Capítulo 13: O Doce Roubado Matt permaneceu em pé perto de sua mesa de trabalho, o cheiro persistente de graxa misturando-se agora com um leve aroma de comida caseira que vinha da cozinha, cortesia de Vlad. O papel esfarrapado em sua mão continha as primeiras anotações de seu plano destrutivo contra Mello e César. A adrenalina da negociação com Vlad ainda fervilhava em suas veias, mas era um tipo de energia fria, puramente intelectual. Não era a satisfação bruta de um ataque físico, mas a promessa de um xadrez perfeito. Ele olhou para o caderno, e a visão do plano detalhado se desfez ligeiramente, substituída por uma memória antiga, um fragmento de ressentimento infantil que ele jamais havia conseguido descartar. A obsessão pelo topo da cadeia, o número um, era uma ferida que nunca fechava, e a imagem de Mello sempre fora o catalisador para essa dor. A garagem estava silenciosa agora, exceto pelo clique metálico ocasional vindo de Vlad na cozinha. Matt fechou os olhos por um momento, e tudo voltou. O orfanato. O cheiro de cera de chão e sopa aguada. Ele e Mello, crianças pequenas, sete ou talvez oito anos. Mello, com seus olhos azuis intensos, já demonstrando aquela determinação teimosa que o acompanhava até hoje, embora na época fosse apenas teimosia ingênua. O evento era trivial, mas para Matt, na hierarquia sufocante do orfanato, cada detalhe era uma traição. Era o aniversário de Matt. No orfanato, os aniversários eram eventos mínimos. A regra era clara: uma guloseima singular, algo que durasse, um momento de posse absoluta em um ambiente compartilhado. Matt havia guardado o seu doce por horas, uma bala de caramelo com recheio de chocolate que prometia uma explosão de sabor lenta. Ele a tinha colocado cuidadosamente sob seu travesseiro, sob o peso de seu corpo quando estava na aula obrigatória de lógica do Padre Thomas. Quando Matt voltou, o doce tinha sumido. A ausência não era apenas material; era uma declaração de que sua posse não era segura. Ele procurou pelo quarto, a frustração crescendo em um nó apertado no estômago. Mello estava sentado em um canto, rabiscando equações em um pedaço de papel descartado, uma expressão de concentração forçada no rosto. Matt aproximou-se lentamente, o coração batendo forte. Ele sentiu a injustiça antes mesmo de ter a prova. “Onde está?” Matt perguntou, a voz baixa, mas afiada como vidro quebrado. Mello levantou a cabeça, os olhos se arregalando levemente, mas ele rapidamente recompôs sua máscara de indiferença infantil. “Onde está o quê, Matt? Eu estou ocupado.” “O doce,” Matt insistiu, plantando-se em frente a ele. “O meu doce. Eu sei que você pegou. Você comeu tudo, não foi?” Mello hesitou. Era a Hesitação que acendia a fúria em Matt. Em vez de negar ou admitir, Mello simplesmente fixou o olhar em Matt, esperando que ele desistisse. “Não sei do que você está falando,” Mello murmurou, voltando a desenhar. Matt sentiu o calor subir pelo pescoço, ignorando a presença das outras crianças que começavam a observar a cena, como sempre faziam antes de se afastarem para não se envolverem na "fúria de Matt". “Você é um mentiroso,” Matt sibilou. Ele não queria apenas o doce de volta; ele queria a admissão, a derrota de Mello. “Você viu que eu guardei. Você viu que era *meu*. E você comeu.” Foi então que Mello quebrou. Não houve confissão, mas um chiado de pânico nos olhos, e uma gota salgada escorreu de seu olho direito. Ele começou a chorar, um choro alto e descontrolado, típico da frustração de Mello quando confrontado com uma verdade que ele não conseguia desviar com lógica. Matt observou o pranto, e a visão não trouxe satisfação, mas uma exacerbação da raiva. Não era justo. Mello estava chorando, transformando-se na vítima. Matt olhou ao redor da área de brincadeiras. Outras crianças estavam jogando bola, mas algumas se voltaram para a cena, curiosas. Ele apontou o dedo indicador, grosso e acusador, direto para o rosto de Mello, forçando-o a olhar para cima através das lágrimas. “Olha só para isso!” A voz de Matt era penetrante, projetada para que todos ouvissem a hipocrisia. “Ele rouba o meu doce, a única coisa que eu tinha de bom, e agora está chorando! Eu que deveria estar chorando! Eu tenho que esperar mais um ano inteiro para ter algo assim de novo, e ele simplesmente comeu, e agora ele está sendo o coitado!” O comentário atingiu o alvo. As crianças presentes olharam para Mello, que soluçava mais alto, agora envergonhado pela exposição. Para eles, Mello chorando era uma derrota maior do que o