# Capítulo 4: Uma da Manhã
Sebastian olhou para o celular. A tela brilhava forte demais na escuridão do bar. Ele piscou algumas vezes tentando focar nos números.
"Quase uma da manhã." Ele disse.
Snow virou a cabeça devagar porque tudo estava girando um pouco. "Sério?"
"Sério." Sebastian guardou o celular. "Provavelmente deveríamos ir para casa."
"Provavelmente." Snow concordou mas não se moveu. Ir para casa significava levantar e caminhar e pegar metrô ou ônibus ou qualquer meio de transporte que existisse. Tudo isso parecia muito complicado no momento.
Sebastian também não se levantou. Ele estava olhando para a mesa vazia na frente deles. As garrafas de cerveja vazias tinham sido levadas pelo garçom há algum tempo. Só restava um copo com gelo derretido.
"Você lembra onde mora?" Snow perguntou depois de um silêncio longo.
Sebastian riu. Não era uma risada normal. Era aquele tipo de riso que saía quando algo era engraçado mas também triste ao mesmo tempo.
"Não." Ele respondeu. "Quer dizer, eu sei que é no Brooklyn. Mas não estou conseguindo lembrar a rua."
Snow processou essa informação lentamente porque o cérebro dele estava funcionando mais devagar que o normal. Sebastian tinha bebido tanto quanto ele. Talvez até mais. E agora não lembrava onde morava.
"Você pode checar no celular." Snow sugeriu.
"Posso." Sebastian tirou o celular de novo mas apenas ficou olhando para a tela sem fazer nada. "Mas isso parece muito trabalhoso."
Snow entendeu perfeitamente. Tudo parecia trabalhoso quando você estava bêbado. Até coisas simples como desbloquear o celular se transformavam em tarefas monumentais.
"Você pode dormir na minha casa." As palavras saíram antes que Snow pudesse pensar muito sobre elas. "É pequena. Mas eu não me importo."
Sebastian olhou para ele. Seus olhos estavam vermelhos como os de Snow provavelmente também estavam. "Sério?"
"Sério." Snow não tinha certeza porque estava oferecendo. Eles mal se conheciam. Tinham se encontrado pela primeira vez há poucos dias. Mas também parecia a coisa certa a fazer quando alguém estava bêbado demais para lembrar o próprio endereço.
"Obrigado." Sebastian disse simplesmente.
O garçom apareceu com a conta numa bandeja pequena. Snow pegou para ver quanto era mas os números se embaralhavam na página. Ele piscou tentando focar.
"Deixa comigo." Sebastian pegou a bandeja das mãos dele. Ele tirou a carteira e colocou dinheiro suficiente para cobrir tudo mais uma gorjeta generosa.
"Você não precisa pagar tudo." Snow protestou fracamente.
"Preciso sim." Sebastian já estava guardando a carteira. "Como obrigado por me suportar esta noite toda."
Snow não tinha certeza se tinha suportado Sebastian ou se Sebastian tinha suportado ele. Provavelmente os dois tinham se suportado mutuamente. Isso fazia mais sentido.
Eles se levantaram. Snow teve que segurar na mesa por um segundo porque as pernas não queriam cooperar direito. Sebastian estava na mesma situação. Ele se apoiou na cadeira antes de conseguir se equilibrar.
"Prontos?" Snow perguntou.
"Não." Sebastian respondeu honestamente. "Mas vamos mesmo assim."
O caminho até a porta do bar foi mais difícil do que deveria ser. Snow teve que navegar entre mesas e pessoas e cadeiras que pareciam estar propositalmente no caminho. Sebastian estava logo atrás dele. Em algum ponto Sebastian tropeçou em algo e Snow teve que segurá-lo pelo braço para ele não cair.
"Valeu." Sebastian disse.
"Sem problema."
O ar frio da noite bateu forte quando eles saíram. Snow não tinha percebido como estava quente dentro do bar até sentir o vento gelado no rosto. Sebastian parou e respirou fundo.
"Isso é bom." Ele declarou.
"É." Snow concordou embora o frio estivesse fazendo seus olhos lacrimejarem.
A rua estava mais vazia do que Snow esperava. Alguns carros passavam ocasionalmente mas não tinha muita gente andando. Fazia sentido considerando que era quase uma e meia da manhã numa quarta-feira.
