você. O que acontece depois?" "Você fica quanto tempo precisar. Decide o que quer fazer. Se quer voltar pro orfanato, se quer tentar outra coisa." César encolheu os ombros. "Eu não vou te prender lá. Você pode sair quando quiser." "Sem condições?" "Sem condições." Mello o estudou por mais um longo momento. Então, surpreendentemente, uma pequena risada escapou dele. "Isso é loucura. Você percebe isso, né? Tudo isso é completamente louco." "Sim." "Eu deveria dizer não. Deveria sair daqui e nunca olhar pra trás." Mas mesmo dizendo isso, Mello não se moveu. Continuou sentado, olhando para César com aqueles olhos azuis intensos. "Mas a verdade é que não tenho lugar melhor pra ir." César esperou. Não empurrou, não pressionou. Apenas deixou o silêncio se estender, dando espaço para Mello tomar a decisão. "E honestamente," Mello continuou, voz mais baixa agora, quase vulnerável. "Nada na minha vida poderia ser pior do que já é. Então... foda-se. Por que não?" Não era exatamente um sim entusiasmado. Mas era um sim. "Quando você quer ir?" César perguntou, mantendo o tom casual mesmo quando algo quente se espalhava no peito. Satisfação, talvez. Ou alívio de que Mello não estava saindo imediatamente. "Agora?" Mello olhou para baixo, para o próprio torso nu. "Ou talvez depois que eu encontrar uma camisa." Merda. César tinha esquecido completamente disso. "Tenho roupas que devem servir. Vou pegar." Ele se levantou, indo em direção ao quarto. Tinha algumas camisetas básicas guardadas — nada do estilo de Mello, mas pelo menos era algo limpo. Escolheu uma preta simples, sem estampa, e voltou para a sala. Mello pegou a camisa, segurando o tecido entre os dedos como se estivesse avaliando. "Vai ficar grande." "Melhor que nada." "Verdade." Mello vestiu a camisa, e sim, ficou grande. Os ombros caíam muito além dos dele, o comprimento chegava quase até meio da coxa. Mas era limpo e cobria a pele. César teve que forçar os olhos para longe. Havia algo sobre ver Mello usando suas roupas que fazia sensações estranhas mexerem no estômago dele. "Precisamos levar algo?" Mello perguntou, ajeitando a camisa. "Comida, suprimentos?" "A casa tem o básico. Mas posso comprar coisas no caminho se precisar." César já estava mentalmente listando o que levar — a Glock definitivamente, dinheiro, documentos de identificação, o celular descartável que usava para emergências. "Você tem algo que precisa pegar do orfanato?" Mello pausou. Pensou por um momento. "Não. Nada que seja importante o suficiente." Essa resposta dizia muito. Quinze anos de vida e nada valia a pena voltar para buscar. "Então podemos ir agora," César disse. "Se você estiver pronto." "Pronto quanto vou estar." Mello se levantou da cadeira, então vacilou ligeiramente. A mão dele foi para a mesa, se equilibrando. César estava ao lado dele em segundos, mão no cotovelo de Mello para estabilizá-lo. "Você tá bem?" "Só tontura. Ainda... processando tudo." Mas Mello não puxou o braço. Deixou César segurá-lo, o que era significativo considerando como ele tinha reagido de manhã. "Podemos esperar se você—" "Não." Mello endireitou os ombros, determinação voltando para a expressão. "Quanto mais cedo sairmos daqui, melhor. Antes que eu perca a coragem e perceba que isso é uma ideia terrível." Justo. César foi até o quarto rapidamente, pegando uma mochila pequena. Colocou itens essenciais dentro — a arma extra, munição, dinheiro em várias moedas, dois passaportes falsos diferentes, um kit de primeiros socorros. Hábito de sempre estar preparado para fugir às pressas. Quando voltou para a sala, Mello estava na janela, olhando para a rua lá embaixo. A luz da manhã iluminava o perfil dele, destacando a cicatriz no lado esquerdo do rosto. "Pronto," César disse. Mello virou, olhos indo para a mochila. "Leve." "Não preciso de muito." Eles saíram do apartamento em silêncio. César trancou a porta cuidadosamente, verificando