Capítulo 1: O Preço da Ignorância
O quarto de Lilian era um santuário de excessos, algo que ela tentava ignorar sempre que podia. Sentada em sua cama de dossel – sim, uma cama de dossel, como se estivesse vivendo em um romance de época, mas com a estrutura dourada banhada a ouro branco para não parecer tão "brega" –, ela estava estrategicamente aninhada entre montanhas de travesseiros de seda da Versace, ou talvez fosse outra marca cara que ela não se dava ao trabalho de memorizar. O importante era: conforto e isolamento.
O peso de ser filha de Sebastian e Hessoo, os 'Reis do Pop' mundialmente famosos, era um fardo diário, uma ironia cruel considerando o quão alheia Lilian tentava ser à glória deles. Seu celular estava a poucos centímetros do rosto, a luz azulada iluminando o rosto dela em um ambiente que, apesar de luxuoso, parecia dominado pela escuridão de uma tarde nublada.
O telefone de cabeceira, um modelo antigo e elegantemente pesado, projetado para parecer uma antiguidade vitoriana, começou a tocar. O som era irritante, uma melodia clássica que parecia zombar da tecnologia moderna.
*Triiiiim... Triiiiim... Triiiiim...*
Lilian não piscou. Ignorou o intruso sonoro com a determinação de alguém que pratica meditação avançada. Seus pais costumavam ligar incessantemente, ou era o assistente deles, ou talvez o gerente de turnê. Não importava. Aquele volume de chamadas geralmente significava que algo inconveniente estava prestes a ser imposto à sua agenda perfeitamente planejada de não fazer absolutamente nada produtivo, exceto dedicar-se à sua atividade mais vital: a briga com estranhos online.
Ela estava em meio a uma intensidade particular. As unhas pintadas de preto voavam sobre a tela de vidro, o teclado virtual estalando suavemente enquanto ela compunha o que ela considerava uma obra-prima de sarcasmo. O destino de sua fúria? Um perfil anônimo chamado "Starlight_SebaFanatic47".
“Você é patética, garota”, digitou Lilian, os olhos semicerrados na tela. “Você vive debaixo da ponte se a sua maior conquista na vida é saber o *nome* do álbum de 20 anos do meu pai. Arranja uma vida, querida. A minha, honestamente, não é tão interessante quanto você pensa.”
Ela esperava a resposta com uma satisfação fria. O confronto era a única coisa que parecia real e satisfatória em sua existência dourada, mas vazia.
*Starlight_SebaFanatic47* respondeu quase instantaneamente. "Patético é você ter vergonha das suas próprias origens. Seus pais são lendas. E você nem sabe citar uma música sequer de *Got it, now go*. Kkkkk. Que vergonha. A atitude de 'sou rica e superior' não funciona quando você é ignorante sobre o legado que te sustenta.”
O sangue de Lilian subiu. Não pela crítica sobre a vergonha – essa era sua bandeira particular, e ela a defendia com unhas e dentes. Mas ser chamada de *ignorante*? E ainda por cima, *Starlight_SebaFanatic47* estava zombando abertamente dela por não saber sobre algum álbum obscurecido chamado... *Got it, now go*?
A ironia era palpável. A única razão pela qual ela não se importava com o passado musical de Sebastian era *porque* ela se envergonhava da sua hipervisibilidade. Mas esse hater estava apontando um buraco em sua armadura: a falta de conhecimento factual.
*Humph. Ele está blefando*, pensou Lilian, mordendo o lábio inferior. *Deve ser um álbum que nem ficou nas paradas por mais de duas semanas. Ou é uma compilação de sobras.*
Ela não podia deixar essa passar. Essa pessoa anônima estava usando a própria ignorância calculada de Lilian como munição.
Antes de digitar uma refutação automática e vazia, Lilian fez uma pausa. Se ela fosse confrontar o hater, precisava fazê-lo com dados. O objetivo não era admitir que ele estava certo, mas deslegitimar a importância do álbum.
Com um suspiro dramático, ela minimizou o aplicativo de mensagens. Abriu o Google Chrome.
