# Capítulo 1: A Fragilidade de Gabriel e a Intervenção Protetora
O som estridente da música eletrônica parecia vibrar dentro do crânio de Gabriel. Ele se sentia esmagado, não apenas pela batida incessante, mas pelo peso da farsa que estava vivendo. O cheiro de suor, álcool barato e fumaça era sufocante. L, o renomado detetive L, agora era Gabriel Perez, um adolescente vulnerável e, pior ainda, a 'vadia' de Vladimir.
A descoberta das câmeras no quarto parecia o ponto de inflexão mais recente. L, com sua mente analítica e meticulosa, esperava o pior, claro. A mansão era um ninho de víboras. Mas vê-las, aquelas minúsculas lentes incrustadas na moldura da cama que ele havia forrado com lençóis limpos, trouxe a dimensão real do perigo. Não era apenas sobre drogas e brigas; era sobre vigilância e exposição.
Ele olhou para Vladimir, que estava encostado na parede, com a testa franzida, fingindo interesse em uma garrafa de cerveja barata que segurava como se fosse um troféu. Vladimir, o maior detetive do mundo, parecia estranhamente à vontade, quase resignado àquele ambiente caótico. Para Vladimir, a infiltração era rotina, um jogo de xadrez onde ele já visualizava os dez lances seguintes. A indiferença dele, mesmo que fosse apenas parte da atuação, era um golpe para L.
"Estamos realmente bem com isso?", Gabriel/L perguntou, a voz quase inaudível por causa do *bass*. Ele gesticulou vagamente em direção à escada que levava ao quarto recém-inspecionado.
Vladimir apertou os olhos, imerso no personagem de um adolescente entediado e ligeiramente agressivo. "Com o quê, Gabi? A música? Relaxa, você sabia que seria assim."
O uso do apelido "Gabi" irritou L de uma maneira visceral. Não era apenas a familiaridade forçada, mas como isso cimentava a imagem que ele detestava — uma extensão feminina, delicada e, francamente, submissa, de Vladimir.
"As câmeras," insistiu L, sentindo um calor subir pela nuca. "Você parece não se importar que acabamos de confirmar que somos filmados fazendo 'coisas íntimas' pelos nossos colegas de escola."
Vladimir fez um movimento lento para se inclinar mais perto, seu hálito cheirando a cerveja e algo um pouco mais doce, provavelmente um resto de bala de hortelã para mascarar o cheiro de álcool.
"Claro que me importo, *amor*," Vladimir murmurou, encaixando perfeitamente a ternura possessiva que esperavam dele. Seus olhos, no entanto, estavam frios e calculistas. "Mas nós já sabíamos. É só a confirmação. O que faria você sair do personagem agora? Seria um erro, Gabriel. Um erro caro."
O tom de 'não-discuta-comigo' de Vladimir sempre foi um ponto de fricção na vida profissional deles, e era ainda mais opressor agora sob a máscara de drama adolescente. L engoliu o protesto. Ele sabia racionalmente que Vladimir estava certo. Reagir com a indignação de um detetive de elite não combinava com o perfil de Gabriel Perez, o namorado ciumento, mas passivo.
A frustração de L não era apenas a segurança, era a humilhação constante. Ser chamado de 'vadia', ter que simular um afeto grudento, aceitar os olhares lascivos. Ele havia passado a vida resolvendo crimes de alta complexidade para o governo, era conhecido por sua impaciência com a mediocridade. Agora, mediocridade era o seu disfarce.
Em vez de iniciar uma briga inútil que quebraria o disfarce, L decidiu canalizar sua energia onde era mais útil: observar. A tarefa agora era coletar boatos, identificar testemunhas e discernir a cadeia de comando.
Ele se afastou de Vladimir, alegando precisar de um copo d'água. Ele não precisava de água, precisava de espaço para pensar sem a pressão do olhar penetrante de seu parceiro.
L moveu-se lentamente pela sala de estar principal da mansão, que mais parecia um bunker com grafites. Sua visão periférica captava a intensidade da festa. Adolescentes desinibidos, alguns quase crianças, dançavam com uma energia febril, como se estivessem à beira de um colapso.
