Capítulo 12: O Preço da Complexidade O som da bateria e do baixo pulsava na garagem. Matt e Vlad sorriam um para o outro, um acordo não verbal pairando no ar carregado de graxa e nicotina. Mas Matt não era um desses idiotas que sela um acordo apenas com um sorriso ou um aperto de mão – ele precisava de garantias, de especificações, de uma fundação lógica para a parceria. Ele não era um capanga, e Vlad precisava entender isso imediatamente. O sorriso de Matt era um espelho frio da presunção de Vlad. Os olhos azuis desbotados de Matt, geralmente focados em circuitos, agora estavam firmemente fixos no homem de terno caro, avaliando a qualidade do fio e o grau de satisfação que ele exibia. Vlad parecia pensar que o tinha na palma da mão—um gênio recluso e carente de propósito, facilmente comprado com uma pitada de vingança e muito dinheiro. Essa presunção irritou Matt. Ele deu mais uma mordida no chocolate, o som seco ecoando no breve silêncio da música. Matt não tirou os olhos de Vlad. “Sua oferta é tentadora, Vlad,” Matt começou, a voz arrastada, mas precisa. “A vingança contra o império que te rejeitou… a oportunidade de ver Mello desmoronar... Admito, tem mérito estético no caos que você propõe.” Matt lambeu um resquício de chocolate do canto da boca. “Mas você está enganado se pensa que estou aqui para ser seu capanga ou seu ‘parceiro com visão’ no sentido que você está sugerindo.” Vlad baixou ligeiramente a cabeça, a expressão impassível se instalando de novo. “Não entendi, Matthew. O que exatamente você sugere?” “Eu sugiro que você pare de presumir que sabe o que me motiva,” respondeu Matt, empurrando o óculos de proteção de volta para a testa. “Dinheiro é um recurso renovável e, francamente, entediante. E a vingança, embora satisfatória, é rasa. Eu não quero apenas causar a queda de Mello; eu quero a *complexidade* da queda dele. Eu quero testar a estrutura que ele e César construíram. E para isso, eu preciso de autonomia.” Ele se levantou lentamente do banquinho, os membros finos se desenrolando de forma quase desajeitada. Matt era mais baixo do que Vlad, e isso era visível de perto, mas sua postura irradiava uma concentração intensa. “Eu não trabalho sob comando, Vlad. Eu sou a estratégia; você é a logística. Se o seu objetivo é o xeque-mate, você fará exatamente o que eu disser sobre como mover as peças. Caso contrário, eu ficarei na minha garagem, trabalhando em algo que pode ou não destruir o quarteirão, mas que garantidamente me trará mais satisfação do que uma parceria desrespeitosa.” Vlad absorveu a declaração, e Matt podia ver a lógica da máquina criminosa trabalhando por trás daqueles olhos de carvão. Vlad era um homem de poder e controle, mas também de eficiência. Ele tinha rastreado Matt; ele sabia o valor do intelecto à sua frente. Matt estava negociando um preço. “Gosto da sua franqueza, Matthew. Autonomia concedida,” Vlad disse, fazendo um gesto amplo. “Mas se você ditar a estratégia, eu ditei o custo. Seus resultados devem ser tão eficientes quanto a sua arrogância sugere. Qual é o seu interesse, Matt? Se não é vingança pura ou dinheiro, o que o império de Sasha tem que o império da Stacy não tem?” Ele apontou para Stacy, que estava ocupada fazendo uma dança desajeitada perto da geladeira, fingindo tocar um solo de guitarra imaginário. Matt sorriu, um sorriso genuíno desta vez, o qual desapareceu tão rápido quanto veio. “Você me perguntou sobre a complexidade. Sasha é um homem que construiu um império baseado em estruturas, logística e ocultação de dados. Você acha que esse império se baseia apenas em armas e drogas?” Matt gesticulou para a bomba inacabada. “Eu tenho trabalhado com o que o mercado legal me permite. Fertilizantes, produtos de limpeza, baterias de carro. É um exercício fascinante, mas é… amador.” Matt deu um passo em direção a Vlad, inclinando-se ligeiramente para garantir que fosse ouvido apesar do som. “Eu sei que o império de Sasha está ligado a pesquisa militar russa de alto nível, tecnologia que o Ocidente só sonha em catalogar. Eles têm acesso a componentes raros, a isótopos, a patentes de armamento que nunca chegam ao mercado. Isso é o meu interesse, Vlad. O meu pagamento é o acesso aos recursos para minha pesquisa. Eu quero brincar com as ferramentas que o mundo mantém escondidas no cofre. Eu quero o *primeiro lugar* em