# Capítulo 2: Bebidas e Felicidade
Snow acordou na terça-feira sem absolutamente nada planejado. O apartamento estava quieto demais. Ele ficou deitado por alguns minutos olhando para o teto com uma mancha de umidade no canto que ele sempre prometia consertar mas nunca consertava. O sol entrava pela janela sem cortina porque ele não tinha dinheiro para comprar uma que prestasse.
Eventualmente ele levantou e foi até a cozinha minúscula. Café instantâneo. Torrada sem manteiga porque a manteiga tinha acabado três dias atrás. Ele comeu em pé perto da pia porque a mesa era pequena demais para valer a pena se sentar.
O celular estava em cima do balcão. Snow verificou os emails. Nada. Nenhuma resposta da Storm. Nenhuma resposta de nenhum dos outros lugares onde ele tinha mandado currículo nas últimas semanas. Apenas spam sobre promoções de lojas que ele nunca visitava e não tinha dinheiro para comprar nada mesmo.
Ele passou a manhã procurando vagas online. Advogado júnior. Assistente jurídico. Qualquer coisa relacionada a Direito. Mas todas pediam experiência mínima de dois anos ou conhecimento em áreas específicas que ele não tinha. Uma vaga prometia salário decente mas quando ele clicou para ver os detalhes descobriu que era estágio não remunerado. Não remunerado. Como se alguém pudesse sobreviver em Nova York trabalhando de graça.
Por volta das onze ele desistiu e jogou o celular no sofá. O apartamento tinha apenas um cômodo que servia de quarto e sala ao mesmo tempo. A cozinha era uma área separada por um balcão baixo. O banheiro ficava num cubículo tão pequeno que ele mal conseguia se virar dentro.
Snow pensou em ligar para sua mãe mas decidiu contra. Ela só ia perguntar sobre emprego e ele não tinha nada bom para contar. A última vez que eles conversaram ela tinha sugerido que ele voltasse para casa. Como se voltar para casa resolvesse alguma coisa. Como se ele tivesse passado quatro anos estudando Direito para acabar morando de novo no mesmo lugar onde cresceu.
O celular vibrou. Snow pegou esperando ser mais spam mas era uma mensagem de um número salvo. Sebastian.
"Você está fazendo alguma coisa hoje?"
Snow olhou ao redor do apartamento vazio. Para a pia com pratos sujos que ele estava evitando lavar há dois dias. Para a pilha de roupas no canto que precisavam ser lavadas.
"Nada importante."
A resposta veio rápido. "Quer beber algo mais tarde? Conheço um lugar."
Snow não tinha bebido desde a faculdade. Não porque não gostasse mas porque bebida custava dinheiro e ele preferia gastar em comida. Mas a ideia de ficar no apartamento pelo resto do dia sozinho não era muito atraente.
"Que horas?"
"Umas seis? Te mando o endereço."
"Ok."
Snow jogou o celular de volta no sofá. Pelo menos agora ele tinha alguma coisa para fazer. Ele tomou banho usando água fria porque o aquecedor estava quebrado há semanas. Escovou os dentes. Passou desodorante. Escolheu uma camisa que não estava muito amassada.
O resto da tarde passou devagar. Snow assistiu alguns vídeos no celular. Comeu macarrão instantâneo no almoço. Tentou não pensar muito sobre o fato de que sua vida tinha se resumido a isso. Acordar sem propósito. Passar o dia sem fazer nada importante. Dormir e repetir tudo no dia seguinte.
Às cinco e meia ele já estava pronto. A mensagem de Sebastian tinha chegado com o endereço de um bar no Lower East Side. Snow verificou a rota no mapa. Duas linhas de metrô e uma caminhada de dez minutos. Ele saiu do apartamento às cinco e quarenta.
O metrô estava cheio de gente voltando do trabalho. Snow ficou em pé segurando o corrimão enquanto o vagão balançava. Uma mulher ao lado dele falava alto no telefone sobre algum problema com o chefe. Um cara do outro lado dormia com a cabeça apoiada na janela.