"Para que lado?" Sebastian perguntou.
Snow apontou para a esquerda. "Quinze minutos andando. Talvez vinte do jeito que estamos."
"Ótimo." Sebastian começou a andar na direção errada.
"Outro lado." Snow o chamou.
"Certo." Sebastian virou e começou a andar na direção certa desta vez.
Snow o alcançou e eles caminharam lado a lado na calçada. Nenhum deles falou por alguns minutos. O silêncio não era desconfortável. Apenas existia.
Os prédios ao redor eram baixos. Lojas fechadas com portas de metal puxadas para baixo. Um restaurante chinês que ainda estava aberto com luz amarela brilhando através das janelas. Uma lavanderia 24 horas onde Snow podia ver algumas pessoas dentro dobrando roupas.
"Sua irmã é legal." Sebastian disse eventualmente.
Snow pensou sobre isso. "Ela pode ser. Quando quer."
"Ela parece se importar com você."
"Se importa." Snow confirmou. "Do jeito dela."
Sebastian acenou como se entendesse exatamente o que isso significava. Provavelmente entendia. Todo mundo tinha família complicada.
Eles viraram uma esquina. Uma mulher estava sentada na entrada de um prédio fumando cigarro. Ela os olhou quando passaram mas não disse nada. Snow se perguntou que tipo de vida a levava a estar sentada ali fumando sozinha às uma e meia da manhã mas não tinha energia mental para especular muito.
"Quantos anos sua irmã tem?" Sebastian perguntou.
"Vinte e dois." Snow respondeu. "Três anos mais nova que eu."
"Faz sentido."
"Por quê?"
"Porque ela age como alguém de vinte e dois."
Snow não tinha certeza o que isso significava mas não perguntou. Eles continuaram andando. Uma loja de conveniência apareceu do lado direito. Através da janela Snow podia ver o atendente atrás do balcão mexendo no celular.
"Você tem irmãos?" Snow perguntou porque parecia justo fazer perguntas também.
Sebastian demorou para responder. "Não. Filho único."
"Isso deve ser bom às vezes."
"É solitário." Sebastian disse. "Mas também mais simples."
Eles passaram por um parque pequeno. Alguns balanços balançavam levemente com o vento mesmo sem ninguém neles. Snow lembrou de quando costumava vir a parques assim quando era criança. Luna sempre queria ficar nos balanços por horas. Ele tinha que empurrá-la porque ela era muito pequena para se balançar sozinha.
"Você está pensativo." Sebastian observou.
"Estou sempre pensativo quando bebo demais."
"Eu também." Sebastian admitiu. "Começo a lembrar de coisas aleatórias que não importam."
"Como o quê?"
Sebastian pensou por um momento. "Como a primeira vez que trabalhei numa festa infantil e uma criança vomitou nos meus sapatos."
Snow não conseguiu segurar a risada. "Sério?"
"Sério." Sebastian também estava rindo. "Eu tinha acabado de comprar os sapatos. Eram novos. E ela vomitou direto neles porque tinha comido muito bolo."
"Isso é horrível."
"Foi." Sebastian concordou. "Mas também foi engraçado depois. Na hora eu queria morrer mas agora é só uma história idiota."
Eles viraram outra esquina. Snow reconheceu a rua. Estava quase em casa. Mais alguns quarteirões e chegariam.
"Você gosta do seu trabalho?" Snow perguntou mesmo sabendo que a resposta provavelmente era não.
"Às vezes." Sebastian respondeu surpreendentemente. "Quando as crianças são legais e os pais não são irritantes. Mas é raro."
"Então na maioria das vezes você odeia."
"Na maioria das vezes eu tolero." Sebastian corrigiu. "Que é diferente de odiar."
Snow pensou sobre a diferença entre tolerar e odiar. Parecia uma linha muito fina. Especialmente quando se tratava de trabalho.
Um carro passou por eles tocando música alta. Snow conseguiu ouvir bateria pesada e alguém cantando em espanhol. O som desapareceu quando o carro virou na próxima esquina.
"Quase lá." Snow anunciou apontando para um prédio à frente.
"Qual andar?"
"Terceiro."
