# Capítulo 1: O Peso da Coroa A chuva caía sem piedade sobre o reino de Lysandra, como se os próprios céus compartilhassem o luto que envolvia cada rua, cada casa, cada coração. Mello permanecia imóvel diante dos dois caixões, a água escorrendo por seu rosto e misturando-se com lágrimas que ele não tinha mais forças para conter. Ao seu lado, Emma oscilava perigosamente, seus dedos pálidos agarrando o braço dele com uma força que contradizia sua aparência frágil. O cemitério real estava repleto. Nobres, comerciantes, camponeses – todos se apertavam sob o aguaceiro para testemunhar o adeus final ao rei Aldric e à rainha Isadora. Mello mal conseguia processar as palavras que o sacerdote pronunciava. Tudo parecia distante, como se ele estivesse submerso em água, observando o mundo através de uma barreira invisível. "Você precisa se firmar", Emma sussurrou ao seu lado, sua voz rouca pela doença que corroía seu corpo há meses. "Eles estão observando." Mello assentiu mecanicamente. Tinha dezenove anos, cabelos escuros que agora grudavam em sua testa molhada, e olhos cinzentos que carregavam um peso maior do que qualquer jovem deveria suportar. Emma tinha vinte e três, mas a doença terminal a fazia parecer muito mais velha. Sua pele tinha um tom acinzentado, e mechas prematuras de cabelo branco apareciam entre os fios castanhos. Quando os caixões começaram a descer para a terra, Mello sentiu os joelhos fraquejarem. Uma mão firme tocou seu ombro. Ele não precisou olhar para saber quem era. O tenente Snow sempre estava ali quando ele precisava. "Força", Snow murmurou, sua voz baixa o suficiente para que apenas Mello ouvisse. "Só mais alguns minutos." Mello respirou fundo. O cheiro de terra molhada invadia suas narinas. Pessoas começavam a jogar flores sobre os caixões. Ele deveria fazer o mesmo, sabia disso. Seus pés, porém, pareciam cravados no chão enlameado. Emma se moveu primeiro, soltando o braço dele e caminhando com passos trêmulos até a beira da sepultura. Ela segurava uma rosa branca, a flor preferida da mãe. Seus lábios se moveram em uma oração silenciosa antes de deixar a flor cair. Quando ela se virou, Mello viu uma única lágrima deslizar por seu rosto. Agora era sua vez. Mello se forçou a caminhar. Cada passo afundava na lama. Ele segurava duas rosas vermelhas, uma para cada progenitor. Quando chegou à beira da cova, suas mãos tremiam tanto que quase deixou as flores caírem acidentalmente. "Eu não sei se consigo fazer isso", ele admitiu em voz baixa, olhando para os caixões lá embaixo. Ninguém respondeu. Talvez ninguém tivesse ouvido. Ou talvez simplesmente não houvesse palavras adequadas. Mello soltou as rosas e as observou pousar sobre a madeira escura dos caixões. Uma delas ricocheteou e caiu no espaço entre os dois caixões, e por algum motivo isso fez seu peito doer ainda mais. A cerimônia continuou por mais tempo do que Mello conseguia suportar. Discursos sobre o legado dos reis. Promessas de que o reino permaneceria forte. Palavras vazias que ecoavam em seus ouvidos sem penetrar sua compreensão. Ele manteve os olhos fixos no chão, contando as gotas de chuva que caíam em suas botas. Quando finalmente terminou, a multidão começou a se dispersar lentamente. Mello permaneceu parado, observando os coveiros começarem seu trabalho sombrio. Emma puxou seu braço gentilmente. "Precisamos ir", ela disse. "O conselho está esperando." "Que esperem", Mello retrucou, mais amargo do que pretendia. "Mello." A voz de Emma carregava um aviso. "Não podemos dar-lhes motivos para questionar ainda mais sua capacidade de governar." Ele sabia que ela estava certa. Sempre estava. Emma tinha nascido para ser rainha – inteligente, diplomática, forte mesmo quando seu corpo a traía. A injustiça de sua condição queimava na garganta de Mello como veneno. "Está bem", ele cedeu finalmente. Snow apareceu ao lado deles, sua presença uma âncora de estabilidade em meio