Digitou, relutantemente: "Sebastian Got it, now go album".
A página carregou quase que instantaneamente, revelando uma enxurrada de resultados. O que ela esperava era um link obscuro da Wikipédia ou um fórum de fãs de nicho. O que ela encontrou foi algo muito diferente.
O primeiro link era do "Global Music Archive", um site que catalogava recordes mundiais de música.
*Got It, Now Go – A Era Que Redefiniu o Pop.*
Lilian franziu a testa, ligeiramente desconfortável. Isso parecia... maior do que ela imaginava. Ela clicou no link, esperando por algum tipo de exagero jornalístico.
A tela se encheu de fotos de um Sebastian mais jovem, pré-Hessoo, com cabelos descoloridos e uma atitude que gritava 'deus do rockstar'. O artigo era extenso.
"Lançado há quinze anos, no auge da carreira solo de Sebastian, 'Got it, now go' não foi apenas um álbum; foi um fenômeno cultural," Lilian leu, seus olhos percorrendo as palavras. "Ele representa o auge da capacidade de composição de Sebastian, onde ele transformou o pop em uma forma de arte visceral."
Quinze anos. Isso significava que o álbum havia sido lançado mais ou menos na mesma época em que ela foi adotada, quando tinha cinco anos.
Lilian sentiu um estranho choque. Seu Sebastian era o pai superprotetor excessivamente maquiado, o homem que fazia aparições públicas com fantasias questionáveis, o marido de Hessoo que parecia mais concentrado em manter sua imagem pop *romântica* do que em produzir música que realmente a movesse.
O artigo continuou, listando as conquistas.
Lilian teve que reler o parágrafo três vezes para ter certeza de que não estava cometendo um erro de interpretação.
*O álbum ficou por um ano inteiro no topo das paradas mundiais.*
Um ano. Não duas semanas. Não um mês. Cento e cinquenta e seis semanas consecutivas.
*E essa não foi a parte mais chocante.*
"O álbum 'Got it, now go' detém o recorde de ser o único álbum de um artista solo a ter suas cinco faixas principais ocupando simultaneamente as posições de 1 a 5 no ranking global da Billboard Hot 100", dizia o texto, em negrito e com asteriscos. "Um feito alcançado apenas duas vezes na história do pop, e apenas uma vez por um artista ocidental."
Lilian paralisou. Ela se lembrava de o pai mencionar, ocasionalmente, que era um ícone, mas ela sempre supôs que era apenas a arrogância de celebridade. Isso, no entanto, era um fato frio e documentado que transcendia o ego.
Aquilo a incomodou ainda mais. Não era apenas a vergonha do *flamboyant* presente, mas agora ela tinha que sentir a pressão de um passado inatingível.
Ela desceu a página, procurando por detalhes sobre as faixas. O hater mencionou a ignorância dela sobre as músicas. Ela precisava encontrar evidências para refutar a relevância delas, talvez.
Encontrou um dossiê sobre a Faixa 3: “Finally F**** Death”.
A manchete era enfática.
*“Finalmente F**** A Morte: O Solo Instrumental que Chocou a Indústria.”*
Lilian clicou, mais por curiosidade forçada do que por interesse genuíno. A faixa era uma peça de quase dez minutos, puramente instrumental.
"Esta faixa não apenas ganhou o prêmio 'Grammy' de Melhor Solo Instrumental, mas Sebastian, na época com vinte e cinco anos, tocou todos os instrumentos," o artigo explicava. "Desde o complexo arranjo de cordas até o solo de guitarra que levou três minutos e é considerado um dos mais tecnicamente difíceis de todos os tempos. Foi neste momento que o mundo percebeu que Sebastian não era apenas um ícone pop, mas um gênio musical."
Gênio musical.
Lilian rolou a página até o final, onde havia uma galeria de fotos antigas. Sebastian recebendo prêmios, Sebastian em capas de revistas internacionais com a manchete "O Rei Incontestável", Sebastian dando entrevistas com um ar sério e dedicado, muito diferente da persona irresponsável e quase cômica que ele exibia em casa.