termos de conhecimento, Vlad. Essa é a minha rivalidade subconsciente com Mello, com Nate, com o orfanato inteiro. Eu quero provar que o gênio não se curva à burocracia ou à legalidade.” O silêncio foi preenchido pela música. Vlad tinha entendido perfeitamente. Matt não queria dinheiro; ele queria o tipo de poder que vinha com o controle da informação e da matéria-prima que daria vida a projetos que fariam a bomba na mesa parecer um brinquedo de criança. Vlad considerou a proposta, avaliando o custo-benefício. O custo era alto—liberar o acesso a itens de alta segurança era complicado. Mas o benefício era ter um gênio estratégico, com um interesse pessoal na ruína do herdeiro rival, trabalhando sob seu comando indireto. “Acesso total a materiais de pesquisa, patentes e tecnologia que estão sob o controle da família,” Vlad recitou, testando a frase. “Em troca de derrubar César e Mello?” “Em troca de você ter todo o crédito pela derrubada deles,” Matt corrigiu. “Eu sou a chave, Vlad. Eu aponto o alvo, você atira. Você tem dezenas de homens que podem atirar. Mas apenas eu sei onde Mello está mais exposto. Ele é arrogante, Vlad. Ele acha que deixou o passado dele para trás, que ele se tornou completamente diferente com César. Você e eu sabemos que o passado é um padrão.” Matt então adicionou a cláusula de proteção, seu tom ficando sério e cortante. Ele estava no jogo para a estratégia, não para o confronto físico sangrento—isso era amador. “E aqui está a minha regra de ouro, Vlad: Mello não é para ser fisicamente ferido. Nem César,” Matt exigiu, sua voz baixa. O objetivo de Matt estava focado na rivalidade intelectual. Mello ferido era Mello fora do jogo. Mello fora do jogo significava que Matt não teria mais o objeto de seu teste. “Eu preciso que Mello esteja inteiro para jogar no futuro. Eu preciso da integridade da rivalidade. Eu quero que ele se veja desmantelado de dentro para fora, pela pressão, pela exposição, por uma falha de estratégia que o leve a questionar absolutamente tudo o que ele e César construíram. Se você tocar nele ou em César, se os ferimentos físicos forem o resultado da sua operação, o meu jogo termina, e eu me retiro, talvez levando um ou dois dos seus ‘projetos’ favoritos comigo.” Vlad levantou uma sobrancelha, um brilho de respeito nos olhos. Matt era muito mais perigoso do que Vlad imaginava. Ele não era um simples criador de bombas; ele era um estrategista de longa data, quase um filósofo da destruição ordenada. A rivalidade de Matt com Mello era o seu combustível, o seu *drive*; era quase romântica em sua intensidade insana. “Gosto do seu senso de esporte, Matthew,” Vlad disse, ajustando a lapela de seu terno. “Estamos de acordo. Sem danos físicos. O objetivo é desestabilizar César política e financeiramente. O meu império rival tem a infraestrutura para isso. Nós vamos cortar as linhas de suprimento, expor os parceiros de negócios de Sasha, e criar um pânico de sucessão que fará o conselho se voltar contra César. Isso garantirá um confronto estratégico direto com Mello. Ele não será capaz de resolver essa crise apenas com seu charme ou estratégias de bunker. Ele terá que enfrentar a realidade.” Matt assentiu, o prazer intelectual iluminando seus olhos. Ele podia visualizar o cenário: Mello, sob pressão colossal, vendo a estrutura que ele tanto valorizava desmoronar, forçado a cometer erros de cálculo. Isso era o que Matt realmente queria. Ver Mello, o eterno Estrategista, falhar não por falta de inteligência, mas por excesso de confiança. “Eu começarei com dados sobre a logística. Onde eles estão agora?” Matt perguntou, voltando para o banquinho, sentando-se e ignorando o ruído ao redor. Vlad parou e pensou: “Eles estão na Espanha. Sasha os chamou de volta para organizar a transição, mas a localização exata é um segredo bem guardado. No entanto, tenho informações de que Sasha está se encontrando com velhos aliados em Nice, na França, nos próximos dias. Isso nos dará uma janela operacional antes que eles se consolidem.” “Nice,” Matt murmurou, pegando um lápis e um caderno de anotações esfarrapado. “César é metódico. Ele tem uma rede oculta de criptomoedas, uma que Mello provavelmente ajudou a aperfeiçoar. Se eu pegar os dados, você tem um time para executar a extração?” “Eu tenho os melhores. Eu tenho acesso ao antigo sindicato