ao caos emocional. Ele era apenas dois anos mais velho que Mello, mas sua postura militar e olhar calculista o faziam parecer muito mais maduro. Seus cabelos louros estavam escuros pela chuva, e gotas d'água escorriam pelo uniforme vermelho e dourado do exército real. "O carro está esperando", Snow informou, gesticulando para uma carruagem preta estacionada próxima aos portões do cemitério. Os três caminharam em silêncio. Mello ajudou Emma a subir primeiro, notando como ela precisou de três tentativas para erguer o pé até o degrau. Snow subiu em seguida, e Mello por último, puxando a porta com mais força do que necessário. Dentro da carruagem, o silêncio era sufocante. Emma fechou os olhos e recostou a cabeça, sua respiração trabalhosa. Snow observava pela janela, seus dedos tamborilando no joelho em um ritmo constante. Mello fixou o olhar nas próprias mãos, notando como estavam sujas de lama. "Eles vão exigir uma decisão imediata", Emma disse de repente, sem abrir os olhos. "Eu sei", Mello respondeu. "E você vai recusar." "Provavelmente." Emma finalmente abriu os olhos e olhou diretamente para o irmão. "Isso não vai funcionar, Mello. Eles têm o poder para forçá-lo." "Deixe-os tentar." A mandíbula de Mello se apertou. Snow interrompeu, sua voz calma mas firme. "O conselho mágico não é um inimigo que você possa combater com teimosia." "Eles não podem me obrigar a casar", Mello insistiu. "Podem declarar o trono vago", Emma contra-argumentou. "E então o que acontece com o reino? Com nossa família? Com tudo que nossos pais construíram?" As palavras atingiram Mello como golpes físicos. Ele não tinha resposta. Ou melhor, não tinha uma resposta que não envolvesse ceder aos caprichos do conselho. A carruagem parou diante do palácio real. O edifício de pedra branca se erguia imponente contra o céu cinzento, suas torres alcançando as nuvens baixas. Bandeiras negras de luto tremulavam em cada mastro. Um servo abriu a porta da carruagem. Mello desceu primeiro, depois ajudou Emma. Ela aceitou sua mão com gratidão, mas ele sentiu como seu corpo tremeu com o esforço de ficar de pé. Snow desceu por último, imediatamente assumindo uma postura formal ao lado deles. O grande salão do conselho ficava no ala leste do palácio. Mello tinha estado lá centenas de vezes durante sua vida, mas nunca tinha se sentido tão pequeno quanto naquele momento. Suas botas molhadas deixavam marcas no tapete vermelho enquanto ele caminhava pelos corredores de mármore. Emma se separou deles em um cruzamento. "Eu preciso descansar", ela disse, sua voz fraca. "Me perdoem." "Quer que eu vá com você?", Mello ofereceu, parte dele esperando que ela dissesse sim, dando-lhe uma desculpa para adiar o confronto inevitável. "Não. Você precisa ir ao conselho." Emma tocou seu rosto gentilmente. "Seja forte, irmãozinho. Mas também seja esperto." Ela se afastou, apoiando-se na parede enquanto caminhava lentamente em direção aos seus aposentos. Mello a observou até que ela desaparecesse ao virar uma esquina. "Ela está piorando", Snow comentou baixinho. "Eu sei." A garganta de Mello apertou. "Os curandeiros dizem que ela tem no máximo seis meses." "Lamento." Mello assentiu, incapaz de formar palavras. Eles continuaram caminhando. A cada passo, a raiva crescia em seu peito. Raiva da doença que roubava sua irmã. Raiva do destino que levou seus pais. Raiva do conselho que agora o esperava para fazer exigências impossíveis. Dois guardas flanqueavam as portas duplas da sala do conselho. Ao ver Mello se aproximar, eles bateram suas lanças no chão em saudação e abriram as portas. A sala era circular, com um teto abobadado decorado com afrescos de antigos reis e rainhas de Lysandra. Uma mesa redonda de carvalho dominava o centro, cercada por doze cadeiras de espaldar alto. Nove delas estavam ocupadas pelos membros do conselho mágico. À cabeceira sentava-se Conselheiro Alderon, um homem de cabelos brancos