Ele procurava os vulneráveis. Não os que pareciam 'fodas' e 'radicais', mas aqueles que se agarravam às paredes, que olhavam para a multidão com uma mistura de excitação e medo. Testemunhas raramente eram os líderes; eram os seguidores, aqueles que viam demais, mas tinham medo de falar.
Enquanto escaneava a multidão, ele parou brevemente para coçar o braço. Ele notou a palidez incomum da sua pele sob a luz estroboscópica. A constante privação de sono e a má alimentação, cortesias do disfarce adolescente, estavam cobrando seu preço. Mas não havia tempo para se preocupar com a saúde; o caso era prioritário.
"Gabi! Aí está você!"
L estremeceu com a voz alta e aguda de Zoey, uma das suas 'amigas' mais persistentes e, consequentemente, mais irritantes. Zoey e suas amigas, um trio inseparável de garotas com excesso de maquiagem e opiniões fortes, eram as principais responsáveis por garantir que Gabriel Perez soubesse exatamente onde ele "se encaixava" na hierarquia social.
Zoey empurrou uma garrafa de refrigerante estranhamente colorida na mão de L. "Você tá muito parado, *viado*. Onde está o Vladi? Ele tá te deixando estressado de novo?"
A intimidação sutil estava sempre presente. Zoey tinha a energia de um tubarão farejando sangue.
"Ele está por aí," L respondeu, tentando injetar a quantidade certa de docilidade e distanciamento.
Zoey não se intimidou. Ela o puxou para um canto menos lotado, onde a poeira e o cheiro de mofo eram ainda mais fortes.
"Preciso de detalhes, Gabi. Você sabe disso."
L suspirou internamente. *Detalhes*. Zoey e as outras estavam obcecadas com a vida sexual dele e de Vladimir. Eles usavam isso como uma forma de controle social, para confirmar que Gabriel era, de fato, a parte passiva e que Vladimir era o alfa dominante.
"Detalhes sobre o quê, Zoey? Tenho certeza que você já sabe tudo o que precisa saber pela maneira como você insiste em perguntar," ele disse, tentando soar cansado, não irritado.
Zoey revirou os olhos, impaciente. "Para de ser *coy*, Gabi. É só a gente. Quero dizer, sobre vocês lá em cima, no quarto novo. Ele foi... legal? O Vladi é sempre tão intenso, sabes? Parece que quer devorar a gente com os olhos."
O nojo de L era palpável. A ideia de compartilhar qualquer detalhe íntimo, fabricado ou não, com Zoey e sua gangue era repugnante. Mas ele sabia que tinha que dar a eles algo. Negar-se o afastaria e faria com que levantassem suspeitas. Gabriel Perez era reservado, mas não *secreto*.
Ele olhou para Zoey, forçou um pequeno sorriso constrangido — o tipo de sorriso que Gabriel daria — e sussurrou, inclinando-se um pouco:
"Ele… ele estava usando o colar que dei para ele. Aquele de couro preto que ele disse que não gostava."
Zoey piscou, processando a informação. Não era um detalhe explícito de sexo, mas era íntimo e subversivo o suficiente para satisfazer sua sede por fofocas e confirmar que Gabriel tinha algum tipo de influência, mesmo que fosse em acessórios.
"A sério? O colar que ele disse que te fazia parecer uma *bitch*?! Ai, meu Deus, Gabi! Você conseguiu forçá-lo a usar?" Zoey riu, um som alto e forçado.
"Eu apenas disse que o faria 'muito feliz'," L respondeu, mantendo o subtexto da submissão na superfície, mas a vitória subjacente para a personalidade de Gabriel.
A tática funcionou; Zoey parecia momentaneamente satisfeita. O detalhe era estranho, específico e íntimo o suficiente para ser considerado confiável. Ela já se afastou, provavelmente para espalhar o boato.
L ficou parado, sentindo uma onda de auto aversão, quase náuseas. Cada mentira, cada concessão ao personagem de 'Gabi', o afundava mais profundamente no papel que ele detestava. Ele havia cedido a detalhes falsos para proteger o disfarce, mas a um custo pessoal considerável.
Antes que pudesse processar completamente a vergonha, um braço passou por seus ombros. Era Vladimir, com um sorriso largo, mas sem humor, debaixo das luzes estroboscópicas.
"Aí está você, meu amor. O Nate estava te procurando."
