# Capítulo 1: Correria
Snow mal tinha saído do prédio quando seu celular vibrou no bolso. Ele parou na calçada enquanto pessoas passavam apressadas dos dois lados. A mensagem era de um número desconhecido, mas ele rapidamente entendeu quem era.
"Você esqueceu suas chaves aqui."
Snow enfiou a mão no bolso da calça. Vazio. Merda. As chaves da casa tinham caído em algum lugar durante a entrevista. Ele digitou uma resposta rápida.
"Onde você está?"
"Terceiro andar. Corredor oeste."
Snow virou e começou a andar de volta para o prédio. A recepcionista levantou as sobrancelhas quando o viu entrar novamente, mas não disse nada. Ele passou direto pelas catracas e entrou no elevador que já estava aberto. Terceiro andar. O botão estava manchado com marcas de dedos de outras pessoas que tinham usado aquele elevador antes dele.
O corredor oeste era mais longo do que ele lembrava. Havia portas de vidro dos dois lados mostrando escritórios onde pessoas trabalhavam olhando para computadores ou conversando em pequenos grupos. Snow passou por todas essas cenas sem prestar muita atenção até que finalmente viu Sebastian encostado numa parede perto de uma janela grande.
A fantasia verde e preta ainda cobria o corpo todo dele. A maquiagem pesada de palhaço transformava o rosto em algo que deveria ser engraçado mas não era. Sebastian segurava um molho de chaves na mão direita e acenava com elas quando Snow se aproximou.
"Obrigado." Snow pegou as chaves e guardou no bolso mais fundo desta vez.
Sebastian deu de ombros como se não fosse grande coisa. Os dois ficaram ali parados por alguns segundos sem dizer nada. Snow olhou pela janela que dava para a rua. As pessoas pareciam formigas daquela altura.
"Você quer tomar um café comigo?" Snow perguntou porque não tinha nada melhor para fazer. "Daqui a uma hora talvez."
Sebastian balançou a cabeça. "Tenho muita coisa para fazer hoje."
"Que tipo de coisa?"
"Trabalho." Sebastian começou a andar pelo corredor de volta para os elevadores. "Preciso passar em vários lugares pela cidade."
Snow acompanhou enquanto pensava que provavelmente deveria ir embora e deixar o cara em paz. Mas a verdade era que ele não tinha absolutamente nada esperando por ele em casa. Nenhum trabalho para revisar. Nenhuma ligação importante para fazer. Apenas as paredes vazias do apartamento minúsculo que ele mal conseguia pagar.
"Eu poderia ajudar." As palavras saíram antes que ele pudesse pensar melhor. "Não tenho nada para fazer mesmo."
Sebastian parou de andar e olhou para ele. A maquiagem tornava impossível ler a expressão real no rosto dele, mas havia algo nos olhos que sugeriu que ele estava considerando a oferta.
"Você tem certeza?" Sebastian perguntou. "Vai ser chato provavelmente."
"Minha tarde inteira seria chata de qualquer jeito."
Sebastian riu. O som era abafado pela máscara de maquiagem mas ainda assim parecia genuíno. "Tudo bem então. Vamos."
Eles pegaram o elevador até o térreo e saíram para a rua. O sol estava forte apesar de estar apenas no meio da manhã. Snow piscou algumas vezes até seus olhos se ajustarem à claridade. Sebastian já estava andando pela calçada como se soubesse exatamente para onde ir.
"Primeira parada fica a três quarteirões daqui." Sebastian falava enquanto caminhava. "Preciso pegar umas coisas."
Snow tentou não pensar em como Sebastian chamava atenção das pessoas na rua. Todo mundo olhava para a fantasia de palhaço. Algumas crianças apontavam. Uma mulher mais velha fez uma careta de desaprovação. Sebastian ignorava todos eles completamente.
Eles chegaram a uma loja pequena que vendia tecidos. A dona era uma mulher na casa dos cinquenta que cumprimentou Sebastian pelo nome assim que ele entrou.
"Sebastian! Suas encomendas chegaram ontem." Ela desapareceu nos fundos da loja.
Snow ficou olhando os rolos de tecido nas prateleiras. Havia de tudo. Seda. Algodão. Linho. Materiais que ele nem sabia o nome. A mulher voltou carregando três sacolas grandes cheias de pacotes embrulhados em papel pardo.
"Tudo certinho como você pediu."
Sebastian pegou as sacolas e entregou duas delas para Snow. "Você se importa?"
"Não." Snow segurou as sacolas que eram mais leves do que pareciam.
Eles saíram da loja e continuaram andando. A próxima parada foi um prédio residencial no East Village. Sebastian apertou o interfone e esperou até que alguém respondesse com uma voz rouca de sono.
"Sou eu."