e olhos penetrantes que parecia ter mil anos. Ao seu lado direito estava Amora, a única mulher no conselho, com seus cabelos ruivos trançados elaboradamente e vestido verde-esmeralda. Os outros membros – Mello conhecia seus nomes mas raramente interagia com eles – formavam um semicírculo de rostos solenes e expectantes. "Príncipe Mello", Alderon disse, sua voz ecoando pela sala. "Lamentamos por sua perda." "Obrigado", Mello respondeu, sua voz soando mais firme do que ele se sentia. "Por favor, sente-se." Alderon gesticulou para uma cadeira vazia do outro lado da mesa. Mello olhou para a cadeira e depois de volta para o conselheiro. "Prefiro ficar de pé." Um murmúrio percorreu os membros do conselho. Alderon ergueu uma sobrancelha, mas não insistiu. "Como desejar." Snow se posicionou atrás de Mello, próximo à parede. Sua presença era reconfortante, um lembrete de que Mello não estava completamente sozinho. "Vamos direto ao ponto", Alderon começou, entrelaçando os dedos sobre a mesa. "O reino enfrenta uma crise de sucessão. Sua irmã, a princesa Emma, é infértil e está gravemente doente. Isso a torna incapaz de garantir a continuidade da linhagem real." "Eu sei disso", Mello disse secamente. "Portanto, a responsabilidade recai sobre você." Alderon se inclinou para frente. "No entanto, você tem apenas dezenove anos. De acordo com as leis de Lysandra, a idade mínima para ascender ao trono é vinte e um anos." "Faltam apenas dois anos", Mello argumentou. "Dois anos durante os quais o reino ficaria sem um governante legítimo", outro conselheiro interviu. Mello pensou que seu nome era Corvus. "Isso criaria instabilidade, convidaria invasões, encorajaria rebeliões." "Então nomeiem um regente temporário", Mello sugeriu. "Emma pode—" "A princesa Emma está morrendo", Alderon interrompeu, não cruelmente, mas firmemente. "Ela não tem força para governar. E mesmo que tivesse, isso não resolve o problema fundamental: a ausência de um herdeiro." Mello sentiu o chão se mover sob seus pés. Ele sabia para onde essa conversa estava indo, mas parte dele ainda esperava estar errado. Amora falou pela primeira vez, sua voz suave mas clara. "O conselho chegou a uma decisão. Para proteger o reino e garantir a estabilidade do trono, você deve se casar imediatamente e gerar um herdeiro." "Imediatamente?" Mello repetiu, incrédulo. "Dentro de trinta dias", Alderon especificou. "Já começamos a compilar uma lista de candidatas apropriadas. Princesas de reinos aliados, nobres de alta linhagem—" "Não." A palavra saiu de Mello como um tiro. O silêncio que se seguiu foi pesado. Os conselheiros trocaram olhares. Alderon estreitou os olhos. "Não?", ele ecoou. "Não vou me casar com uma estranha porque vocês decidiram que é conveniente." Mello sentiu o sangue ferver em suas veias. "Meus pais mal foram enterrados e vocês já estão planejando minha vida como se eu fosse uma peça de xadrez?" "Você É uma peça neste jogo", Corvus disse rispidamente. "Uma peça crucial. Suas preferências pessoais são irrelevantes diante das necessidades do reino." "Minhas preferências pessoais?" Mello deu um passo à frente, suas mãos se fechando em punhos. "Estamos falando sobre com quem eu vou passar o resto da minha vida!" "Estamos falando sobre a sobrevivência de uma dinastia", Alderon contra-argumentou, levantando-se. "Sobre a estabilidade de um reino que abriga milhões de pessoas. Sua recusa não muda a realidade da situação." "E se eu ainda assim recusar?" As palavras de Mello eram um desafio. Alderon o encarou por um longo momento. "Então o conselho não terá escolha senão declarar o trono vago. Um novo governante será escolhido entre as famílias nobres. A linhagem de sua família, que governou Lysandra por setecentos anos, chegará ao fim." O golpe atingiu o alvo. Mello sentiu como se tivessem arrancado o ar de seus pulmões. Ele pensou em seu pai, em sua mãe, em todos os reis e rainhas que vieram