Snow desceu na estação certa e começou a andar. O bairro era diferente do dele. Mais movimento. Mais lojas abertas. Pessoas andando em grupos rindo de coisas que ele não podia ouvir. Ele passou por um restaurante tailandês. Uma lavanderia. Uma loja de conveniência com produtos expostos na calçada.
O bar ficava numa esquina. O nome estava escrito em letras vermelhas numa placa acima da porta. O lugar parecia velho mas não sujo. Apenas usado. Snow entrou e imediatamente ouviu música tocando baixo. Algo que ele não reconheceu. Rock talvez.
Havia algumas mesas ocupadas. Grupos de amigos conversando. Um casal no canto dividindo batatas fritas. Snow procurou Sebastian mas não viu ninguém com fantasia de palhaço. Na verdade ele não viu Sebastian de jeito nenhum.
Ele estava prestes a pegar o celular para mandar mensagem quando alguém acenou para ele. Snow olhou melhor. Um cara sentado sozinho numa mesa perto do fundo. Cabelo de um tom ruivo escuro. Sem maquiagem. Vestindo jeans e uma camiseta preta simples.
Sebastian.
Snow andou até a mesa tentando não parecer muito surpreso. Sem a fantasia e sem toda aquela maquiagem Sebastian parecia completamente diferente. Mais novo. O rosto tinha traços definidos. Olhos escuros. Uma barba por fazer que cobria o queixo.
"Você parece diferente." Snow disse porque não conseguiu pensar em nada melhor.
Sebastian riu. "Bem vindo ao mundo real onde eu não me visto de palhaço vinte e quatro horas por dia."
Snow se sentou. A cadeira rangeu um pouco. "É estranho. Eu meio que tinha me acostumado com a versão colorida."
"A versão colorida é para trabalho." Sebastian empurrou um menu através da mesa. "Aqui eu sou apenas uma pessoa normal bebendo cerveja ruim."
O menu tinha uma seleção surpreendentemente grande de bebidas. Cervejas nacionais e importadas. Vinho que provavelmente era tão barato quanto o que eles tinham tomado no restaurante italiano. Alguns coquetéis com nomes estranhos.
Um garçom veio até a mesa. Jovem. Tatuagens nos braços. Ele perguntou o que eles queriam.
"Duas cervejas." Sebastian disse. "Qualquer uma que você recomendar."
O garçom anotou e foi embora. Snow olhou ao redor do bar. Não era nada especial. Paredes de tijolos. Chão de madeira arranhado. Algumas fotos antigas penduradas que provavelmente vieram com o lugar quando foi comprado.
"Como você conheceu esse lugar?" Snow perguntou.
"Venho aqui às vezes." Sebastian estava mexendo num guardanapo na mesa. "É barato e não tem muita gente chata."
As cervejas chegaram. Garrafas geladas com o rótulo meio descascado. Snow tomou um gole. Amarga mas boa. Ele não tinha bebido cerveja há meses.
"Então." Sebastian bebeu também. "Alguma notícia sobre o emprego?"
"Nada ainda."
"Eles vão ligar."
"Talvez." Snow não estava tão convencido. Já tinha se passado alguns dias e geralmente quando as empresas estavam interessadas elas ligavam rápido. O silêncio normalmente significava rejeição.
Sebastian não pressionou o assunto. Eles ficaram sentados bebendo em silêncio confortável por alguns minutos. A música mudou para algo mais calmo. Alguém riu alto numa mesa próxima.
"Você tinha mais festas infantis essa semana?" Snow perguntou eventualmente.
"Três." Sebastian fez uma careta. "Uma foi terrível. As crianças eram monstros e os pais não faziam nada para controlar."
"Isso acontece muito?"
"Mais do que você imaginaria." Sebastian terminou a primeira cerveja e acenou para o garçom trazer outras. "Tem pais que acham que contratar um palhaço significa que eles podem ignorar os filhos completamente."
