## Capítulo 5: O Fluxo da Caneta e A Fragilidade da Lembrança Mello se aconchegou mais fundo nas peles pesadas. O cheiro de pinho, couros e, discretamente, o cheiro metálico da pólvora que impregnavam o casaco de urso era o novo perfume da segurança. Ele fechou os olhos, respirando fundo, o ar frio e revigorante entrando e limpando a cabeça. O conceito de um dia “livre” era quase incompreensível no contexto da vida militar, ainda mais para alguém na sua posição. Não era um presente, ele sabia, era uma manutenção. Um investimento na utilidade futura. Nyon não desperdiçava nada, especialmente um recurso de cura tão... peculiar. O silêncio na tenda, pontuado apenas pela respiração pesada e constante de Sergey, era um convite à meditação. Mello precisava urgentemente purificar a estase em sua mente. A humilhação da noite anterior, o olhar de escárnio do espião, a frieza cortante de Nyon ao executar o homem—tudo isso havia causado uma turbulência que impedia o fluxo suave de seu poder. Sua mãe sempre dizia que a turbulência emocional era o maior inimigo do poder divino. A humildade era o canal para o poder; o orgulho e a vergonha eram bloqueios. Ele tentou se concentrar. *Liu Nuan*. O guerreiro. A disciplina. Os anos de treinamento. Ele começou a recitar mentalmente os quatro pilares da virtude de seu clã: Reverência, Paciência, Servidão, Fluxo. Ele estava falhando no Fluxo. *Reverência*. Ele reverenciava o poder, mas não a Nyon. Ele servia a Nyon por necessidade, não por veneração. *Paciência*. Ele havia sido excessivamente precipitado ao fugir em meio à nevasca, e havia perdido a paciência com o espião. *Servidão*. Ele estava servindo, mas a servidão estava manchada pela humilhação e pelo medo de ser descoberto. *Fluxo*. O maior problema. Seu poder estava lento. A cura de Sergey e a absorção violenta do poder do espião tinham sobrecarregado o sistema. Ele precisava de *Qi* fresco, de um canal claro. Ele precisava se reconectar com a disciplina da caligrafia, com o cheiro purificador do incenso. Mello se concentrou na respiração. Inspirações longas e controladas, tentando sentir o poder se realocar em seu núcleo. A sensação era como a de um rio que tinha dragado lama; a água ainda estava lá, mas estava pesada. Ele estava quase se aprofundando em um estado meditativo leve, começando a sentir o ritmo sutil do tempo, quando o tecido da lona foi puxado abruptamente. Mello piscou, a delicada conexão que ele estava a formar se dissipando. “Aimee, você dorme como uma pedra!” Era Boris. Ele estava sorrindo, e o sorriso vinha acompanhado de um ar gelado. Ele não estava sozinho; Dimitri estava logo atrás dele, visivelmente impaciente, carregando uma bandeja improvisada com comida. Boris entrou, esfregando as mãos, e a sua presença preencheu a tenda novamente com seu calor e barulheira. Ele carregava algo sob o braço, embrulhado em um pano grosso. “Achei que demoraria mais,” Mello disse, tentando não soar decepcionado por ter sido interrompido. “Eu sou um homem de palavra, *Zoloto*,” Boris respondeu, colocando o embrulho com cuidado no banquinho. “Mas primeiro, comida.” Dimitri marchou até a cabeceira da maca, seus movimentos bruscos contrastando com a lentidão de Sergey. Ele colocou a bandeja na lateral da maca de Mello. Havia um guisado quente, grosso e rico em carne, coberto com gordura que ainda não tinha solidificado. Além disso, havia um pão de centeio escuro e uma caneca fumegante. “Coma,” Dimitri ordenou sem emoção. “O Capitão insiste que você restabeleça o seu peso e a sua energia. Cuidado com o guisado, está escaldante.” Ele estava falando sobre a eficiência do equipamento, Mello sabia. Ele não estava preocupado com o seu bem-estar, mas sim com a sua