## Chapter 4: O Abismo da Humilhação Gabriel observou o garoto – um calouro assustado, com o rosto pálido e os olhos arregalados, a camiseta amassada e o cheiro fraco de suor misturado a álcool barato – estremecer diante da menção de Vladimir. O pânico era palpável; o corpo do jovem tremia como uma folha. O relato dele sobre a ameaça que o colega de trabalho havia feito era perturbador: Vladimir, o "maior detetive do mundo", estava usando táticas de intimidação de bandido de rua para exercer controle social aqui. "Ei, relaxa," Gabriel, ou melhor, L, disse, sua voz ensaiada mantendo a melodia despreocupada de Gabriel Perez, embora seu estômago se revirasse. L notou que precisava ser cauteloso. Qualquer reação mais dramática poderia assustá-lo ainda mais ou, pior, levantar suspeitas sobre a dinâmica de poder entre ele e o suposto namorado, especialmente se a informação chegasse aos ouvidos de Vladimir. O garoto tinha acabado de confessar que Vladimir o ameaçara, e a última coisa que L precisava era de Vladimir descobrindo que ele havia quebrado o disfarce de "vadia submissa". Enquanto tentava soar credível, L forçou um sorriso leve, aquele sorriso de quem tem uma vida íntima excitante e ciúmes possessivos para lidar. Isso nunca era fácil. "O Vlad é assim mesmo. Ciumento pra caramba," L explicou, movendo a mão em um gesto de desdém casual, como se estivesse descartando um incômodo menor, tipo um mosquito. "Ele não pensa muito antes de falar quando está com ciúmes. Provavelmente viu você me olhando, ou algo assim, e surtou." Na verdade, L estava tentando processar a profundidade da ameaça. Vladimir havia dito que se o garoto sequer respirasse perto de Gabriel, ele daria um jeito de garantir que o resto do ano letivo fosse "um pesadelo que faria filmes de terror parecerem comédias românticas". Aquilo era mais do que ciúme de adolescente. Era manipulação calculada, feita para consolidar a imagem de Vladimir como um intocável e, por extensão, proteger Gabriel. No entanto, L não podia dar bandeira ali. “Não se preocupa, ok? É só... ele tá no modo protetor hoje,” L continuou, tentando ser reconfortante, mas a mentira lhe queimava a garganta. Ele odiava essa subserviência forçada. “Eu... eu entendo,” o garoto gaguejou, parecendo aliviado, mas ainda tenso, os olhos desviando para os lados como se esperasse que Vladimir surgisse das sombras a qualquer momento. “Eu não vou mais... eu vou manter distância, Gabriel. Juro.” Ele nem esperou por uma resposta. Assim que L deu um aceno de cabeça, o garoto se virou e praticamente correu para a multidão que agitava ao som de *trap* alto, sumindo como se nunca tivesse existido. Ele se afastou tão rapidamente que parecia estar fugindo de um fantasma. L ficou parado um momento, a brisa fria da noite tocando sua pele. Ele sentiu uma pontada de raiva e frustração. Vladimir estava ultrapassando limites. O detetive L estava ali para investigar um caso de vazamento de pornografia e exploração, não para ser usado como peça de xadrez em um jogo de poder insalubre que Vladimir estava orquestrando para consolidar seu disfarce. O medo nos olhos do garoto era real; era a prova de que Vladimir estava sendo muito eficaz – talvez *demais* – em interpretar o adolescente problemático e perigoso. *Vladimir está se divertindo demais com isso*, pensou L, cruzando os braços, sentindo o tecido apertado da camiseta de Gabriel Perez. Seus pensamentos foram subitamente interrompidos. L percebeu a aproximação de Sarah e Zoey. Seus sorrisos eram azedos e suas posturas, rígidas. Elas vinham na direção oposta ao tumulto que L acabara de resolver. L imediatamente assumiu a expressão de tédio e leve superioridade que Gabriel Perez cultivava. As duas pararam abruptamente em frente a Anna, a garota que haviam acusado de trair o namorado no capítulo anterior, e que agora estava encostada a uma parede, mexendo no celular, visivelmente tentando ignorar o ambiente. Anna, apesar do disfarce de indiferença, parecia ligeiramente deslocada. Sarah foi a primeira a falar, sua voz cortante subindo o tom para se sobressair ao baixo estrondoso. "Olha só quem encontramos, Zoey," Sarah disse, o sarcasmo escorrendo de cada sílaba. Zoey riu, um som seco e estridente que não alcançava seus olhos. "Nossa, se não é a rainha do drama, tentando se esconder no canto." L observou a cena, mantendo-se a uma distância segura, fingindo estar checando uma mensagem importante, mas absorvendo cada detalhe. O confronto era