Nate, um dos adolescentes mais velhos e líderes não oficiais da festa, estava logo atrás de Vladimir, balançando a cabeça. Nate era o arquétipo do adolescente 'foda': alto, vestindo roupas caras e com uma arrogância silenciosa que gritava privilégio e domínio. Ele era o tipo de alvo que L precisava observar de perto.
"Gabs, beleza. Vladi, vem comigo. Encontramos um lugar melhor para ter uns tragos. As coisas estão ficando moles aqui." Nate falou, dispensando a presença de Gabriel com um olhar rápido e condescendente.
"Claro, Nate. Já vou." Vladimir apertou o ombro de L com uma força que era um aviso tanto quanto um gesto de carinho simulado.
"Eu volto em breve. Não vou ficar muito tempo. Prometo. Temos que ir para casa, certo?" Vladimir disse para L, elevando ligeiramente a voz para garantir que Nate ouvisse o compromisso de Vladimir com seu 'namorado'.
"Tudo bem," L respondeu, tentando projetar a tristeza suave e dependente de Gabriel. Ele odiava a maneira como tinha que se apegar a Vladimir publicamente, como se ele fosse um cachorrinho abandonado.
Vladimir, no auge de seu disfarce, deu um beijo rápido e superficial na testa de L, um gesto de domínio possessivo.
"Porta-se bem. Não vá se meter em problemas," Vladimir sussurrou, mas seu olhar era um lembrete profissional: *mantenha-se no personagem*.
Então, ele se virou, seguindo Nate para um corredor lateral, onde o som da música era mais abafado, talvez para onde as drogas mais pesadas e os segredos mais sujos eram trocados. Vladimir já havia feito isso antes nas festas anteriores, separando-se de L para obter informações 'masculinas' que Gabriel não conseguiria. Ele sempre voltava, geralmente uma ou duas horas depois, com a expressão um pouco mais sombria e o hálito um pouco mais forte, mas sempre com novos fragmentos de informação.
Sozinho novamente na multidão, L sentiu a fragilidade do seu disfarce pesar sobre ele. Ele era um detetive de elite, mas ali, sem sua identidade, sem seu distintivo ou sua autoridade, ele era apenas 'Gabi', esperando na área de espera.
Ele levou a mão à testa, sentindo o suor frio. A palidez que ele notara antes parecia mais intensa sob a luz fraca. Ele estava exausto, mental e fisicamente. A pressão de viver essa mentira 24 horas por dia estava o desgastando.
"Amiga, você parece um fantasma."
Era Sarah, outra do trio implacável de 'amigas', que se aproximou, sua expressão de preocupação falsa.
"Estou só um pouco cansado," L respondeu.
"Você precisa de açúcar. E de ar. Vem comigo. Estou morrendo de fome, e aquelas barraquinhas parecem um banquete hoje."
L hesitou. As barras de "comida" eram sempre suspeitas. Dificilmente eram apenas comida. Mas ele precisava manter a aparência de socialização. Se ele ficasse parado no mesmo lugar, ele se tornaria um ímã de perguntas e suspeitas.
"Tudo bem. Se você me prometer que é só comida," L brincou, a piada fraca, mas dentro do esperado para Gabriel.
Sarah apertou o braço dele e o arrastou para uma sala adjacente que estava configurada como uma espécie de mercado improvisado. Havia três mesas dobráveis, envoltas em toalhas de mesa imundas. Em cada uma, adolescentes estavam vendendo coisas sob nomes de comida. Havia "bolachas da vovó" (provavelmente ecstasy), "leite achocolatado" (talvez codeína ou um sedativo potente) e, na última mesa, "pretzel e churros", onde uma criança, que não devia ter mais do que 12 anos, estava gerenciando o estoque.
L ficou em alerta máximo. Um pré-adolescente envolvido na venda de drogas era um novo nível de decadência. Ele observou o menino, que era pequeno para a idade, com olhos arregalados e uma jaqueta de moletom suja.
Sarah correu para a mesa do "leite achocolatado", mas L se dirigiu à mesa do pré-adolescente, sentindo uma mistura de indignação profissional e curiosidade.
O menino viu L se aproximar e o reconheceu imediatamente, talvez pela visibilidade recente de Gabriel ao lado de Vladimir. O pequeno vendedor ajustou a pilha de pretzels cobertos de açúcar e olhou para L com uma seriedade precoce que não condizia com sua idade.