funcionalidade. “Obrigada, Doutor,” Mello respondeu, pegando a colher. Dimitri apenas grunhiu em resposta e foi checar Sergey, verificando o pulso e a temperatura. Boris, ignorando o comportamento ranzinza de Dimitri, focou a sua atenção no embrulho no banquinho. “Seus pedidos não foram fáceis, Aimee,” Boris confidenciou, desvendando o material com a reverência de quem lida com algo precioso. O embrulho revelou um conjunto surpreendente de achados. Havia um rolo que, ao ser desenrolado, revelou-se ser as costas de um mapa náutico russo, velho e amarelado. O papel era áspero e grosso, definitivamente não o delicado papel de arroz que Mello estava acostumado a usar para a caligrafia, mas era um papel limpo e grande. “O papel foi a parte mais fácil,” Boris explicou, apontando para o mapa. “Dimitri estava se livrando de alguns mapas desatualizados. Não é ideal, mas é melhor do que pele.” Seu olhar se voltou para o lado. “O pincel... ah, o pincel. Nyon tem um gosto por coleções, Aimee, você não imagina. Tive que ser muito convincente, mas ele me deu isto.” Boris pegou um objeto fino, cuidadosamente limpo. Era de fato um pincel de caligrafia, fino e elegante. A alça parecia ser de bambu escurecido, e as cerdas eram de pelo fino, provavelmente de lobo ou uma cabra. Não era chinês, mas era de boa qualidade. “É um pincel de escrita artístico, pelo que entendi,” Boris disse com orgulho. “O Capitão usa este tipo de pincel para escrever as suas cartas pessoais e alguns... relatórios mais longos. Ele o usa para as suas anotações mais formais. Ele disse que, se você for cuidadosa com ele e não o estragar com tinta inadequada, ele lhe emprestará.” Mello pegou o pincel de suas mãos, sentindo o peso leve e equilibrado na palma. Era um pedaço da China em exílio, um pedaço do seu *Qi*. Era a âncora que ele precisava. “É perfeito, Boris. Diga ao Capitão que eu cuidarei dele como se fosse o meu tesouro,” Mello prometeu, a voz cheia de gratidão sincera. “E a tinta,” Boris continuou, parecendo quase triunfante. “É a tinta mais escura que pudemos encontrar, é feita para desenhar os mapas. Não é o seu bloco de tinta preto, mas é decente.” Ele mostrou um pequeno pote de tinta preta, com um cheiro pungente. “E o incenso...” Boris suspirou, o seu contentamento diminuindo ligeiramente. “Aimee, eu procurei por todo o acampamento. Ninguém tem incenso, a não ser os cheiros fortes de fumo de tabaco e bebidas. Nyon tem algumas especiarias exóticas, mas incenso...” Ele balançou a cabeça. “O acampamento é estritamente pragmático. Mas eu não desisti. Encontrei isto.” Boris estendeu a mão, revelando um pequeno pedaço de madeira escura e seca. “É madeira de sândalo. Velha, mas ainda tem cheiro. Estava em uma caixa de suprimentos que trouxemos do Sul,” Boris explicou. “Se você raspar um pouco e colocar perto do lampião, talvez ajude. Não é o mesmo, eu sei, mas é o mais próximo que pude chegar.” Mello pegou o sândalo. O cheiro era fraco, mas inegavelmente familiar; era um cheiro que o lembrava do templo de sua aldeia e dos rituais matinais de sua mãe. Seus olhos se encheram de uma umidade genuína. “Boris, isso é mais do que eu esperava. Obrigada,” Mello sussurrou. O sândalo seria suficiente para criar um foco olfativo durante a sua meditação forçada. Dimitri, que terminara de examinar Sergey, olhou para a cena com um ar de desdém reservado. “Você está mimando a nossa ‘mascote’, Boris,” Dimitri comentou, a sua voz era seca. “Caligrafia e cheiros. Que necessidade. Ela deveria estar comendo, não brincando com tinta.” “Ela está estressada, Doutor,” Boris retrucou com um tom protetor. “Você não entende o refinamento. Deixe-a manter um pedaço de sua cultura. Faz parte da sanidade.” Mello tomou a colher de