esperado. A fofoca sobre Anna e seu suposto caso tinha se espalhado como fogo selvagem após a intervenção de Gabriel. Anna levantou os olhos do celular, a expressão neutra se desfazendo em uma máscara de desafio. "O que vocês querem, garotas?" "Nada de mais, querida," Sarah respondeu, dando um passo à frente, invadindo o espaço pessoal de Anna. "Só viemos verificar se sua consciência estava pesando muito. Sabe, a gente se preocupa com as nossas 'amigas' que não conseguem manter a calça fechada." A malícia era explícita. Era pura humilhação pública. L sentiu um flash de repulsa. Esses adolescentes eram mestres na crueldade. Zoey balançou a cabeça em falsa exasperação. "É sério, Anna. Você não tem vergonha? O pobre Max te tratando como realeza, e você por aí, dando mole para qualquer um que te dê atenção." Anna cerrou os punhos, mas controlou a voz. "Vocês não sabem de nada. E isso não é assunto de vocês." "Ah, mas é claro que é," Sarah retrucou, o escárnio aumentando. Ela se inclinou, como se fosse sussurrar um segredo, mas falou alto o suficiente para que L e quem estivesse próximo pudesse ouvir. "A gente só quer saber o nome dele, ou melhor, o apelido que ele usa. Dizem que você nem precisou beber para ficar mole para ele. Isso é novo, né? Ou você só perde a moral quando bebe demais, como sempre?" O insulto final era uma referência clara ao histórico de abuso de substâncias e vulnerabilidades que pairavam sobre as festas. Anna era obviamente um alvo fácil; seu status social estava em risco. Anna recuou um passo, a tentativa de manter a compostura falhando. "Parem com isso. Eu não fiz nada!" "Claro que não fez," Zoey cantou. "E nós somos virgens, não é, Sarah?" Elas riram em uníssono, um som agudo e cheio de veneno. A satisfação em humilhar era visível em seus rostos. Elas se viraram para ir embora, deixando Anna visivelmente abalada, o rosto corado de vergonha e fúria misturadas. L observou Anna rapidamente pegando o celular, digitando algo com dedos trêmulos, provavelmente enviando uma mensagem desesperada ou apenas tentando se distrair da humilhação. Ele registrou mentalmente a dinâmica: Sarah e Zoey eram as executivas da moralidade insatisfatória do grupo. Elas reforçavam hierarquias e puniam qualquer desvio percebido. A essa altura, L estava quase pronto para sair do personagem e intervir – os instintos de proteção do detetive estavam gritando – mas antes que pudesse sequer formular um passo, ele viu Vladimir. Vladimir vinha caminhando pelo corredor principal, o foco de atenção de vários olhares. Sua postura era de confiança exagerada, o cabelo escuro desalinhado intencionalmente, e a jaqueta de couro parecendo perigosamente cara para um adolescente. Ao seu lado estava Nate, o braço-direito de Vladimir agora, sorrindo e acenando para conhecidos. Mas havia um terceiro indivíduo. L franziu a testa ligeiramente. Este garoto era novo no círculo interno, ou pelo menos L não o reconhecia imediatamente como um dos "radicais" do grupo. Ele era alto, talvez até mais alto que Vladimir, com um semblante notavelmente sério. Seus olhos pareciam calcular tudo ao redor, e sua presença era quase silenciosa, contrastando com a fanfarronice barulhenta de Nate. Ele parecia mais velho, talvez um repetente, e emanava uma aura estranha de cautela e controle. Ele não parecia um adolescente em busca de diversão ilícita; ele parecia um guarda-costas ou, talvez, alguém que observava. L mentalmente adicionou o Terceiro Garoto à sua lista de observação. Vladimir avistou Gabriel. Seus olhos, que estavam varrendo o local com a típica arrogância adolescente, se fixaram em L. A distância entre os dois não era grande, mas a aproximação de Vladimir era sempre um evento. Quando Vladimir chegou perto o suficiente, a mudança foi instantânea e dramática. O semblante de controle deu lugar a uma efusão de paixão adolescente exagerada. Ele dispensou Nate e o Terceiro Garoto com um aceno rápido. "Gabriel!" O nome foi dito alto, vibrando com uma intensidade que parou algumas conversas próximas. Antes que L pudesse reagir, ele foi puxado para um abraço que era tudo menos platônico. Era um abraço sufocante, possessivo, teatral. L sentiu o peso do corpo de Vladimir, o cheiro de colônia cara e algo mais, um cheiro masculino e familiar que, apesar de tudo, era de seu parceiro de trabalho. "Puta merda, eu não aguentava mais!" Vladimir declarou, a voz alta e rouca, garantindo que todos na vizinhança ouvissem. Ele beijou intensamente