Snow tentou imaginar Sebastian com toda aquela maquiagem lidando com crianças fora de controle. A imagem era meio engraçada e meio triste ao mesmo tempo.
"Por que você ainda faz isso?" Ele perguntou. "Se é tão ruim."
Sebastian deu de ombros. "Paga as contas. Mal mas paga."
"Você já tentou outras coisas? Teatro de verdade?"
"Tentei durante anos." As novas cervejas chegaram e Sebastian pegou uma. "Fiz testes. Consegui alguns papéis pequenos em produções independentes que ninguém assistiu. Trabalhei de graça em teatro experimental que era basicamente alguns amigos fazendo apresentações para outros amigos."
"E não deu certo."
"Não." Sebastian bebeu. "No final eu precisava de dinheiro e alguém me ofereceu trabalho fazendo festas. Era para ser temporário mas aqui estou eu três anos depois."
Snow entendia aquela sensação. A de aceitar algo temporário que acabava virando permanente porque não havia opções melhores. A de desistir aos poucos dos sonhos originais porque a realidade era mais insistente.
"Pelo menos você usa o que estudou de alguma forma." Snow disse. "Eu estudei Direito e agora estou fazendo entrevista para vender bolsas."
"Se eles te aceitarem."
"Se me aceitarem." Snow concordou.
Eles beberam mais. A segunda cerveja desceu mais fácil que a primeira. Snow começou a sentir aquele calor agradável no estômago que vinha com álcool. Não muito. Apenas o suficiente para relaxar.
O celular de Snow vibrou. Ele pegou e viu uma mensagem da irmã. Luna.
"Onde você está? Estou na frente do seu prédio."
Snow leu a mensagem duas vezes. Luna não tinha avisado que viria. Na verdade ela nunca avisava. Apenas aparecia quando queria e esperava que ele estivesse disponível.
"Merda." Ele disse em voz alta.
Sebastian levantou as sobrancelhas. "Problema?"
"Minha irmã." Snow digitou uma resposta rápida perguntando o que ela estava fazendo ali. "Ela apareceu sem avisar."
A resposta veio quase instantânea. "Vim visitar. Você vai me deixar esperando na rua?"
Snow olhou para Sebastian. Para as cervejas na mesa. Para o bar que estava começando a ficar mais cheio agora que era noite.
"Ela está na minha casa." Snow explicou. "Eu provavelmente deveria voltar."
"Traga ela aqui."
Snow piscou. "Sério?"
"Por que não?" Sebastian terminou a segunda cerveja. "Quanto mais gente melhor. E eu já pedi uma rodada de shots."
Snow não tinha certeza se era boa ideia mas também não queria cancelar os planos. E conhecendo Luna ela não ia embora só porque ele pediu. Ela provavelmente ia ficar esperando ou pior ia invadir o apartamento usando a chave reserva que ela tinha roubado dele há anos.
"Ok." Snow mandou o endereço do bar para Luna. "Ela vem para cá."
"Ela é mais velha ou mais nova?"
"Mais nova. Por dois anos."
Sebastian acenou. O garçom trouxe uma bandeja com seis shots de algo que parecia vodka mas provavelmente era cachaça barata. Sebastian pegou um e ofereceu outro para Snow.
"Pela família inesperada." Sebastian brindou.
Snow bateu o shot dele contra o de Sebastian e virou de uma vez. Queimou descendo pela garganta. Ele tossiu um pouco. Sebastian riu e virou o próprio shot sem problemas.
Luna chegou quinze minutos depois. Snow a viu entrar pela porta. Cabelo preto curto. Brincos grandes. Jaqueta de couro surrada que ela usava desde o ensino médio. Ela olhou ao redor do bar até encontrar Snow e veio andando até a mesa.
"Você não respondeu minhas últimas três mensagens." Foi a primeira coisa que ela disse. "Achei que tinha morrido."
"Estive ocupado." Snow mentiu.
Luna olhou para Sebastian com curiosidade óbvia. Sebastian levantou ligeiramente a mão num cumprimento informal.