guisado, agradecendo o fato de ter a comida quente. O seu corpo faminto aceitou a carne e o caldo com gratidão, e Mello comeu apressadamente enquanto Boris e Dimitri continuavam a sua discussão silenciosa através de olhares. Assim que terminou de comer, a energia começou a retornar. A fraqueza física diminuiu sensivelmente. “Agora, a caligrafia,” Mello disse, com o pincel já na mão. Ele sentou-se na maca, ajeitando o mapa amarelado sobre os joelhos. Ele abriu o pote de tinta e molhou o pincel. A caligrafia era, para Mello, um ato sagrado. Não se tratava apenas de formar caracteres bonitos; era uma meditação em movimento. Cada traço exigia concentração e um domínio total da respiração e da força em seu braço. A fluidez da tinta no papel era um espelho da fluidez de seu próprio *Qi*, o seu poder vital. Ele escolheu o primeiro caractere que lhe veio à mente. Não um complicado, mas um fundamental: *Shi*. Tempo. O caractere representava o sol sobre um templo. Mello preparou-se, inalando profundamente. Ele fechou os olhos por um instante, sentindo a ponta do pincel tocar o papel áspero. O papel não era ideal; ele absorvia a tinta muito rápido. Ele teria que ser mais rápido e mais preciso do que o normal. Mello traçou o primeiro golpe vertical. Foi firme, mas a tinta seca manchou um pouco. Ele corrigiu, concentrando-se na pressão. O segundo golpe, horizontal, foi mais suave. Enquanto ele escrevia, o mundo ao redor começou a recuar. O cheiro de sândalo, embora fraco, ancorava-o. O pincel, apesar de estrangeiro, respondia à sua vontade. Ele estava em casa. *Shi*. Tempo. Seu poder. Mello se perdeu na escrita, formando caracteres após caracteres. *Ren* (Paciência). *Zhong* (Fidelidade). *Fu* (Serviço). Ele estava reafirmando seu propósito. A cada traço bem-sucedido, ele sentia a estase em sua mente se dissolver, seu *Qi* fluindo mais livremente. Boris observava Mello com uma fascinação silenciosa. Ele havia sentado no banquinho novamente, observando a elegância dos movimentos da mão de Mello. A precisão, a serenidade que emanava dela enquanto inclinava sobre o papel áspero, transformando meras linhas em arte viva. “Você é realmente talentosa, Aimee,” Boris disse em voz baixa, sem querer quebrar a concentração de Mello. Mello não parou, mas sorriu levemente. “É a disciplina. Não o talento, Boris. A prática leva à perfeição.” Ele terminou a sua linha atual e levantou a cabeça, alongando o pescoço. O corpo ainda estava cansado, mas a mente estava clara e revigorada. “Você parece uma pessoa diferente quando faz isso,” Boris comentou. “Mais... calma. Você quase parece uma guerreira em meditação.” Mello sentiu um frio percorrer a espinha. *Liu Nuan*. Ele havia deixado a sua verdadeira natureza escapar em seus movimentos. Ele precisava ser mais delicado. “É apenas uma distração, Boris,” Mello disse, forçando a voz a ser leve e feminina. “A mente precisa de arte para sobreviver a este lugar. O cheiro de pólvora e o frio constante são opressores.” Boris assentiu, entendendo. Ele se aproximou, olhando os caracteres chineses no mapa. “O frio,” Boris concordou. “É o nosso companheiro constante. É irônico, não é? Vocês chineses não são conhecidos por abraçarem o inverno como nós.” “Nós abraçamos o inverno do Sul,” Mello corrigiu. “Mas este Norte... a neve, ela é implacável.” “Implacável,” Boris repetiu, quase poeticamente. “Mas é a nossa aliada. A Grande Rússia é feita de gelo e neve. É a nossa defesa, a nossa força.” Ele fez uma pausa, os olhos azuis fitando um ponto na lona, como se estivesse olhando através dela para a imensidão branca lá fora. “Eu estava no posto de vigia mais cedo, observando além da linha de frente. Percebemos que o seu acampamento, do lado chinês, está muito