o pescoço de Gabriel, um gesto que era puramente para o público. L sentiu seu rosto corar – *Gabriel* corou, ele se corrigiu. A humilhação social era real, mesmo que fosse encenada. Ele teve que morder a língua para não murmurar um 'Pare com isso, Vladimir'. Vladimir se afastou apenas o suficiente para olhar Gabriel nos olhos, a intensidade de um ator de método em plena performance. “Eu estava com tanta saudade do meu bebê...” Ele suspirou dramaticamente. “Nate pode esperar. O Nate e aqueles idiotas podem esperar. Eu preciso te levar para a cama. AGORA.” A declaração foi aclamada com risadinhas e alguns assobios. L sentiu uma pontada na têmpora. Vladimir estava jogando pesado com a libido pública. Sarah, que ainda estava na área após intimidar Anna, reagiu com notável indignação. Ela cruzou os braços com força, seu lábio inferior saindo em um beicinho azedo. "Sério, Vlad? De novo?" ela exclamou, a inveja pingando na voz. O fato de Vladimir estar agindo com tanto desejo na frente de todos claramente a incomodava. Ela via Vladimir como um prêmio de sucesso social, e Gabriel era o obstáculo que possuía o ingresso. Zoey, ao contrário, balançou a cabeça com naturalidade, dando de ombros como se fosse a coisa mais óbvia do mundo, o sarcasmo agora reservado apenas para Anna. "Ah, Sarah, deixa de ser ciumenta," Zoey disse, revirando os olhos. Para Zoey, a demonstração de virilidade e posse era o auge. "É o Vlad. Ele tá com saudades do namorado. Você deveria se sentir lisonjeada, Gabe. Ele só quer te *comer*. Deixa o homem ser homem." L mal conseguia acreditar no que estava ouvindo. A ideia de "deixar o homem ser homem" era a síntese perfeita da toxicidade desse ambiente. O papel de Gabriel era ser a receptora passiva da masculinidade possessiva de Vladimir. Enquanto L tentava forçar um sorriso afetado, mostrando que estava lisonjeado, Nate se aproximou, rindo da cena. Ele parecia genuinamente divertido com o drama todo. "E aí, Gabriel?" Nate perguntou, os olhos estreitos em diversão. "O Vlad me abandonou para ir te cheirar. Ele tava pirando que você tá sozinho. Me diz uma coisa, enquanto ele estava fora, quantos caras te olharam? E você deu trela?" A pergunta era feita com um tom de brincadeira, mas a implicação era clara: Gabriel era propriedade de Vladimir, e sua lealdade estava sendo testada sob o olhar do público. L sentiu uma onda de fúria misturada com o desconforto. Ele estava prestes a responder algo evasivo e picante, algo que um adolescente namorado de Vladimir diria – talvez um "Eu só olho para o meu macho dominante, Nate" – mas Vladimir se adiantou. Vladimir, que parecia estar à beira da exaustão pela performance, abandonou o sorriso lascivo e respondeu por L, sua voz endurecendo subitamente. O cansaço da atuação devia tê-lo atingido de repente, ou talvez ele só quisesse finalizar a cena rapidamente. “Não, não olharam,” Vladimir respondeu rispidamente, seu olhar de repente frio e cortante, não focado em Nate, mas fixado em L. A transição foi chocante. O carinho possessivo se transformou em desprezo de repente. "Eles nem teriam chance, se meu namorado não insistisse em andar por aí vestido como uma puta," Vladimir cuspiu. "Tipo, sério. Se ele não viesse com essas roupas justas de puta, ninguém sequer repararia." O termo *puta* (vadia, prostituta) atingiu L como um tapa. Não era parte do roteiro, ou pelo menos não fazia parte do léxico de humilhação que Vladimir costumava usar na frente dos outros. Geralmente, ele o chamava de "meu anjinho ciumento" ou "minha cadela pessoal", termos que, embora degradantes, eram aceitáveis dentro do disfarce de Gabriel. Chamar Gabriel de puta era um insulto pessoal direto, feito para ferir, e L sabia que era direcionado a ele, não ao personagem. O silêncio que se seguiu foi constrangedor. Sarah e Zoey ficaram paralisadas. Nate franziu a testa, percebendo a mudança brusca de humor. L sentiu um arrepio percorrer sua espinha, uma mistura de choque e ira fria. Ele era L, o segundo maior detetive do mundo, um homem respeitado no serviço do governo, e Vladimir acabara de chamá-lo de puta na frente de uma plateia de adolescentes problemáticos. A humilhação era profunda e totalmente desnecessária para a cena. Antes que L pudesse sequer processar a ofensa ou formular uma réplica – Gabriel Perez teria chorado ou reagido com submissão ferida –, Vladimir se virou dramaticamente. "Foda-se. Vamos para casa," ele anunciou, a voz ainda dura e autoritária. Ele agarrou