Chapter 5: A Criação da Distância
Randal caminhava pela rua, o sol alto, mas a manhã parecia vazia. A dor da rejeição permanecia, e a culpa pesava. Matt tinha se aproveitado da vulnerabilidade de Randal, mas Randal tinha se aproveitado da vulnerabilidade de Matt também. Aquele ciclo era perigoso. Randal sabia que estava viciado na versão vulnerável de Matt, a única versão que oferecia a proximidade que Randal tanto queria.
A negação de Matt, a forma fria como Matt reduziu a noite a ‘beijos de festa’ e ‘ideias produtivas’, foi um choque. Randal tinha se agarrado à confissão de Matt, à música, à ideia de que Matt o via como algo real. Matt apagou tudo com uma frase simples. Matt se protegia, e Randal era o dano colateral.
Randal precisava mudar a dinâmica. Randal não podia continuar sendo o porto seguro conveniente de Matt, o lugar onde Matt descarregava a honestidade tóxica para depois negá-la quando Matt voltava à sobriedade. Randal precisava de distância. Randal precisava que Matt sentisse a ausência, que Matt percebesse que a âncora podia se soltar.
Randal parou em frente a uma livraria. Randal precisava de um plano. Se Randal continuasse morando no apartamento, Randal precisava mudar o comportamento de Randal. Randal não responderia mais à necessidade de Matt. Randal não seria mais o ombro amigo depois do caos.
A prioridade de Randal tinha que voltar a ser a tese de Randal. Randal tinha se distraído demais com o drama de Matt. Randal entrou na livraria e foi para a seção de clássicos. Randal pegou um exemplar de *Em Busca do Tempo Perdido*. Randal precisava de imersão, de um mundo onde Matt não existisse.
Randal pensou em Theo, colega do curso de Letras. Theo era metódico, organizado, focado. Theo estava sempre na biblioteca. Randal e Theo conversavam sobre a tese, trocando ideias sobre a literatura moderna. Randal decidiu que passaria o dia com Theo, na biblioteca, forçando a concentração.
Randal saiu da livraria e pegou o celular. Randal enviou uma mensagem para Theo.
*Randal:* ‘Oi, Theo. Você está na biblioteca hoje? Preciso de um mergulho profundo no Proust. Estou com dificuldade de concentração.’
Theo respondeu quase imediatamente.
*Theo:* ‘Oi, Randal. Sim, estou no meu canto habitual. Traz café. E venha logo. Temos que finalizar essa seção de *O Absurdo e o Existencialismo*.’
Randal sorriu. Theo era a antítese de Matt. Theo era a ordem que Randal precisava. Randal foi para a cafeteria mais próxima, pegou dois cafés, e seguiu para a universidade.
A biblioteca era um santuário silencioso. Randal encontrou Theo na mesa de sempre, cercado por pilhas de livros. Theo usava óculos, e o cabelo castanho estava perfeitamente penteado. Theo olhou para Randal e sorriu.
“Que bom que você veio,” Theo disse. “Você parecia distraído ultimamente.”
Randal colocou os cafés na mesa. “Sim. O apartamento está um caos. Preciso de um lugar neutro.” Randal não mencionou Matt. Randal não podia arriscar a fachada de normalidade.
Randal sentou-se, abrindo o livro de Proust. Randal tentou mergulhar no texto, mas a imagem de Matt, lendo Sísifo na sala de estar, ainda estava na mente de Randal. Randal tinha que ignorar.
Randal e Theo passaram horas trabalhando. Eles discutiam a relação entre o tempo e a memória na obra de Proust, comparando isso com a busca pelo sentido no existencialismo. Randal gostava da clareza da mente de Theo, da forma como Theo articulava os argumentos. Randal se sentia produtivo, intelectualmente estimulado. Era um alívio da tensão emocional que Matt causava.
Durante o almoço, Randal e Theo conversaram sobre as dificuldades da vida universitária, sobre a pressão de conseguir notas boas. Randal observou Theo. Theo era previsível, seguro. Theo oferecia o que Randal buscava no Matt sóbrio, mas Theo oferecia isso sem a toxicidade, sem a negação.
“Você está muito quieto hoje,” Theo comentou, mordendo um sanduíche. “Aconteceu algo com a sua tese?”
Randal hesitou. Randal não podia falar sobre Matt. “Não. Apenas estou cansado. As festas do Matt estão me exaurindo.” Randal usou o álibi habitual.
“Eu não sei como você aguenta,” Theo disse. “Eu prefiro a paz da minha república. O caos não me permite pensar.”
Randal concordou. “É um desafio. Mas ele é um bom colega de quarto, na maior parte do tempo.” Randal mentiu. Matt não era um bom colega de quarto. Matt era uma complicação.
