# Capítulo 5: Luz da Manhã
A luz entrou pela janela e bateu direto no rosto de Snow. Ele piscou algumas vezes tentando se acostumar com o brilho. Tudo estava muito claro. Muito real.
Ele não lembrava de ter deixado as cortinas abertas antes de dormir.
Seu corpo estava quente. Quente demais para estar sozinho debaixo de um cobertor fino. Levou alguns segundos para ele processar o peso no peito dele. Algo pesado mas não desconfortável. Um braço.
Snow olhou para baixo.
O braço de Sebastian estava atravessado sobre o peito dele. A mão dele descansava perto do ombro de Snow. Sebastian estava do lado dele. Muito perto. Próximo o suficiente para Snow sentir a respiração dele no pescoço.
Merda.
As memórias da noite anterior começaram a voltar em pedaços quebrados. O bar. As cervejas. Caminhar pelas ruas vazias. Subir as escadas. A cama pequena. E então...
"Eu te amo."
Snow fechou os olhos por um momento. Sebastian tinha dito aquilo. Tinha realmente dito. E ele tinha respondido. Tinha dito a mesma coisa de volta.
Mas eles estavam bêbados. Muito bêbados. Aquilo não significava nada. Era apenas o álcool fazendo as pessoas falarem coisas estúpidas que não pensavam de verdade.
Exceto que agora Sebastian estava ali. No mesmo espaço. Respirando. Existindo. E o braço dele ainda estava sobre o peito de Snow.
Snow precisava se levantar. Precisava sair dali antes que Sebastian acordasse e tornasse tudo ainda mais estranho do que já era. Ele começou a se mover devagar. Muito devagar. Tentando não fazer nenhum movimento brusco que pudesse acordar Sebastian.
O braço de Sebastian era pesado. Snow tentou levantar um pouco para poder escorregar para fora mas o ângulo era difícil. Ele teria que empurrar o braço para o lado ou simplesmente rolar para fora da cama.
Ele escolheu rolar.
Snow virou o corpo devagar. Centímetro por centímetro. O colchão rangeu um pouco mas Sebastian não se moveu. Ele continuava respirando no mesmo ritmo calmo. Ainda dormindo.
Snow conseguiu tirar o corpo da cama sem fazer muito barulho. Seus pés tocaram o chão frio do apartamento. Ele ficou ali parado por um momento olhando para Sebastian.
Ele parecia diferente quando dormia. Mais jovem talvez. Ou apenas mais relaxado. As linhas de tensão que normalmente estavam no rosto dele tinham desaparecido. A boca dele estava levemente aberta. O cabelo dele estava uma bagunça completa apontando para várias direções ao mesmo tempo.
Snow desviou o olhar.
Isso era ridículo. Ficar ali olhando para alguém dormir como se fosse algo importante. Como se significasse alguma coisa.
Ele caminhou até a cozinha tentando fazer o mínimo de barulho possível. Seus pés descalços não faziam muito som contra o piso de madeira velha. Ele abriu a torneira devagar deixando a água escorrer em um fio fino para encher um copo.
A água estava gelada. Ele bebeu tudo de uma vez sentindo o líquido frio descer pela garganta. Ajudou um pouco com a sensação de ressaca que estava começando a aparecer atrás dos olhos dele.
Ele encheu o copo de novo e bebeu mais devagar desta vez. Enquanto bebia ele olhou pela janela da cozinha. Dava para ver o beco dos fundos do prédio. Algumas latas de lixo. Um gato laranja que sempre aparecia por ali procurando comida.
Era uma manhã normal. Quarta-feira. O mundo continuava funcionando como sempre funcionava. Nada tinha mudado.
Exceto que tinha.
Porque Sebastian estava dormindo na cama dele. E eles tinham dito coisas que pessoas não deveriam dizer depois de se conhecerem há apenas alguns dias.
Snow colocou o copo vazio na pia. Ele precisava pensar. Precisava descobrir o que fazer quando Sebastian acordasse. Precisava ter um plano.
Mas antes que ele pudesse pensar em qualquer coisa ouviu um som vindo da sala. O barulho de alguém se mexendo. O rangido do colchão.
Snow virou a cabeça. Sebastian estava se sentando na cama. Ele passou a mão pelo cabelo tentando arrumar a bagunça mas apenas piorou tudo. Seus olhos estavam semicerrados contra a luz da manhã.
"Que horas são?" Sebastian perguntou. Sua voz saiu rouca e áspera de sono.
"Não sei." Snow respondeu. "Por volta das nove. Talvez dez."
Sebastian pegou o celular da mesinha ao lado da cama. Ele olhou para a tela piscando algumas vezes. "Nove e quinze."
"Certo."
Silêncio.
Sebastian continuou sentado na cama olhando para o celular. Snow continuou parado na cozinha sem saber o que fazer com as mãos. Ele cruzou os braços. Depois descruzou porque parecia muito defensivo. Então colocou as mãos nos bolsos.
"Você quer café?" Snow ofereceu porque precisava dizer alguma coisa para quebrar o silêncio.
"Você tem café?"
"Tenho café instantâneo."
Sebastian fez uma careta. "Tudo bem. Eu aceito."
Snow pegou a caneca menos suja que tinha. Encheu com água da torneira e colocou no micro-ondas. O aparelho estava velho e fazia um barulho alto quando funcionava mas ainda aquecia coisas. Isso era o que importava.
Enquanto esperava a água esquentar ele pegou o pote de café instantâneo do armário. Estava quase vazio. Ele provavelmente precisava comprar mais em algum momento.