"Tem elevador?"
"Não."
Sebastian gemeu. "Claro que não."
Snow riu. "Vai sobreviver. São só três andares."
"Para você talvez." Sebastian reclamou mas estava sorrindo.
Eles chegaram na frente do prédio. Era velho mas não estava caindo aos pedaços. Apenas claramente precisava de reforma há uns dez anos. Snow procurou a chave no bolso. Levou mais tempo do que deveria porque suas mãos não estavam cooperando muito bem.
"Precisa de ajuda?" Sebastian ofereceu.
"Não." Snow finalmente encontrou a chave. "Já consegui."
Ele abriu a porta e eles entraram. O hall de entrada cheirava a mofo e produto de limpeza barato. Snow nem notava mais. Você se acostumava com cheiros ruins quando morava num lugar tempo suficiente.
As escadas eram estreitas. Snow subiu primeiro. Sebastian vinha logo atrás respirando um pouco alto. No segundo andar Sebastian parou.
"Preciso de um segundo." Ele disse apoiando na parede.
"Tudo bem." Snow também parou. Ele não estava com pressa.
Depois de alguns segundos Sebastian acenou que estava pronto e eles continuaram. O terceiro andar finalmente apareceu. Snow caminhou até a porta do apartamento dele e procurou a chave certa. Esta foi mais fácil de encontrar.
Ele abriu a porta e entrou. Sebastian entrou logo depois e fechou a porta atrás de si.
O apartamento era pequeno como Snow tinha avisado. Uma sala que também servia como quarto com um sofá-cama encostado na parede. Uma cozinha minúscula que mal cabia uma pessoa. Um banheiro que Snow tinha certeza que violava algum código de construção por ser tão pequeno.
"É aconchegante." Sebastian disse olhando ao redor.
"Você não precisa mentir." Snow jogou as chaves numa mesinha perto da porta. "É pequeno e ruim mas é o que eu consigo pagar."
"Não estou mentindo." Sebastian insistiu. "É realmente aconchegante. No bom sentido."
Snow não discutiu. Ele estava cansado demais para discutir sobre qualquer coisa. Ele foi até o sofá-cama e começou a puxar para transformar em cama. Sebastian veio ajudar mesmo que ajuda significasse apenas segurar uma ponta enquanto Snow fazia o trabalho real.
"Você pode dormir aqui." Snow disse quando a cama finalmente estava montada. "Eu durmo no chão."
"Não." Sebastian protestou. "Eu durmo no chão. É sua casa."
"Você é convidado."
"Convidado que apareceu sem avisar porque estava bêbado demais para lembrar o próprio endereço." Sebastian apontou. "Eu mereço o chão."
Snow estava prestes a discutir mais mas então percebeu que não importava. "Podemos dividir a cama. É grande suficiente."
Sebastian olhou para a cama que definitivamente não era grande suficiente para duas pessoas adultas dormirem confortavelmente. Mas também era melhor do que o chão.
"Se você não se importa." Ele disse.
"Não me importo."
Snow foi até um armário pequeno e pegou um cobertor extra e um travesseiro que raramente usava. Ele deu o travesseiro para Sebastian e guardou o cobertor para si mesmo.
"Banheiro é ali." Snow apontou para a porta ao lado da cozinha. "Caso você precise."
"Obrigado." Sebastian foi até o banheiro. Snow ouviu a torneira abrir e fechar. Depois Sebastian voltou parecendo um pouco mais alerta.
"Sua vez." Ele disse.
Snow foi ao banheiro e lavou o rosto com água fria. Ajudou a clarear a mente um pouco mas não muito. Ele ainda estava definitivamente bêbado. Apenas menos do que estava meia hora atrás.
Quando voltou Sebastian já estava deitado na cama olhando para o teto. Snow apagou a luz da sala deixando apenas a luz fraca que entrava pela janela da rua. Ele se deitou do outro lado da cama.
A cama era realmente pequena. Snow conseguia sentir o calor do corpo de Sebastian mesmo sem estarem se tocando. Era estranho ter alguém tão perto. Ele morava sozinho há tanto tempo que tinha esquecido como era dividir espaço com outra pessoa.
"Seu apartamento é silencioso." Sebastian comentou.