Ela tentou encaixar a imagem daquele jovem, artista ambicioso e recordista mundial com o homem que, na semana passada, insistiu em usar um chapéu de penas de pavão para buscar a correspondência.
A dissonância era quase nauseante.
Ela fechou os olhos por um momento, inspirando profundamente o ar condicionado frio de seu quarto.
*Tudo bem,* ela pensou, reajustando sua armadura mental. *O que isso prova? Que ele foi relevante há quinze anos. As cinco músicas no topo e o solo instrumental... legal. Mas isso foi antes de ele virar... ele.*
O sucesso colossal, os recordes quase intocáveis – ela permitiu que uma onda de admiração momentânea a tomasse de assalto, uma breve rachadura na muralha de repulsa que ela havia construído. Era impossível negar a magnitude do feito. Seus pais eram, de fato, mundialmente famosos, e não apenas por escândalos ou clipes idiotas recentes. Eram famosos por talento puro.
Mas a admiração evaporou tão rápido quanto surgiu.
*O que ele fez por último mesmo? Ah, sim. Aquele single sobre cachorrinhos com problemas de ansiedade. Sim, não mudou nada. O passado é o passado.*
O fato de ela estar morando em uma mansão financiada por essas conquistas era irrelevante. Ela não escolheu isso. Ela não pediu a fama. Ela recebeu a consequência: a constante vergonha de ter pais que eram essencialmente palhaços públicos, não importando quão talentosos eles tivessem sido uma década e meia atrás.
O hater precisava ser aniquilado. E agora, Lilian tinha a munição para provar que o pedestal dele era feito de nostalgia cega.
Ela voltou para o aplicativo de mensagens, o telefone ignorado em sua mesa ainda tocando insistentemente em segundo plano.
O *Starlight_SebaFanatic47* estava esperando, provavelmente vibrando com a pausa dela, interpretando como derrota.
Lilian começou a digitar, mas não para listar os recordes. Aquilo seria dar a ele a satisfação de que ela se importava o suficiente para pesquisar.
"Sinceramente, Starlight, parabéns. Você memorizou os créditos do álbum de 2008. Você deve ser muito popular nas festas," ela zombou, mantendo o tom superior.
Ela pensou na melhor forma de desferir o golpe final. Foi então que a inspiração, cruel e certeira, a atingiu.
"Sabe o que é mais estranho do que eu não saber o nome da faixa instrumental ganhadora do Grammy?" ela digitou. "É você. Um adulto (presumo) que passa o seu tempo livre patrulhando a vida de uma garota de 15 anos para garantir que ela aprecie o legado de um artista. Você tem sua própria família? Seus próprios pais? Talvez se você dedicasse tanta energia a eles quanto dedica a colecionar fatos sobre meu pai, você não precisaria viver de forma vicária através de celebridades."
*Pow.*
Ela leu a mensagem. Era perfeita. Derrubava a moralidade dele a zero e a tirava do papel de ignorante.
*Enviar.*
Starlight_SebaFanatic47 começou a digitar imediatamente. Lilian viu o indicador de resposta surgindo e desaparecendo na tela, uma pausa nervosa.
Ela não deu a ele a chance de responder.
Com um movimento rápido e satisfatório, Lilian acessou o perfil dele e clicou em "Bloquear Usuário". A sensação foi liberadora, como se tivesse removido um parasita irritante.
Ela jogou o celular com força controlada sobre o edredom macio, assistindo-o quicar levemente. A briga online estava encerrada. Vitória por nocaute.
O quarto ficou silencioso, exceto pelo ruído fraco do ar-condicionado. Lilian fechou os olhos, absorvendo a tranquilidade pós-confronto. Ela podia ter lido sobre a genialidade musical de Sebastian, mas isso não mudava o fato de que, naquele momento, ela se sentia limpa de uma obrigação.