do leste europeu, Matthew. Pessoas cuja lealdade não é comprada com dinheiro, mas com ódio à família de Sasha. Eles têm motivação.” “Motivação leva à impulsividade. Eu preciso de precisão,” Matt retrucou, escrevendo algo apressadamente. “Eu vou montar um plano de extração de dados que vai parecer um glitch no sistema, não um ataque direto. Se eles souberem que estamos mirando neles, eles vão se entrincheirar.” “Tire-me essa dor de cabeça, Matt. Você tem autonomia,” Vlad disse, estendendo a mão. Matt, no entanto, não apertou a mão. Ele olhou para os dedos longos e bem cuidados de Vlad e pensou no quão diferente era o mundo deles. “O primeiro passo é sair daqui. A primeira entrega do meu ‘material de pesquisa’ deve estar pronta em 48 horas. Vou precisar de componentes de fibra ótica de grau militar, um lote de plutônio simulado—não se preocupe, é para um teste de blindagem, para fins acadêmicos—e acesso a um cluster de servidor remoto.” Vlad sorriu, a promessa sendo feita ao som alto da música. “Considerado feito. Agora, Matt, me daria a honra de usar sua cozinha emprestada? Eu não como desde cedo, e a tensão entre nós me deu fome.” Matt estava surpreso. Essa mudança brusca na dinâmica de negociação para uma mundaneza caseira era desconcertante. Vlad era um homem de contrastes. “A cozinha é ali,” Matt gesticulou para uma porta nos fundos da garagem. “É a cozinha da Stacy. Ela provavelmente vai querer um autógrafo, ou pelo menos um beijo.” Stacy, que estava próxima, ouvindo o final da conversa e sorrindo, gritou: “Um autógrafo no meu traseiro pelado, de preferência!” Matt revirou os olhos. Vlad riu, um som seco, mas real, que Matt quase perdeu no volume alto da banda. “Uma mulher direta. Gosto disso. Não vamos incomodá-la. Existe algo simples? Macarrão? Eu sou um cozinheiro decente, e você parece que não come nada além de chocolate há dias.” “Tem macarrão instantâneo em uma caixa lá. Aqueles com sabor de queijo,” Matt disse, o ombro ligeiramente menos tenso. Ele estava acostumado a lidar com os extremos de sua vida—o caos de Stacy e a precisão de seus projetos. Vlad era o estranho elemento de terno caro, uma anomalia. Vlad estava se dirigindo à porta da cozinha, quando parou e olhou para a mesa de trabalho de Matt. Ele apontou para o sistema de alto-falantes que tocava a música. “Essa banda… é o tipo de trilha sonora para derrubadas. O que é?” Matt fez uma pausa, o lápis pairando sobre o papel esfarrapado. Essa era uma pergunta que Matt raramente recebia. “É uma banda brasileira,” Matt respondeu. “Raimundos. A música se chama ‘Erva Venenosa’.” “Entendo a metáfora com Mello, um pouco óbvia, mas funciona,” Vlad disse, balançando a cabeça. “Mas e você? Qual a sua preferida? Qual a música, Matt, que está tocando aí dentro da sua cabeça enquanto você monta uma bomba para derrubar um império?” Matt olhou para Vlad. Ele podia ter dado um nome qualquer, de qualquer banda. Mas Vlad havia acabado de entrar em seu círculo mais íntimo, sua arquitetura mental, por meio de uma negociação complexa. Ele tinha conquistado o direito de saber um pouco mais sobre o *potencial primeiro lugar* que desprezava o ranking. Ele pensou na música que mais o definia. Não era sobre raiva ou vingança, mas sobre o retorno à sanidade, à estrutura, à capacidade de operar com clareza mental após um período de trevas. Matt sorriu, um sorriso longo e lento. A agressão no rock alto na garagem parecia diminuir, dando lugar a uma calma interna, quase sinistra. “Madness Return,” Matt respondeu, as palavras quase sussurradas, contrastando com o barulho. Vlad, por sua vez, deu um sorriso de entendimento profundo. Ele sabia, naquele instante, que Matt não era apenas um gênio com um chip no ombro. Ele era um homem que já tinha caminhado no limite da loucura e voltado, trazendo consigo um intelecto imbatível, temperado no exílio. Matt tinha voltado da loucura, trazendo consigo um intelecto afiado e sem medo de desestabilizar o mundo. E agora, ele estava prestes a botar Mello no alvo. Vlad acenou com a cabeça e desapareceu na cozinha. Matt estava sozinho com o barulho, o cheiro de graxa e o pensamento da complexidade que ele estava prestes a desencadear. O sorriso, em Matt, permaneceu. Ele tinha o que queria: um projeto digno de seu intelecto inigualável.

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