roubo em si. O dia terminou com Mello recebendo um castigo severo — provavelmente dias sem sobremesa, uma punição cruel para quem apreciava pequenos prazeres. Matt, que era o que havia sido roubado, não recebeu consolo, mas sim um sermão sobre como "não cuidar de suas posses". A lembrança mais vívida, contudo, não era nem o choro de Mello, nem o castigo. Era o final daquele dia. Enquanto Mello era levado para o canto de reflexão, ele se virou, os olhos vermelhos de raiva contida, e apontou o dedo indicador diretamente para a testa de Matt. Não era um choro, era uma promessa silenciosa codificada no gesto. Um ou dois anos depois, a dinâmica se repetia, mas com um protagonista diferente. Eles estavam no pátio principal. Uma garota, Jenny, notoriamente invejosa da inteligência de Mello, estava brigando com outra criança por causa de um livro de diagramas de física que Mello havia deixado acessível. Jenny, sentindo-se inferior a todos, mas impulsionada pela necessidade de dominar alguém, havia rasgado uma página. Quando a vítima começou a chorar, Jenny fez o gesto exato que Mello havia feito a Matt. O dedo indicador apontado furiosamente para o rosto envergonhado da outra criança, com a mesma acusação não dita: *Você é o culpado.* Matt observava de longe, processando a cópia. A lógica era fria: o gesto, a projeção da culpa, a inversão de papéis. Mas o momento crucial veio quando um dos monitores, cansado das constantes pequenas disputas territoriais que definiram a convivência no orfanato, gritou, frustrado com o ciclo interminável de ressentimento entre os prodígios. “Parem com isso! Mello, espere seu aniversário! Jenny, você não pode simplesmente tirar as coisas dos outros!” O monitor gritou, mas então, olhando para a intensidade dos olhares infantis, adicionou, quase como um lamento sobre a natureza dos superdotados: “Ninguém é melhor do que o original!” “Original.” A palavra ressoou na mente de Matt. Ele era o original em sentir essa injustiça profunda, a ser o segundo lugar, o que sempre perdia o ponto de posse, não por defeito de inteligência, mas por falha social ou emocional. A memória daquele dia, quando ele forçou Mello ao choro, era a sua única vitória singular não contestada. A partir dali, Matt ganhou a fama de encrenqueiro, aquele que causava brigas, aquele que era desprezado pelas outras crianças que viam apenas a agressão, nunca a racionalização por trás dela. Esse era o núcleo de sua disputa com Mello: Mello era a personificação do sucesso natural, aquele que simplesmente *era* o melhor, enquanto Matt tinha que lutar contra todos, inclusive contra a memória de ter sido o único a fazer Mello chorar. E agora, Matt estava prestes a orquestrar a maior queda de Mello possível, garantindo que ele perdesse não para Nate, mas para a complexidade da própria realidade. Matt abriu os olhos. A imagem do parque, o dedo apontado, o choro, o grito sobre o "original"—tudo cristalizado em seu núcleo de ressentimento—desapareceu tão rapidamente quanto chegou, substituído pela realidade pragmática da garagem escura e o cheiro de pizza fria que ele devia ter comido. A menção à música "Madness Return" havia sido um passe de mágica para expulsar as sombras. Ele estava de volta ao presente. Vlad havia saído da cozinha, trazendo consigo uma pequena caixa de papelão embrulhada em guardanapos. Ele parecia satisfeito. Vlad colocou a caixa sobre a mesa de trabalho de Matt, cuidadosamente ao lado dos diagramas da bomba, protegendo-os dos respingos de gordura que ele havia espalhado inadvertidamente ao manusear o alimento. “Eu não sei o que você come normalmente, Matt, mas esse macarrão instantâneo de queijo… é uma arte primitiva,” Vlad comentou, esfregando as mãos com um sorriso satisfeito. Ele parecia genuinamente relaxado, algo raro em um homem que carregava o peso de um império e acabara de assinar um acordo com um gênio recluso e potencialmente volátil. “Agradeço a hospitalidade, mesmo que tenha sido breve e cheia de ameaças veladas. A comida estava excelente, pelos padrões do que se encontra em um beco ou em uma garagem como esta.” Matt inclinou a cabeça, avaliando a caixa. Não era um presente suntuoso, mas era um gesto de reciprocidade que Vlad, mesmo sendo um mafioso, parecia entender ser necessário após fechar um acordo tão custoso em termos de autonomia. “Você comeu o que sobrou do meu jantar,” Matt observou, sem emoção no tom, mas com um leve reconhecimento de que o ciclo de dar e receber fora estabelecido, mesmo que de maneira desigual. “Nenhuma