Randal continuou trabalhando com Theo até o final da tarde. Randal estava determinado a ficar fora do apartamento o máximo possível. Randal queria que Matt chegasse em casa e encontrasse o apartamento vazio. Randal queria que Matt percebesse a ausência de Randal, a ausência da âncora.
Enquanto revisavam os argumentos para a tese, Randal pensava na estratégia. Randal precisava reverter a dinâmica. Matt via Randal como garantido, como o lugar seguro onde Matt podia ser vulnerável e depois esquecer tudo. Randal precisava se tornar o prêmio. Randal precisava que Matt lutasse pela versão de Randal que Matt desprezava quando Matt estava sóbrio.
Randal planejava manter a distância, ser frio, profissional. Randal mostraria a Matt que a honestidade da noite anterior não era um passe livre para a negação da manhã.
Quando a biblioteca fechou, Randal se despediu de Theo.
“Obrigado pela ajuda, Theo,” Randal disse. “Eu precisava dessa clareza.”
“Sempre que precisar, Randal,” Theo respondeu. “Vamos nos encontrar amanhã? Precisamos planejar a apresentação do projeto.”
“Claro,” Randal disse. Randal tinha um compromisso, uma razão para ficar longe. Randal sentia uma pequena satisfação.
Randal caminhou de volta para o apartamento. Randal estava nervoso. Randal sabia que Matt estaria lá, provavelmente alterado, mas Randal tinha que manter a postura. Randal tinha que ser a parede.
Randal chegou ao prédio e subiu as escadas. Randal abriu a porta do apartamento. O lugar estava em um estado intermediário de caos. Não havia música alta, mas havia vestígios de festa: copos plásticos vazios na mesa de centro, e um cheiro fraco de cerveja e fumaça.
Randal entrou na sala. Matt estava lá. Matt estava sentado no chão, no meio da sala, perto da estante de livros de Randal. Matt tinha um violão acústico no colo, o mesmo violão que Matt usava para escrever a música *Janeiro Vermelho*. Matt estava tentando dedilhar algo.
Matt estava visivelmente alterado. Os movimentos de Matt eram lentos, e o cabelo verde de Matt estava ainda mais bagunçado. Matt não estava na fase de euforia, mas sim na fase de introspecção química, a fase em que Matt se permitia ser vulnerável.
Matt levantou a cabeça quando Randal entrou. O olhar de Matt era lento.
“Onde você estava?” Matt perguntou. A voz de Matt era rouca.
Randal tirou a jaqueta, pendurando a jaqueta no cabide. Randal manteve o rosto neutro.
“Estava na biblioteca,” Randal respondeu. Randal não olhou para Matt. Randal foi para o quarto de Randal, colocando a mochila de Randal no chão. Randal voltou para a cozinha. Randal precisava de água.
Matt se levantou do chão, colocando o violão de lado. Matt seguiu Randal até a cozinha.
“Você ficou fora o dia todo,” Matt disse. Matt encostou-se no batente da porta da cozinha, observando Randal.
Randal pegou um copo e encheu o copo com água da torneira.
“Eu tinha que trabalhar na minha tese,” Randal disse. Randal usou o tom profissional que Randal usava nas aulas.
Matt sorriu, um sorriso pequeno, quase infantil. “Você me ignorou.”
“Eu não ignorei você,” Randal respondeu, dando um gole na água. “Eu estava ocupado. Eu disse que tinha que me concentrar. Você também deveria estar trabalhando na sua tese.”
Matt deu um passo para dentro da cozinha. Matt estava invadindo o espaço de Randal.
“Eu estava tentando. Eu estava tentando tocar a sua música. ‘Janeiro Vermelho’. Mas ela não soa limpa. Ela soa suja. Como tudo aqui.” Matt gesticulou vagamente para a sala.
Randal manteve a calma. Randal não podia ceder à menção da música. A música era a fraqueza de Randal, a prova que Matt dava.
“Se você está com dificuldade, você deveria voltar para o Camus. Você disse que a conversa sobre o absurdo foi produtiva. Talvez você precise de mais inspiração acadêmica,” Randal disse. Randal estava usando as próprias palavras de Matt contra Matt.
Matt franziu a testa. “Não seja assim. Você sabe que não foi só sobre o Camus. Foi sobre você. Sobre o que você faz comigo.”
Randal colocou o copo na pia. Randal virou-se para Matt.
“Eu não faço nada com você, Matt,” Randal disse. “Você é um adulto. Você faz as suas próprias escolhas. E eu faço as minhas. Minha escolha hoje foi focar nos meus estudos.”
Matt parecia atordoado. Matt não estava acostumado com a frieza de Randal. Matt estava acostumado com Randal se inclinando para a vulnerabilidade, aceitando o papel de âncora.