antes deles. Em Emma, definhando em seus aposentos. Em tudo que seria perdido. "Vocês não podem fazer isso", ele disse, mas sua voz soava fraca até para seus próprios ouvidos. "Podemos e faremos", Alderon confirmou. "A lei é clara. Um governante deve ter idade adequada ou um herdeiro confirmado. Você não tem nem um nem outro." Mello procurou algum apoio nos rostos ao redor da mesa. A maioria evitou seu olhar. Apenas Amora o observava com algo que poderia ser compaixão, mas mesmo ela não se opôs. "Trinta dias", Alderon repetiu, sentando-se novamente. "Use-os sabiamente. Escolha uma noiva ou nós escolheremos por você." "E se eu fugir?" Mello perguntou, sabendo que era uma pergunta estúpida no momento em que saiu de sua boca. "Então você será caçado e trazido de volta", Corvus disse com um sorriso desagradável. "E perderá qualquer direito ao trono imediatamente." Mello olhou para Snow, procurando algum conselho, alguma saída. Seu amigo encontrou seu olhar brevemente, e Mello viu algo estranho cruzar seu rosto. Uma expressão que não conseguiu identificar. Então Snow desviou os olhos, observando os conselheiros com um sorriso quase imperceptível nos lábios. Algo sobre aquele sorriso incomodou Mello, mas ele estava emocionalmente exausto demais para processar o que significava. "Esta reunião está encerrada", Alderon declarou. "Príncipe Mello, esperamos sua decisão em uma semana. Quanto mais cedo você aceitar o inevitável, melhor para todos os envolvidos." Mello não confiava em si mesmo para falar. Ele se virou e marchou em direção à porta, suas botas batendo contra o mármore. Snow o seguiu silenciosamente. Ele atravessou os corredores em um borrão, mal registrando para onde estava indo. Sua respiração vinha em golfadas curtas e irregulares. As paredes pareciam estar se fechando sobre ele. "Mello, espere." Snow o alcançou, colocando uma mão em seu ombro. Mello se virou bruscamente. "Você viu aquilo? Você ouviu o que eles disseram?" "Eu ouvi." "Trinta dias!" Mello passou as mãos pelos cabelos molhados. "Eles me dão trinta dias para encontrar uma esposa como se estivesse escolhendo que roupa vestir!" "Eles estão desesperados", Snow disse calmamente. "O reino precisa de estabilidade." "O reino, o reino, sempre o reino!" Mello chutou uma mesa decorativa próxima, derrubando um vaso que se estilhaçou no chão. "E quanto ao que eu preciso? E quanto ao que eu quero?" Snow não respondeu. Ele simplesmente observou Mello com aquela expressão calculista que estava se tornando cada vez mais comum. Passos ecoaram pelo corredor. Mello se virou e viu Emma se aproximando, uma mão na parede para se apoiar. Ela devia ter ouvido o barulho. "Emma, você deveria estar descansando", ele disse, imediatamente se sentindo culpado por preocupá-la. "Ouvi vidro quebrando." Ela olhou para os cacos espalhados pelo chão. "Imagino que a reunião não foi bem." Mello deixou escapar uma risada amarga. "Eles me deram trinta dias para me casar ou perder o trono." Emma fechou os olhos brevemente, como se estivesse sentindo dor. Quando os abriu novamente, eles brilhavam com determinação. "Então você precisa encontrar outra solução." "Que outra solução?" Mello abriu os braços em um gesto de impotência. "Eles têm todo o poder. Todas as cartas." "Sempre há outra solução." Emma se aproximou dele, apoiando-se em seu braço. "Você só precisa encontrá-la." "Antes que seja tarde demais", ela acrescentou em um sussurro, seus dedos frios apertando o pulso dele. Mello olhou nos olhos de sua irmã e viu tanto a fé que ela tinha nele quanto a consciência de seu próprio tempo limitado. O peso dessas duas realidades ameaçou esmagá-lo. Mas em algum lugar, profundamente enterrada sob o desespero e a raiva, uma fagulha de determinação começou a queimar. Se havia outra solução, ele a encontraria. Ele tinha que encontrá-la. O futuro do reino dependia disso.

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