O portão eletrônico fez um barulho e destravou. Sebastian subiu as escadas até o quarto andar enquanto Snow o seguia carregando as sacolas. O apartamento que eles visitaram pertencia a um homem jovem que parecia ter acabado de acordar. Ele estava de moletom e tinha marcas do travesseiro no rosto.
"Trouxe o que você pediu." Sebastian entregou uma das sacolas que Snow estava carregando.
O homem olhou dentro e sorriu. "Perfeito. Quanto eu devo?"
"Nada. Já está pago."
Eles saíram depois de alguns minutos de conversa sobre coisas que Snow não entendia completamente. Algo sobre costuras e padrões. Ele apenas ficou parado perto da porta esperando.
De volta à rua, Sebastian verificou o celular e franziu a testa. "Temos que ir para o Upper West Side agora."
"Tudo bem."
Eles pegaram o metrô. O vagão estava lotado mesmo não sendo hora do rush. Snow ficou em pé segurando o corrimão enquanto o trem balançava. Sebastian estava ao lado dele ainda com aquela fantasia ridícula. Ninguém sentado ofereceu lugar para o palhaço.
A parada no Upper West Side foi em outro apartamento. Desta vez uma mulher na casa dos trinta abriu a porta. Ela usava roupas de yoga e tinha um tapete enrolado debaixo do braço.
"Você está atrasado." Ela não parecia brava, apenas constatando um fato.
"Desculpa. O metrô estava lento."
A mulher deixou eles entrarem. O apartamento era pequeno mas bem decorado. Havia plantas por toda parte. Sebastian foi direto para um canto onde estava uma pilha de caixas.
"São essas?" Ele perguntou.
"Sim. Preciso que você leve para o depósito."
Sebastian começou a pegar as caixas. Snow ajudou sem que ninguém pedisse. Havia seis caixas no total. Elas não eram pesadas mas eram volumosas. Eles precisaram fazer duas viagens até a rua onde um táxi estava esperando.
O motorista do táxi olhou para Sebastian através do retrovisor mas não disse nada. Ele apenas dirigiu para o endereço que Sebastian deu. O depósito ficava no Queens. Uma área industrial cheia de galpões e armazéns.
Depois de deixar as caixas com um funcionário que nem piscou ao ver a fantasia de Sebastian, eles voltaram para Manhattan. Snow estava começando a ficar com fome. Já era passado do meio-dia.
"Quantos lugares mais?" Ele perguntou.
Sebastian verificou o celular de novo. "Uns quatro ou cinco talvez."
Snow suspirou mas não reclamou. Ele tinha se oferecido para ajudar afinal. A próxima parada foi uma loja de antiguidades no SoHo. O dono era um homem velho que usava óculos grossos e falava com um sotaque que Snow não conseguiu identificar.
"Ah, Sebastian! Finalmente!" O homem gesticulou dramaticamente. "Pensei que você tinha esquecido do pobre velho aqui."
"Nunca esqueceria de você, senhor Kovač."
Eles passaram vinte minutos na loja enquanto o senhor Kovač mostrava vários objetos para Sebastian. Uma caixa de música antiga. Um conjunto de xícaras de porcelana. Um relógio de bolso que não funcionava mais. Sebastian inspecionava cada item cuidadosamente antes de acenar com a cabeça ou balançar a cabeça.
No final, ele escolheu a caixa de música e o relógio. O senhor Kovač embrulhou tudo em jornal velho e colocou numa sacola de pano.
"Para quem são?" Snow perguntou quando eles estavam de volta na rua.
"Presentes."
"Para quem?"
Sebastian apenas sorriu sem responder.
A tarde foi passando assim. Mais lojas. Mais apartamentos. Mais pessoas que cumprimentavam Sebastian como se o conhecessem há anos. Snow começou a se perguntar que tipo de vida era essa. Sebastian tinha dito que era amigo de alguém que trabalhava na Storm, mas isso não explicava por que ele conhecia tanta gente ou por que estava fazendo todos esses recados estranhos pela cidade.
Em um dos lugares, uma galeria de arte pequena no West Village, a dona beijou Sebastian nas duas bochechas apesar da maquiagem. Ela era uma mulher alta e magra que usava roupas pretas e tinha cabelo curto tingido de roxo.
"Querido! Quanto tempo!" Ela falava rápido e com as mãos. "Preciso que você veja uma coisa."
Ela levou Sebastian até os fundos da galeria. Snow ficou olhando as pinturas nas paredes. A maioria era arte abstrata que ele não entendia. Formas coloridas que supostamente significavam alguma coisa mas para ele eram apenas borrões de tinta.
Quando Sebastian voltou, ele estava carregando um quadro embrulhado em papel protetor. "Obrigada, Miriam."