irritado,” Boris relatou, voltando o olhar para Mello. Mello franziu a testa ligeiramente. “Irritados? Por quê?” “Por causa da neve. Mais uma nevasca forte está chegando. Eles estão tentando lutar contra ela, movendo suprimentos, tentando limpar as estradas. É um esforço inútil. A natureza não pode ser conquistada.” Boris riu, um som rouco e caloroso. “Aqui, preferimos que a natureza faça o seu trabalho,” ele explicou. “É a estratégia do Capitão Nyon. O inverno é o nosso escudo. A neve impede os ataques de surpresa, congela os suprimentos deles, esgota a moral. Por que lutar contra o que nos protege?” Mello considerou isso. O princípio de *Wei Wu Wei*, Ação Sem Ação. Não lutar contra a corrente, mas usá-la. Era uma filosofia de guerra surpreendentemente taoísta para um russo. Ou talvez fosse apenas o pragmatismo brutal de Nyon. “Parece... sábio,” Mello concordou, a sua voz revelando uma ponta de admiração. “É a nossa vida. Vivemos em harmonia, ou morremos,” Boris disse simplesmente. Mello parou de traçar um caractere no meio do caminho, o pincel pairando sobre o papel. A menção da neve, da fúria do inverno, trouxe de volta a lembrança vívida daquele momento fatídico que o levara ali. A nevasca que o engoliu. Ele baixou o pincel. Olhou para o seu ombro esquerdo. A cicatriz não existia, mas a memória estava gravada. A humilhação. “Eu... eu fugi por causa disso,” Mello confessou, a sua voz era um murmúrio, quase inaudível. Boris inclinou a cabeça na direção de Mello, esperando que ele continuasse. Dimitri estava longe, na outra extremidade da tenda, absorto em revisar seus medicamentos. “Fugiu de quê, Aimee?” perguntou Boris, com uma gentileza infinita. Mello juntou as mãos, o calor do pincel ainda nelas. Ele tinha que contar a verdade de sua *emoção*, se não de seus *fatos*. Era a única forma de Boris continuar a servi-lo com tal fervor protetor. “Do meu irmão. E da natureza,” Mello corrigiu-se apressadamente, voltando à história bem ensaiada de como se perdeu na nevasca. “Ele era... rude. Ele era meu único parente aqui, e ele era meu protetor. Ele não entendia porque eu precisava ser tão... cuidadosa. Ele me tratava com desprezo pela minha fragilidade.” A história era verdadeira em sua essência. Seu irmão, um soldado chinês, havia treinado com ele lado a lado, mas nunca conseguia entender por que *Liu Nuan* tinha que assumir a persona de *Aimee*. Ele desprezava Mello pelas suas “maneiras femininas” e pela sua “fraqueza evidente”. Ele achava que Mello deveria estar em casa, e não no campo de batalha. “Naquele dia, estava chegando a primeira grande nevasca,” Mello continuou, a sua voz estava embargada por uma tristeza que não era totalmente forçada. “Eu estava preocupada com ele. Ele estava esgotado, irritado com a falta de suprimentos, e eu pensei que pudesse ajudá-lo. Não sei como, mas eu queria que ele soubesse que eu estava ali.” Mello respirou fundo. Ele podia sentir o momento quase como se estivesse lá. O vento açoitante, o rosto de seu irmão retorcido pela raiva, o frio entrando nos ossos. “Eu perguntei se poderia fazer alguma coisa, qualquer coisa, para aliviar o seu fardo. E meu irmão,” Mello disse, engolindo em seco, a lembrança da ironia cortante do irmão voltando. “Ele estava tão exausto, tão furioso com a nevasca iminente que, pensando que era o pico da insolência, ele gritou comigo.” Mello olhou para Boris, os seus olhos transmitindo a dor. *Liu Nuan* sentia o peso daquela humilhação ainda. “Ele gritou que eu só poderia ajudá-lo se eu... se eu conseguisse fazer parar de nevar,” Mello disse, deixando escapar a última parte da frase em um sussurro magoado. O silêncio que se seguiu foi preenchido com a respiração lenta de Sergey e o barulho discreto de Dimitri