duas vezes. Esse era um dos seus lugares seguros — ele voltaria eventualmente, quando as coisas se acalmassem com a família. Se acalmassem. As escadas rangeram sob seus pés enquanto desciam. O prédio era velho, o tipo de lugar onde ninguém fazia perguntas sobre os vizinhos. Perfeito para desaparecer. Lá fora, o ar da manhã estava fresco. Moscou em início de outono tinha essa qualidade — ainda não estava completamente frio, mas você podia sentir o inverno se aproximando. César guiou Mello por ruas laterais, evitando as principais. "Temos carro?" Mello perguntou, tendo que alongar os passos para acompanhar o ritmo de César. "Alguns quarteirões daqui." O carro era um sedan preto sem graça, o tipo que se misturava em qualquer lugar. César tinha três veículos diferentes estacionados em pontos estratégicos pela cidade. Esse era o mais próximo. Ele destrancou as portas, jogando a mochila no banco de trás. Mello hesitou apenas um segundo antes de entrar no lado do passageiro. César ligou o motor, ouvindo o ronronar suave. Tudo funcionando normal. Ele checou os espelhos — hábito constante — e puxou para a rua. Por um tempo, eles dirigiram em silêncio. A cidade passou pelas janelas, prédios gradualmente dando lugar a áreas mais residenciais conforme se afastavam do centro. "Quanto tempo até chegarmos?" Mello perguntou eventualmente. "Algumas horas." A casa ficava bem fora de Moscou, em área florestal. Isolada o suficiente que vizinhos não eram problema. "Tem paradas no caminho se você precisar." Mello apenas acenou com a cabeça, olhando pela janela. César podia ver a tensão ainda presente nos ombros dele, a forma como os dedos tamborilavam no próprio joelho. "Você pode dormir se quiser," César ofereceu. "Vou te acordar quando chegarmos." "Não estou com sono." Mentira óbvia, mas César não discutiu. Se Mello não confiava o suficiente para dormir vulnerável no carro, era compreensível. Mais silêncio. A estrada se esticava à frente, relativamente vazia nessa hora da manhã. César manteve velocidade constante — rápido o suficiente para fazer progresso, devagar o suficiente para não chamar atenção. "Você faz isso sempre?" Mello perguntou de repente. "Fazer o quê?" "Resgatar viciados aleatórios de becos e levá-los para casas secretas." Havia humor seco na voz, mas também genuína curiosidade. "Não," César admitiu. "Você é o primeiro." "Sortudo eu." "Talvez." César manteve os olhos na estrada. "Ou talvez eu seja o sortudo." Podia sentir o olhar de Mello nele, aqueles olhos azuis estudando o perfil dele. "Você é estranho, sabia?" "Me falaram isso antes." "Aposto que sim." Mello se acomodou mais no banco, finalmente relaxando um pouco. "Russo rico, albino, com complexo de herói. Deve ser popular nas festas." César quase sorriu. Quase. "Não vou em festas." "Por que não? Medo de ser assassinado?" Humor negro. César estava começando a entender que era como Mello lidava com coisas — fazendo piadas sobre situações sérias, mantendo distância através de sarcasmo. "Algo assim," ele respondeu. Mello fez um som que poderia ser risada ou apenas exalação. Então, mais quieto: "Obrigado. Por isso. Seja lá o que isso for." "Não precisa agradecer." "Eu sei. Mas..." Mello pausou, procurando palavras. "Ninguém nunca... você é a primeira pessoa que não me tratou como problema ou decepção ou... segundo lugar." Lá estava de novo. Esse conceito que claramente definia tanto da autoimagem de Mello. "Você não é segundo lugar," César disse firmemente. "Não pra mim." Silêncio. Então, tão baixo que César quase não ouviu: "Não me conhece o suficiente pra dizer isso." "Conheço o suficiente." Não conhecia, realmente. Algumas horas, uma conversa em um beco, café da manhã juntos. Tecnicamente nada. Mas César tinha passado a vida toda lendo pessoas — procurando por traição, por mentiras, por perigo. E Mello... Mello era diferente de todos que ele já tinha conhecido. Genuíno. Quebrado, sim, mas