bomba de isótopos reais foi acionada na sua presença. Um bom sinal.” “E você se manteve firme no seu preço,” Vlad rebateu, fixando aqueles olhos escuros em Matt. “Você não aceitou migalhas. Gosto disso. É por isso que Sasha perdeu você, e por isso César se beneficiará do meu acesso enquanto destrói o império dele com o seu intelecto.” Vlad se inclinou ligeiramente sobre a mesa. A formalidade de seu terno parecia deslocada contra a sujeira da garagem, mas sua presença era inegavelmente dominante. Ele estava ali para finalizar a transação, não para socializar. “Eu cumpri minha parte, Matt. Fiz o que pude com a comida que havia. Agora, o próximo passo estratégico,” Vlad continuou, voltando ao assunto de Nice e da reunião de Sasha. “Eu preciso da sua janela de oportunidade. Eu preciso saber onde atacar primeiro para maximizar a exposição de César e Mello ao caos. Você falou em dados sobre a logística. Onde eu começo a cavar?” Matt pegou o lápis novamente, ignorando o cheiro do macarrão. A nostalgia da briga de infância havia sido um desvio necessário, um lembrete do porquê ele estava envolvido nisso — a necessidade de reescrever a história onde ele era o segundo. Mas Mello não era mais uma criança chorona. Agora ele era um alvo adulto, com um império ao seu lado, e Matt precisava de precisão cirúrgica. “A rede de criptomoedas,” Matt disse, as palavras curtas e diretas. “É o sangue vital que Sasha não controla diretamente, mas que César e Mello aperfeiçoaram juntos. É anônimo, mas não é indetectável. O calcanhar de Aquiles dela é a integração com os sistemas bancários europeus que Sasha ainda usa para legitimar parte do dinheiro antigo.” Ele rabiscou um diagrama complexo que parecia um mapa de cidades interligadas por linhas nervosas. “Nenhuma invasão direta. Isso dispara todos os alertas. Seu pessoal precisa simular um *crash* de liquidez em três bancos suíços específicos – aqueles que César usa para 'limpar' fundos de projetos de tecnologia fantasma. Não roube; apenas congele os ativos por 48 horas. Faça parecer um erro catastrófico de segurança de nível europeu.” Vlad assentiu, a expressão concentrada. “Isso criará pânico. Se os fundos dela estiverem ligados a transações legais importantes, eles serão forçados a expor um protocolo de recuperação, o que nos dará a chave para o resto da rede.” “Exatamente,” Matt confirmou. “E enquanto isso, você precisa de um drone — um ativo pequeno, não rastreável — para fazer um *dump* físico de dados no escritório de Nice, no dia da reunião. Eles estarão distraídos, focados em agradar Sasha. O alvo não é Sasha. É a infraestrutura de Mello.” Matt apontou para o nome “Mello” no topo de uma seção do caderno. “A falha não pode ser de César. Tem que ser de Mello. César é o escudo. Mello é o arquiteto.” Vlad pegou um bloco de notas elegante de seu bolso interno, retirando uma caneta de prata que parecia valer mais do que toda a garagem. Ele começou a anotar as instruções de Matt com uma caligrafia medida e precisa. “Três bancos suíços congelados em 48 horas. Dump físico em Nice no dia da reunião. O alvo é o protocolo de Mello,” Vlad recapitulou, garantindo que entendeu todos os pontos críticos da estratégia. A conversa sobre os métodos estava densa, técnica, exatamente como Matt preferia. Era um mundo onde sua precisão valia mais do que a força bruta de Vlad. Vlad terminou de escrever e olhou para Matt, um brilho de impaciência no olhar. Um passo necessário, o último, antes de ele poder se concentrar em seus próprios homens e na operação de campo. Ele inclinou-se na direção de Matt novamente, a formalidade sendo lentamente corroída pela confiança recém-estabelecida. “Matt, eu preciso ser capaz de entrar em contato com você diretamente fora daqui. Stacy é um bom escudo, mas se eu tiver que passar por ela toda vez, isso retarda a resposta a crises. Eu preciso de uma linha direta. Um meio de comunicação seguro, algo que não possa ser rastreado por ninguém, nem mesmo por Sasha, que tem olhos em todo o nosso universo digital.” Vlad alcançou o bolso, mas dessa vez não era para um cartão de visitas. Ele segurava um pequeno objeto metálico, talvez um telefone descartável pré-pago ou um pager criptografado. Vlad ofereceu o telefone para Matt, o objeto reluzindo sob a luz fraca da lâmpada de halogênio da garagem. “Me dê seu número de telefone, Matt. O número que você usa para pedir pizza ou comprar componentes eletrônicos obscuros. Preciso deste canal aberto.”

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