"Oi." Ele disse. "Sebastian."
"Luna." Ela se sentou na cadeira vazia sem esperar convite. "Você é amigo do meu irmão?"
"Mais ou menos." Sebastian empurrou um dos shots restantes para ela. "Conheci ele alguns dias atrás."
Luna pegou o shot e cheirou. Fez uma careta. "Isso é cachaça?"
"Provavelmente."
Ela virou mesmo assim. Snow a observou limpar a boca com as costas da mão. Luna sempre tinha sido assim. Direta. Sem cerimônia. Fazendo coisas sem pensar muito nas consequências.
"Então." Luna se virou para Snow. "Conseguiu emprego?"
"Ainda não."
"Mas foi na entrevista?"
"Fui."
Luna olhou entre Snow e Sebastian como se estivesse tentando descobrir alguma coisa. "E você Sebastian. O que faz?"
Sebastian hesitou por apenas uma fração de segundo. "Entretenimento infantil."
Luna piscou. "Tipo o quê? Mágica?"
"Algo assim."
"Ele é palhaço." Snow disse porque não via motivo para esconder. "De festas infantis."
Luna começou a rir. Não um riso educado mas uma gargalhada genuína que fez algumas pessoas nas mesas próximas olharem. "Sério? Você é palhaço?"
Sebastian não pareceu ofendido. "Sério."
"Isso é hilário." Luna limpou os olhos. "Desculpa mas é engraçado demais."
"Por que?" Sebastian perguntou com curiosidade real.
"Porque." Luna gesticulou vagamente. "Você não parece palhaço. Parece mais tipo músico de banda indie ou barista de café hipster."
"Obrigado?" Sebastian não tinha certeza se era elogio ou não.
"É elogio." Luna confirmou. Ela acenou para o garçom. "Posso pedir uma cerveja?"
O garçom veio e anotou. Luna pediu a mesma que Snow e Sebastian estavam bebendo. Quando a bebida chegou ela tomou um longo gole antes de se virar para Sebastian de novo.
"Então você usa aquelas roupas coloridas e maquiagem?"
"No trabalho sim."
"E faz o quê? Animais de balão?"
"Entre outras coisas."
Luna balançou a cabeça rindo de novo. "Isso é perfeito. Meu irmão fazendo amizade com um palhaço. Só podia ser ele mesmo."
Snow revirou os olhos. "Você apareceu sem avisar na minha casa. Não tem direito de julgar minhas amizades."
"Eu não julgo." Luna bebeu mais cerveja. "Acho ótimo. Você precisa de amigos. Vive trancado naquele apartamento depressivo."
"Meu apartamento não é depressivo."
"É sim." Luna se virou para Sebastian. "Você já viu? É tipo uma caixa. Nem janela direito tem."
Sebastian riu baixo. "Não visitei ainda."
"Não perca nada." Luna terminou a cerveja surpreendentemente rápido. "Sério Snow você precisa arranjar um lugar melhor."
"Com que dinheiro?"
"Arranja um emprego primeiro."
"Estou tentando."
Luna deu de ombros como se a solução fosse óbvia e Snow estava sendo difícil de propósito. Ela sempre fazia isso. Simplificava problemas complicados porque na cabeça dela tudo era fácil.
O garçom trouxe outra rodada de bebidas. Desta vez Luna pediu shots também. Tequila. Snow realmente não queria beber tequila mas não disse nada quando Luna colocou um na frente dele.
"Pela reunião de família." Luna brindou.
Eles viraram os shots. Snow sentiu a tequila queimar muito pior que a cachaça. Sebastian parecia completamente imune a qualquer tipo de álcool.
"Você bebe assim sempre?" Snow perguntou para Sebastian.
"Só quando preciso esquecer que passei o dia fazendo truques de mágica para crianças de cinco anos."
Luna riu de novo. "Eu gosto dele." Ela apontou para Sebastian. "Ele é engraçado."
Sebastian apenas sorriu. "Obrigado."
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