"E aí, Gabriela. Veio buscar uma parada?" o menino perguntou, a voz um sussurro rouco, mas confiante.
L piscou. *"Gabriela"*. Até o fornecedor mais jovem da festa o via através da lente da feminilidade imposta.
"Só estou olhando," L disse, mantendo um tom casual. Ele observou de perto os "pretzel" e "churros". Pareciam salgadinhos normais, o código era claramente apenas uma camada fina para o que realmente estava por trás.
O menino inclinou a cabeça, olhando de um lado para o outro, como se estivesse verificando se alguém mais estava ouvindo.
"Digo, para você eu não posso dar a parada forte. O Vladi me mata. Ele me avisou para te manter na linhazinha." O garoto fez uma careta. "Não quero arrumar encrenca com o Vladi. Ele me deixa sem o meu corte esse mês."
L sentiu um arrepio. A autoridade de Vladimir, mesmo que parte de seu disfarce de bad boy protetor, era inegável e se estendia perigosamente longe na cadeia de suprimentos da festa. Isso significava que Vladimir tinha feito um esforço para proteger 'Gabi' de certas substâncias, e o poder de seu personagem era suficiente para intimidar até os fornecedores.
"Ele te avisou o quê?" L perguntou, tentando soar apenas curioso.
"Disse que se te pegasse dando 'A Viagem' ou 'O Chute' pra você, eu estaria frito. Então, só tenho coisa fraca para você. Quer um pretzel? É suave, só um relaxante. Não te derruba." O menino pegou um pretzel grande, que parecia ter sido embrulhado à mão em papel toalha.
"Um pretzel, sério?" L hesitou.
"Vinte *bucks*," o garoto disse, estendendo a mão.
Vinte dólares por um pretzel embalado em papel toalha parecia absurdo. O preço era o primeiro indicador de que não era apenas carboidrato. L pagou com uma nota que já havia sido preparada para despesas de disfarce.
"É meio caro para um pretzel," L comentou, forçando um sorriso leve e irritado que um adolescente faria.
O garoto deu de ombros, recolhendo o dinheiro rapidamente. "Se quiser emagrecer, melhor não comer essas coisas, viu? Carboidrato é o inimigo."
L riu, uma risada ligeiramente forçada, mas satisfatória. Era o tipo de humor irônico que Gabriel Perez usaria para esconder a insegurança corporal.
"Eu sei. Estou tentando perder uns três quilos. Mas eu mereço um *cheat day*, certo?" L respondeu, aceitando o pacote embrulhado.
Ele se afastou da mesa, ignorando o burburinho de outras pessoas comprando. Sarah já estava voltando com uma caneca de "leite achocolatado" e um sorriso estranhamente lento.
"Achou o quê? Meu Deus, Gabi, vinte paus por um pretzel? Você é louco," Sarah disse, balançando a cabeça.
"Achei que merecia um mimo, amiga," L respondeu, esmagando a embalagem do pretzel na mão.
Ele acompanhou Sarah de volta à sala principal, fingindo dar uma mordida estratégica no pretzel, mas mantendo a maior parte do pacote intacta em suas mãos.
Ao chegar perto da multidão novamente, a luz estroboscópica bateu no embrulho. O papel toalha estava apenas frouxamente dobrado.
O coração de L acelerou.
O peso e a forma do pretzel pareciam estranhos. Ele discretamente abriu a dobra superior, sob a proteção visual da multidão dançante.
Não era o pretzel que o garoto havia cobrado vinte dólares.
Dentro do papel toalha, havia um pequeno e hermético pacote de plástico. Era minúsculo, quase invisível, escondido sob a crosta do pretzel. O produto em pó dentro parecia uma droga de designer, provavelmente o "relaxante" que o garoto havia mencionado. Era a prova física da corrupção, entregue a ele com a aprovação tácita e protetora de seu 'namorado'.
L congelou, o pequeno pacote químico queimando em sua mão, sob o disfarce inocente e salgado do pretzel. Ele tinha a prova, a droga codificada, e o círculo de proteção de Vladimir em torno de Gabriel. O nó em seu estômago apertou. A missão estava avançando, mas o custo para Gabriel Perez parecia cada vez mais alto.
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