“Você está me punindo?” Matt perguntou. Matt parecia confuso.
Randal saiu da cozinha, Matt seguindo Randal. Randal foi para a sala de estar, pegando o exemplar de Proust que Randal tinha deixado na mesa.
“Eu não estou punindo você, Matt. Eu estou apenas mantendo a minha palavra,” Randal disse. “Você disse que a noite passada não significou nada. Eu estou aceitando isso. Agora, eu estou focando no que realmente importa: a minha graduação.”
Randal sentou-se na poltrona. Randal abriu o livro, fingindo ler. Randal estava esperando a reação de Matt.
Matt parou em frente à poltrona de Randal. Matt estava agitado. Matt passava a mão pelo cabelo verde.
“Mas você disse que não ia desistir de mim,” Matt disse. A voz de Matt era mais alta. “Você disse que queria essa versão de mim.”
“Eu quero,” Randal concordou. Randal não podia mentir sobre isso. “Mas eu não posso forçar você a ser essa pessoa. E eu não posso ser o seu alívio temporário para a sua própria negação. Eu não sou um produto que você usa e depois descarta quando Matt está sóbrio.”
Matt se ajoelhou na frente de Randal. Matt tentou pegar a mão de Randal.
“Não, Randal. Não é assim. Eu não descartei você. Eu só não consigo lidar com isso quando estou limpo. É demais. Você é demais,” Matt disse.
Randal retirou a mão de Randal. Randal fechou o livro, mas Randal ainda mantinha o livro no colo.
“Se é demais, então não lide,” Randal disse. “Eu não vou mais ser o seu terapeuta emocional. Eu sou seu colega de quarto. E eu preciso de espaço para estudar.”
Matt sentou-se no chão, Matt parecia uma criança.
“Você estava com o Theo?” Matt perguntou, a voz de Matt era baixa. Matt estava mudando o foco, tentando encontrar a vulnerabilidade de Randal.
Randal assentiu. “Sim. Theo e eu somos parceiros de estudo. Ele é focado. Ele me ajuda a me concentrar.”
“Eu posso te ajudar a se concentrar,” Matt disse. Matt se inclinou para Randal. “Você não precisa do Theo. Você precisa de mim.”
Randal olhou para Matt. Randal percebeu a manipulação. Matt estava tentando restaurar a dinâmica, a dependência.
“Eu preciso de clareza, Matt. E você não oferece isso. Você oferece caos. E eu estou cansado do caos,” Randal disse. Randal se levantou da poltrona. Randal estava saindo da sala.
Matt se levantou rapidamente. “Não vá. Não para o seu quarto. Fica aqui. Vamos conversar sobre o Camus. Eu juro que vou ser profissional.” Matt estava desesperado.
Randal parou na porta da sala. “Não precisa jurar nada, Matt. Quando você quiser falar, você me procura. Mas não espere que eu ignore a forma como você me tratou hoje de manhã.”
Matt ficou parado no meio da sala. Matt olhava para Randal, o olhar de Matt era confuso. Matt estava acostumado com Randal se rendendo, se derretendo com a vulnerabilidade de Matt.
Matt pegou alguns papéis que estavam na mesa de centro, provavelmente rascunhos da tese de Matt. Matt amassou os papéis. Matt jogou os papéis no chão com força.
“Eu não me importo com a sua tese!” Matt gritou. “Eu me importo com você! Mas você não me deixa!”
Randal observou a frustração de Matt. A estratégia de Randal estava funcionando. Matt estava sentindo a perda da âncora.
“Você sabe onde me encontrar, Matt,” Randal disse, a voz de Randal era firme. Randal não demonstrou emoção.
Randal se virou e foi para o quarto de Randal. Randal entrou e fechou a porta atrás de Randal. Randal ouviu o som de algo sendo chutado na sala de estar.
Matt estava frustrado. Matt não conseguia controlar Randal. Randal estava feliz com isso.
Randal sentou-se na cama. Randal pegou o livro. Randal tentou ler, mas Randal estava ouvindo.
Randal ouviu Matt gritar. Matt gritou o nome de Randal.
“Randal! Você é ridículo! Você é um estudante de Letras patético!”
Randal ignorou o insulto. Randal sabia que Matt estava tentando provocar uma reação. Randal não cederia.
Randal ouviu o som de passos apressados no corredor. O som parou em frente à porta do quarto de Randal.
Randal esperou. Randal podia sentir a raiva de Matt.
Matt deu um soco fraco na porta de Randal. “Abre, Randal! A gente precisa falar!”
Randal continuou quieto. Randal não se mexeu.
Randal ouviu Matt se afastar da porta. Matt foi para o próprio quarto.
Randal ouviu o som da porta do quarto de Matt sendo fechada com força. O som ecoou no apartamento.
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