"De nada, querido. Você sabe que eu guardaria isso para sempre se fosse necessário."
Já eram quase cinco da tarde quando eles finalmente terminaram todos os recados. Snow estava cansado de andar. Os pés doíam dentro dos sapatos sociais que ele tinha usado para a entrevista. Sebastian parecia tão energético quanto estava no começo do dia.
"Você está com fome?" Sebastian perguntou.
"Sim."
"Conheço um lugar."
O lugar era um restaurante italiano pequeno numa rua lateral perto da Union Square. Não era nada chique. Apenas algumas mesas com toalhas xadrez vermelho e branco. O cheiro de alho e manjericão preenchia o ar.
Eles se sentaram numa mesa no canto. Um garçom jovem trouxe o cardápio mas Sebastian nem olhou.
"Dois pratos de macarrão ao molho de tomate. E uma garrafa do vinho da casa."
O garçom anotou e foi embora. Snow olhou ao redor do restaurante. Havia apenas mais três mesas ocupadas. Um casal idoso comendo em silêncio. Dois homens de negócios discutindo algo em voz baixa. Uma mulher sozinha lendo um livro enquanto comia salada.
"Você vem aqui sempre?" Snow perguntou.
"De vez em quando."
O vinho chegou primeiro. O garçom encheu dois copos. Snow tomou um gole. Era vinho barato mesmo. Meio azedo. Mas depois de uma tarde inteira andando pela cidade, qualquer vinho seria bem-vindo.
"Então." Sebastian apoiou os cotovelos na mesa. A maquiagem de palhaço estava começando a borrar um pouco ao redor dos olhos. "Como foi a entrevista de verdade? Antes de você esquecer as chaves."
Snow riu sem humor. "Não faço ideia. A mulher que me entrevistou não deu nenhuma pista se eu fui bem ou não."
"Essas coisas demoram. Eles provavelmente vão te ligar na semana que vem."
"Talvez." Snow tomou mais vinho. "Embora eu nem saiba se quero trabalhar lá de verdade."
"Por que não?"
"Porque não é o que eu estudei para fazer." As palavras saíram mais amargas do que ele pretendia. "Passei quatro anos na faculdade de Direito. Meu sonho era ser advogado. Trabalhar em tribunal. Defender casos importantes."
Sebastian não disse nada. Apenas esperou.
"Mas aí consegui aquele trabalho num escritório pequeno." Snow continuou porque aparentemente não conseguia parar agora que tinha começado. "Eu pensava que seria o primeiro passo. Ganhar experiência. Fazer contatos. Eventualmente abrir meu próprio escritório ou virar juiz talvez."
"O que aconteceu?"
"O sócio principal me demitiu." Snow terminou o vinho do copo e serviu mais. "Disse que eu não tinha o perfil certo para o ramo."
"Que merda."
"É." Snow olhou para o copo na mão dele. "E agora estou aqui fazendo entrevista para trabalhar numa empresa de luxo vendendo bolsas caras para gente rica. Isso se eles me aceitarem."
O macarrão chegou. Dois pratos fumegantes com molho vermelho simples e algumas folhas de manjericão por cima. Snow começou a comer porque estava morrendo de fome. O macarrão estava bom. Nada especial mas bom o suficiente.
"Pelo menos você foi para a faculdade." Sebastian falou depois de alguns minutos em silêncio. "Tem um diploma. Alguma coisa para mostrar."
"Você não foi?"
"Fui." Sebastian enrolou macarrão no garfo. "Sete anos estudando teatro."
Snow quase cuspiu o vinho. "Sete anos?"
"É. Graduação e depois mestrado. E agora olha para mim." Sebastian gesticulou para a fantasia de palhaço. "Animador de festas infantis."
"Sério?"
"Completamente sério." Sebastian não parecia estar brincando apesar de toda aquela maquiagem no rosto. "Sete anos da minha vida estudando Shakespeare e Stanislavski e Brecht. E no final estou fazendo crianças de cinco anos rirem enquanto faço truques de mágica baratos."
Snow não sabia o que dizer. Havia algo de absurdo na situação toda. Dois caras sentados num restaurante barato em Nova York. Um albino desempregado que estudou Direito. Um palhaço que estudou teatro por sete anos. Ambos reclamando de como a vida não tinha saído como planejado.
"Pelo menos você tem trabalho." Snow finalmente disse.
"Trabalho que paga uma miséria." Sebastian tomou mais vinho. "Mal cobre o aluguel."
"Ainda assim é melhor que nada."
"Eu acho."
Eles continuaram comendo em silêncio. O restaurante estava ficando mais cheio agora que era hora do jantar. Mais pessoas entravam e ocupavam as mesas vazias. O barulho de conversas e talheres batendo em pratos aumentou gradualmente.