"É isolado." Snow explicou. "As paredes são grossas. Você não ouve os vizinhos a menos que eles estejam gritando."
"Isso é bom."
"É."
Silêncio. Snow olhou para o teto. Tinha uma rachadura que ele nunca tinha notado antes. Ou talvez sempre estivesse lá e ele apenas não prestava atenção.
"Snow?" Sebastian disse.
"Sim?"
"Obrigado. Por deixar eu ficar."
"Sem problema."
Mais silêncio. Mas desta vez era mais confortável. Snow estava começando a sentir sono puxando suas pálpebras para baixo. A bebida estava finalmente fazendo seu trabalho de nocauteá-lo.
Ele estava quase dormindo quando ouviu Sebastian falar de novo.
"Eu te amo."
As palavras vieram do nada. Aleatórias. Sem contexto. Snow não tinha certeza se tinha ouvido direito.
"O quê?" Ele murmurou meio dormindo.
"Eu te amo." Sebastian repetiu. Sua voz soava estranha. Como se ele estivesse sorrindo. "Isso é engraçado. Eu acabei de conhecer você e estou dizendo eu te amo."
Snow processou isso lentamente. Seu cérebro estava funcionando em câmera lenta. Mas eventualmente ele entendeu. Sebastian estava bêbado. Muito bêbado. E estava dizendo coisas aleatórias que não faziam sentido. Era uma piada. Tudo era uma piada.
"Eu também." Snow respondeu porque parecia a resposta certa. E porque tudo era engraçado quando você estava bêbado demais para pensar direito.
Sebastian riu. Não foi uma risada alta. Apenas um som baixo que saiu do peito dele. "Que ridículo."
O riso de Sebastian foi se desfazendo aos poucos, derretendo no ar como neve tocando o chão quente. Depois, veio o silêncio de novo — só que dessa vez... havia alguma coisa diferente nele. Um tipo de calma que vinha com o som da respiração de outra pessoa, tão próxima, tão real.
Snow virou o rosto devagar. A penumbra deixava o quarto em tons suaves, e a luz fraca da rua desenhava linhas sobre o rosto de Sebastian. Ele parecia... tranquilo. Mais do que durante o dia, quando sempre carregava aquela expressão cansada de quem tenta fingir que está tudo bem. Agora, havia algo cru ali — sincero.
Snow sentiu o coração bater um pouco mais forte. Aquilo era idiota. Ele sabia. Mas mesmo assim… havia algo na forma como Sebastian o olhava, mesmo meio zonzo, que fazia tudo parecer inevitável.
"Você realmente fala umas coisas estranhas quando bebe", Snow sussurrou, com um meio sorriso.
Sebastian fechou os olhos, mas o canto da boca dele se ergueu, preguiçoso. "Talvez eu só fique corajoso quando bebo."
Snow ficou quieto. Corajoso… era uma palavra perigosa.
Ele se virou na cama, ficando de frente pra ele, o rosto a poucos centímetros de distância. Pôde sentir o cheiro de álcool misturado com o perfume leve que Sebastian sempre usava — uma mistura confusa e viciante.
Por um momento, nada mais existia. Só o som das respirações se encontrando, o calor compartilhado, e aquela tensão quase invisível — o tipo que não se cria do nada, mas que vem crescendo devagar, escondida entre risadas e olhares rápidos.
"Sebastian..." ele chamou, quase num sussurro.
"Hm?"
Snow hesitou. Podia dizer qualquer coisa. Podia rir, podia empurrá-lo e acabar com aquilo. Mas as palavras simplesmente não vinham. Então ele fez o que parecia mais fácil — deixou o corpo decidir por ele.
Encostou a testa na de Sebastian. Sentiu a pele quente, o leve tremor de quem está à beira do sono e, ainda assim, percebe tudo.
Sebastian abriu os olhos, e por um segundo, o tempo parou.
"Se isso for um sonho..." — ele murmurou, com a voz rouca — "não me acorda, tá?"
Snow sorriu, pequeno, antes de fechar os olhos também.
"Nem se eu quisesse."
E ali, no silêncio que agora era quase um abraço, eles ficaram — dois corações batendo no mesmo ritmo, tentando se convencer de que, mesmo que fosse passageiro, valia a pena sentir.
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