o pulso de L com uma força que era um pouco demais para a atuação. "Eu tive o suficiente dessa festa de merda. A gente vai resolver isso em casa." Ele não deu a L chance de protestar. Ele o puxou pela multidão, seu aperto no pulso firme o suficiente para transmitir a mensagem de urgência e frustração. L se arrastou, mantendo o semblante confuso e ligeiramente assustado de Gabriel. No meio do caminho para a saída, ele ouviu a voz de Zoey, falando baixo, mas audível: "Nossa, ele ficou realmente puto dessa vez." E a de Sarah, com um tom de satisfação: "Bem feito para ele. Talvez agora ele pare de se esfregar no Vlad desse jeito." A raiva de L borbulhava, mas ele a reprimiu. Ele deixou Vladimir arrastá-lo para fora da mansão suja e para o ar frio da madrugada. Eles caminharam em silêncio tenso até o carro abandonado que usavam para o disfarce, um Honda Civic cinza velho que Vladimir havia insistido em usar para a "autenticidade". A porta traseira estava enferrujada, e o estofamento tinha um cheiro permanente de mofo, apesar dos purificadores de ar que L teimava em pendurar. Vladimir abriu a porta do passageiro para L com um gesto impaciente. L escorregou para dentro do carro, sentindo-se pequeno e vulnerável. A humilhação parecia persistir, grudada à sua pele. O silêncio enquanto Vladimir contornava o carro e sentava no banco do motorista era pesado. L tentou respirar profundamente, o cheiro de mofo do carro misturando-se à adrenalina. As luzes noturnas da mansão se afastavam no espelho lateral. *Vladimir me chamou de puta*. A frase ecoava na mente de L. Em anos de amizade e rivalidade profissional, em todos os seus jogos psicológicos, Vladimir nunca tinha cruzado aquela linha. Era um termo carregado de desprezo e degradação que L não esperava suportar, nem mesmo sob o manto de Gabriel Perez. Para L, a honra e o respeito profissional, por mais que estivessem suspensos temporariamente, eram pilares. Vladimir tinha acabado de demolir um deles. Ele sentiu-se profundamente abalado, não pelo que o personagem Gabriel sentiria, mas pelo que L sentia. Era um ataque pessoal, uma demonstração de que Vladimir estava se cansando da infiltração ou, pior, estava usando o disfarce para exercer agressões pessoais contra ele. Ele fechou os olhos por um momento, puxando o cinto de segurança. A vingança. Precisava ser executada. L começou a planejar. O apartamento que dividiam para a investigação era o palco perfeito. Eles tinham regras de convivência estritas para manter o profissionalismo, mas L era conhecido por sua criatividade, especialmente quando ferido. Assim que chegassem, ele faria Vladimir pagar por aquilo. Talvez ele pudesse desmontar o sistema de refrigeração de vinhos que Vladimir tanto prezava. Ou, melhor ainda, sabotar o laptop ultra-seguro que continha todos os seus arquivos de caso. Ele não o faria permanentemente inutilizável, é claro, mas causaria-lhe um dia inteiro de angústia técnica. Sim, isso parecia apropriado. A vingança precisava ser drástica, mas silenciosa, para não afetar o caso. O carro acelerou na rua escura, a única fonte de luz vinda dos faróis. L olhou de lado para Vladimir. O detetive estava dirigindo, com o rosto relaxado agora que não precisava mais performar. A tensão se esvaíra de seus ombros, e ele parecia profundamente satisfeito consigo mesmo. De repente, Vladimir soltou uma risada baixa e rouca. Não era a risada forçada de Gabriel. Era a risada genuína de Vladimir, a risada que L conhecia há anos. L o encarou, a raiva aumentando. "O que é tão engraçado, Vladimir?" Vladimir sorriu, um sorriso largo e descontraído, balançando a cabeça. Ele parou o carro em um semáforo vazio e olhou para L, os olhos cintilando na penumbra. "Ah, Gabriel," ele disse, ainda rindo. "Você tinha que ver sua cara. Você parecia que ia me matar ali mesmo, no meio da pista." Ele pausou, respirando fundo, ainda saboreando o momento. "Sabe de uma coisa, L?" Vladimir usou o nome verdadeiro de L, um sinal de que a atuação havia terminado. "Pela primeira vez em muito tempo... sinto que todos aqueles anos de vergonha que passei no ensino médio... aqueles anos sendo chamado de esquisito e sendo dispensado por todas as garotas... finalmente valeram para algo." Ele ligou a seta e virou à esquerda, a risada de novo preenchendo o carro. "A humilhação social foi uma grande preparação, afinal. Eu sei exatamente como agir como um idiota. E é tão, tão bom."

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