O micro-ondas apitou. Snow tirou a caneca e colocou duas colheres do pó de café. Mexeu até dissolver. O resultado não parecia muito apetitoso mas era o que tinha.
Ele levou a caneca até Sebastian que ainda estava sentado na cama. Sebastian aceitou a bebida e tomou um gole pequeno. Fez outra careta.
"Desculpa." Snow disse. "Eu avisei que era café instantâneo."
"Não." Sebastian balançou a cabeça. "Está bom. Eu só... não estou acostumado."
"Com café instantâneo?"
"Com café de manhã depois de acordar na casa de alguém."
Snow não respondeu. Ele foi até a janela e olhou para a rua lá embaixo. Algumas pessoas caminhavam pela calçada. Um homem passeava com um cachorro pequeno. Uma mulher carregava sacolas de compras.
Vida normal. Pessoas normais fazendo coisas normais.
"Sobre ontem à noite..." Sebastian começou atrás dele.
Snow interrompeu antes que ele pudesse continuar. "Estávamos bêbados."
"Sim."
"Então não importa."
Mais silêncio. Este era pior que o anterior. Tinha peso. Tinha coisas não ditas flutuando no ar entre eles.
"Certo." Sebastian finalmente disse. "Não importa."
Snow não sabia porque aquilo incomodava. Deveria ser um alívio. Eles estavam na mesma página. Reconhecendo que tudo tinha sido apenas efeito do álcool. Nada para se preocupar.
Mas havia algo no tom de voz de Sebastian que não parecia certo. Soava muito... neutro. Muito vazio.
O celular de Sebastian tocou. Um toque alto e irritante que quebrou o silêncio de forma abrupta. Sebastian olhou para a tela e seu rosto mudou. A expressão neutra desapareceu substituída por algo próximo de pânico.
"Merda." Ele murmurou.
"O que foi?"
"Trabalho." Sebastian atendeu a ligação. "Alô?"
Snow não conseguia ouvir o que a pessoa do outro lado estava dizendo mas pela cara de Sebastian não eram boas notícias. Ele estava franzindo a testa e mordendo o lábio inferior.
"Sim eu entendo mas..." Sebastian tentou falar mas foi interrompido. "Não eu posso... tudo bem. Tudo bem. Duas horas? Sim eu consigo chegar lá." Ele desligou e deixou o celular cair no colo.
"Problema?" Snow perguntou.
"Um dos caras que trabalha comigo ficou doente. Não consegue fazer a festa que tem hoje de manhã." Sebastian passou a mão pelo rosto. "Eles precisam que eu substitua."
"Quando?"
"Daqui a duas horas." Sebastian se levantou da cama. "Eu preciso ir para casa pegar a fantasia e depois ir direto para o endereço da festa."
"Onde é?"
"Queens." Sebastian começou a procurar os sapatos dele. Encontrou um debaixo da cama. O outro estava do outro lado da sala. "Vai levar pelo menos uma hora para chegar lá."
Snow observou Sebastian correndo pelo pequeno apartamento tentando juntar as coisas dele. Ele pegou a jaqueta que tinha jogado no chão na noite anterior. Verificou os bolsos procurando a carteira e as chaves.
"Desculpa." Sebastian disse enquanto calçava o segundo sapato. "Eu não queria sair correndo assim mas eu realmente preciso desse dinheiro."
"Eu entendo."
Sebastian foi até a porta. Colocou a mão na maçaneta mas não abriu. Ele ficou ali parado olhando para a porta como se estivesse tentando decidir algo.
Então ele virou de volta para Snow.
"Posso te perguntar uma coisa?"
Snow acenou que sim.
Sebastian hesitou. Abriu a boca. Fechou de novo. Parecia estar lutando com as palavras tentando encontrar a forma certa de dizer o que queria dizer.
"Você quer me ver de novo?" Ele finalmente soltou. "Não como... não como amigos que bebem juntos. Mas talvez como algo mais."
Snow processou a pergunta. Ela tinha vindo do nada. Sem aviso. Sem preparação.
Eles tinham acabado de concordar que a noite anterior não importava. Que tinha sido só o álcool falando. E agora Sebastian estava ali perguntando sobre algo mais.
Snow deveria dizer não. Seria a resposta sensata. A resposta segura. Eles mal se conheciam. E Sebastian claramente tinha problemas na vida dele assim como Snow tinha problemas na vida dele. Juntar duas pessoas bagunçadas raramente resultava em algo bom.
Mas ele não disse não.
"Sim." Snow respondeu.
A palavra saiu simples. Direta. Sem elaboração.
Sebastian sorriu. Não foi um sorriso grande. Apenas um pequeno movimento no canto da boca. Mas estava lá.
"Ok." Ele disse. "Ok bom."
Ele abriu a porta. O corredor lá fora estava vazio e silencioso. Sebastian deu um passo para fora e então parou de novo.
"Eu vou te ligar." Ele disse olhando para trás. "Depois da festa. Ou amanhã. Sei lá. Mas eu vou ligar."
"Tudo bem."
Sebastian acenou e então foi embora. Snow ouviu os passos dele descendo as escadas. O som foi ficando mais baixo até desaparecer completamente.
Snow fechou a porta e ficou ali parado por um momento apenas olhando para a madeira velha e arranhada na frente dele.
Algo tinha mudado.
Ele não conseguia definir exatamente o que era ou como tinha acontecido. Mas era inegável. Algo tinha mudado entre eles de uma forma que não podia ser desfeita.
E Snow tinha acabado de concordar em deixar aquilo continuar mudando.
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