genuíno. Sem máscaras, sem jogos. Apenas honestidade crua e dor não escondida. "Para," Mello disse de repente. César pisou no freio instintivamente, olhando ao redor para ameaças. "O quê?" "Não no carro, idiota. Para de..." Mello gesticulou frustrado. "Para de ser tão... assim." "Assim como?" "Legal. Atencioso. Como se você realmente se importasse." Havia frustração real na voz agora. "Você não me conhece. Não tem razão para se importar. Então para de agir como tem." César entendeu então. Mello não estava acostumado com bondade. Não confiava nela. Estava esperando pela pegadinha, pelo momento em que César revelaria motivos ocultos. "E se eu realmente me importo?" César perguntou. "Por quê? Por que você se importaria?" O silêncio que seguiu era pesado. César podia sentir o peso do olhar de Mello, processando essas palavras. Mas sua mão tinha parado de tamborilar no joelho. Eles dirigiram por mais uma hora antes que César decidisse parar. Uma loja de conveniência pequena na estrada, sem movimento. "Vou comprar algumas coisas," ele disse, estacionando. "Você quer ficar ou entrar?" Mello olhou para a loja, então para César. "Vou entrar. Preciso esticar as pernas de qualquer forma." Eles saíram do carro juntos. O ar aqui era mais limpo, sem o cheiro de cidade. Árvores começavam a aparecer mais frequentemente na beira da estrada. Dentro da loja, César pegou o básico — água, alguns snacks, pão fresco. Mello vagou pelos corredores, dedos deslizando sobre produtos sem realmente focar em nada. Até que parou na seção de doces. César observou discretamente enquanto Mello pegava uma barra de chocolate. Virou ela nas mãos, lendo o rótulo com atenção incomum para algo tão simples. "Pega," César disse, se aproximando. "O que quiser." Mello olhou para ele, então para o chocolate. "Não preciso—" "Eu sei." César pegou duas barras adicionais da prateleira. "Mas pega mesmo assim." Por um momento, pareceu que Mello ia discutir. Então algo no rosto dele mudou — aceitação, talvez, ou apenas cansaço de lutar contra bondade. Ele segurou o chocolate. "Obrigado," ele murmurou. Pagaram e voltaram para o carro. Mello abriu o chocolate imediatamente, quebrando um pedaço e colocando na boca. Seus olhos se fecharam, expressão relaxando de forma que César não tinha visto antes. "Bom?" César perguntou, ligando o motor de novo. "Sim." Mello quebrou outro pedaço. "Muito tempo desde..." Ele não terminou a frase. Não precisava. Muito tempo desde que tinha comida normal, coisas simples que faziam a vida tolerável. Eles voltaram para a estrada. A floresta estava ficando mais densa agora, árvores apertando em ambos os lados. A casa ficava no final de uma estrada de terra, escondida entre pinheiros. "É isolado," César avisou. "Bem isolado." "Ótimo." Mello estava no terceiro pedaço de chocolate. "Isolado é bom." Mais quinze minutos e César virou em uma trilha quase invisível. O sedan balançou sobre buracos e raízes, mas era durável o suficiente. E então lá estava. A casa apareceu entre as árvores — pequena, madeira escura, janelas cobertas. César parou o carro na frente. Olhou para Mello, tentando avaliar a reação. Mello estava olhando para a casa com expressão indecifrável. "É realmente no meio do nada." "Sim." "Ninguém sabe que você tem esse lugar?" "Ninguém." Mello finalmente olhou para ele. Havia algo naqueles olhos azuis agora — não medo exatamente, mas reconhecimento da situação. Ele estava completamente à mercê de César aqui. Não tinha carro, não conhecia o caminho de volta, não tinha como pedir ajuda. Confiança completa ou loucura completa. Talvez ambos. "Então," Mello disse lentamente, quebrando mais um pedaço de chocolate mesmo com as mãos visivelmente tremendo um pouco. "Nós entramos ou ficamos sentados aqui o dia todo?" César desligou o motor.

Comments (0)

No comments yet. Be the first to share your thoughts!

Sign In

Please sign in to continue.