*Ninguém precisa me dizer como me sinto sobre meus pais.*
Nesse exato momento em que ela estava se regozijando em seu triunfo pessoal e silêncio reconquistado, a porta do seu quarto sofreu duas batidas leves, mas firmes, que ecoaram de forma estranhamente alta no silêncio do cômodo.
Lilian se endireitou na cama.
"Entre," disse ela, a voz ligeiramente tensa.
A porta se abriu para revelar Maria. Maria era a governanta-chefe, uma ômega de meia-idade de rosto austero e sempre vestida em uniformes imaculadamente engomados que pareciam desafiar a física. Maria raramente incomodava Lilian a menos que fosse estritamente necessário.
A governanta avançou um passo para dentro do quarto, mantendo uma distância respeitosa da cama. Havia uma ruga incomum na testa dela. Um sinal de preocupação que Lilian raramente via.
"Perdão incomodá-la, senhorita Lilian," disse Maria, a voz geralmente calma e medida agora parecendo estranhamente contida. "Eu tentei ligar para o telefone da senhora, mas... não obtive resposta."
Lilian gesticulou para o telefone antigo que ainda estava parado na mesa de cabeceira. "Estou ocupada. O que houve?"
Maria engoliu em seco, o que era estranho. Maria era o porto seguro de indiferença profissional.
"Seus pais acabaram de chegar em casa, senhorita," ela relatou. Lilian revirou os olhos. Obviamente, Lilian tinha ouvido o barulho surdo de carros esportivos se aproximando da garagem abaixo, mas tentou ignorar, como sempre fazia.
"Eles não estavam em uma reunião de caridade no centro?" perguntou Lilian, sem interesse.
"Eles saíram da reunião mais cedo," Maria explicou, seus olhos se desviando momentaneamente para a porta.
Lilian arqueou uma sobrancelha. "E qual é o problema? Eles chegam em casa cedo o tempo todo. Vão para o estúdio deles e eu não preciso vê-los até amanhã, quando tentarem me forçar a comer aquela vitamina de couve no café da manhã."
Maria hesitou novamente. Ela apertou as mãos na frente do corpo.
"O problema," começou Maria, a voz baixando para um sussurro tenso, "é que eles... pareciam não estar muito felizes. De fato, posso dizer que o Sr. Hessoo parecia bastante perturbado, e o Sr. Sebastian... o semblante dele estava mais escuro do que o usual."
Lilian sentiu um arrepio. Sebastian e Hessoo, os reis da calma pública e do drama privado, não mostravam "semblantes escuros" levianamente. Quando o faziam, significava que o universo particular deles estava prestes a colidir com o dela, e geralmente envolvia algo desagradável para Lilian. Algo que, invariavelmente, era culpa dela – diretamente ou indiretamente.
"Eles estão no estúdio?" Lilian perguntou, já pensando em maneiras de evitar o hall principal da casa nos próximos dias.
"Não, senhorita. Eles estão no escritório, com a porta fechada, e pediram para eu informar a senhora que assim que estivessem prontos, iriam querer falar com a senhorita Lilian imediatamente."
Lilian observou a preocupação genuína no rosto de Maria. Isso não era um convite para um jantar em família. Era uma convocação para uma reunião de crise. E, de alguma forma, Lilian sabia que o assunto não era um Grammy de quinze anos atrás, nem um hater insignificante. O assunto provavelmente tinha a ver com a novidade, a bomba que havia caído sobre sua cabeça há algumas semanas: a chegada iminente da nova irmã. O bebê que roubaria o último resquício de atenção, drama e vergonha que Lilian ainda sentia por seus pais.
A paz pós-bloqueio online se desfez instantaneamente. Ela estava prestes a ser confrontada. E, pelo tom de Maria, parecia que a cena seria particularmente pesada.
Lilian apenas assentiu, seu estômago apertando em uma sensação familiar de apreensão combinada com irritação.
"Obrigada, Maria," ela sussurrou, observando a governanta se retirar e fechar a porta silenciosamente.
Lilian ficou sozinha no quarto, a luz do celular sobre o edredom piscando um aviso. Os reis do Pop haviam chegado em casa, e eles não estavam aqui para cantar.
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