Snow pensou em todas as escolhas que tinha feito até chegar naquele ponto. A decisão de estudar Direito porque parecia uma carreira estável. A decisão de aceitar aquele trabalho no escritório mesmo que o salário fosse ruim. A decisão de continuar tentando mesmo depois de ser demitido.
Talvez ele devesse ter feito diferente. Estudado outra coisa. Escolhido outro caminho. Mas já era tarde demais para isso agora.
"Você sabe o que é engraçado?" Snow falou. "As pessoas olham para mim e assumem que eu tenho dinheiro. Por causa do cabelo. Da pele. Do jeito que eu pareço."
"Você mencionou isso hoje mais cedo."
"É porque é verdade." Snow esfregou o rosto com as mãos. "Eu cresci em bairro pobre. Minha mãe trabalhava dois empregos para pagar as contas. Eu usei roupas de segunda mão a vida inteira até conseguir aquele trabalho no escritório."
"Mas as pessoas não veem isso."
"Não. Elas veem um cara albino magro e bonito e pensam que eu devo ser modelo ou rico ou as duas coisas." Snow riu amargamente. "Quando na verdade eu mal consigo pagar o aluguel do apartamento mais vagabundo de toda Nova York."
Sebastian assentiu como se entendesse perfeitamente. Ele provavelmente entendia. Afinal, aqui estava ele vestido de palhaço reclamando de ter estudado teatro por sete anos.
"Às vezes eu penso em desistir." Snow admitiu. "Largar tudo e fazer outra coisa. Trabalhar em restaurante. Virar motorista de Uber. Qualquer coisa que não exija diploma universitário e anos de estudo que não levaram a nada."
"Mas você não vai fazer isso."
"Não. Provavelmente não." Snow terminou o macarrão e empurrou o prato vazio para o lado. "Porque eu sou idiota demais para desistir."
"Ou corajoso demais."
Snow olhou para Sebastian. A maquiagem de palhaço estava ainda mais borrada agora. Parte do nariz vermelho tinha saído revelando a pele normal por baixo. Mas os olhos eram sérios.
"Você realmente estudou teatro por sete anos para virar palhaço de festa infantil?" Snow perguntou.
"Realmente."
"Isso é deprimente."
"É." Sebastian encheu os copos de vinho de novo. "Mas pelo menos eu me visto bem para o papel."
Snow lembrou do que Sebastian tinha dito mais cedo quando ele comentou sobre as roupas. "Um miserável deveria se vestir assim."
"Exatamente."
Eles ficaram sentados ali por mais uma hora. Bebendo o vinho barato. Conversando sobre sonhos que não se realizaram e planos que deram errado. O garçom trouxe a conta eventualmente e Sebastian pagou antes que Snow pudesse protestar.
"Você me ajudou a tarde toda." Sebastian explicou. "É o mínimo que posso fazer."
Eles saíram do restaurante juntos. A noite tinha caído sobre Nova York. As luzes da cidade estavam todas acesas transformando as ruas em rios de néon e LED. Snow olhou para o céu mas não conseguiu ver nenhuma estrela. Nunca conseguia em Nova York.
"Obrigado pela companhia hoje." Sebastian disse.
"Obrigado por me deixar ajudar." Snow respondeu. "Foi melhor do que ficar em casa sozinho."
"Sim. Foi."
Eles ficaram parados na calçada por um momento. As pessoas passavam ao redor deles sem prestar atenção. Apenas mais dois estranhos na cidade que nunca dormia.
"Bem." Snow não tinha certeza do que dizer. "Até logo, eu acho."
"Até logo."
Snow começou a se afastar mas parou depois de alguns passos. Ele se virou de volta para olhar Sebastian mais uma vez. O palhaço estava parado exatamente onde ele tinha deixado. A fantasia verde e preta. A maquiagem borrada. Tudo tão ridículo e triste ao mesmo tempo.
"Ei, Sebastian?" Snow chamou.
"Sim?"
"Boa sorte com as festas infantis."
Sebastian sorriu. Mesmo com toda aquela maquiagem, o sorriso parecia genuíno. "Boa sorte com a Storm."
Snow acenou e finalmente se afastou de verdade desta vez. Ele andou pelas ruas de Nova York em direção ao metrô que o levaria para casa. O apartamento minúsculo. As paredes vazias. A vida que ele ainda estava tentando construir apesar de tudo.
Mas enquanto andava, ele percebeu que se sentia um pouco menos sozinho do que tinha se sentido pela manhã. Talvez fosse o vinho. Talvez fosse a tarde passada ajudando um palhaço estranho com recados pela cidade. Ou talvez fosse simplesmente bom saber que ele não era o único cara em Nova York cujos sonhos não tinham se realizado como planejado.
Comments (1)