mexendo nos frascos. “E isso foi o fim?” Boris perguntou, sua voz baixa e cheia de simpatia. Mello assentiu, os seus lábios tremendo ligeiramente. “Sim. Foi o fim. Eu me senti ofendido, Boris. Ofendido e inútil. Eu sempre dei tudo de mim para ajudar, para cumprir o meu dever, e naquele momento, eu senti que tudo tinha sido em vão. Como se a minha presença, a minha ajuda, fossem apenas um fardo, uma piada.” Mello estava falando do seu dever sagrado como *Liu Nuan*: o dever de servir. A servidão era o seu combustível. Se a servidão era rejeitada, ou pior, ridicularizada, o seu poder estava em risco. A crítica do irmão atingiu o cerne da sua identidade e do seu propósito. “Eu estava tão cego pela ofensa que eu apenas corri. Para qualquer lugar. Para longe da minha utilidade diminuída. Eu fui na direção da nevasca. E ela me levou,” Mello concluiu, o gesto da mão era dramático o suficiente para Aimee, mas verdadeiro para *Liu Nuan*. Boris ouviu a história atentamente, o seu rosto barbudo e bronzeado expressando uma clara indignação. “Seu irmão é um parvo,” Boris declarou, a palavra em russo soando mais forte do que em português. “Um parvo arrogante e ingrato. Lamento que você tenha tido que passar por isso. O que ele disse foi cruel, Aimee.” Mello aceitou a simpatia com um aceno de cabeça. “Ele estava esgotado, acho. Mas as palavras ficaram. Elas me seguiram na neve.” Boris riu novamente, desta vez uma risada que era mais um resfriado alívio. Era a risada que vinha depois de ouvir algo estúpido. “Ah, Aimee, os homens! Sempre os homens estúpidos,” ele disse, balançando a cabeça. “Meu pai costumava dizer: as pessoas apenas veem o resultado final, os grandes feitos. Elas não veem o caminho que você percorreu, o esforço invisível.” Ele apontou para o mapa com seus traços de caligrafia. “Ele via a neve como um inimigo. Você é chinesa, você entende a paciência. Ele queria controlar a tempestade. Como alguém pode ser tão arrogante a ponto de pensar que pode parar a chuva? Ou a neve?” Boris olhou para Mello com uma expressão perspicaz. “Você sentiu que tinha falhado, Aimee, porque ele pediu o impossível. A sua ajuda, o seu valor, não é medido por conseguir parar a nevasca. Não se culpe pela ignorância dele. A sua humildade está em querer servir, e isso, você mostrou.” Ele se inclinou ligeiramente, o seu tom era de conselheiro experiente. “A natureza está sempre certa, Aimee. O inverno é cruel, sim, mas ele nos ensina a respeitá-lo, a nos adaptar. O seu irmão queria que o mundo se curvasse à sua vontade. Mas nós, aqui, aprendemos a nos curvar à vontade do inverno. É o que nos mantém vivos. E é a sua humildade, Aimee, que a mantém viva também.” Mello absorveu as palavras de Boris. Ele não estava apenas fornecendo um conselho paternal, ele estava inadvertidamente expressando as mesmas lições que sua mãe lhe havia ensinado sobre o poder. A humildade era sobre aceitar as limitações e trabalhar dentro do fluxo do tempo e da natureza. *A natureza está sempre certa.* A nevasca havia sido o juiz, o seu castigo. Ela o havia trazido para cá, para o lugar onde ele precisava estar, encontrando a sua nova servidão. As palavras de Boris eram a reafirmação de que sua decisão de fugir, embora impulsiva, estava alinhada com o fluxo inevitável do destino. Seu irmão, com sua teimosia, estava lutando contra a natureza. Mello estava fluindo. Mello sorriu, um sorriso genuíno desta vez. O peso da humilhação da noite anterior se dissipou um pouco mais. Ele tinha um propósito. Ele tinha um guia. E ele tinha papel e pincel. Ele pegou o pincel novamente, desta vez para traçar um caractere mais difícil, *Jing*, o caractere para paz e serenidade. O caractere que ele precisava para solidificar o *Qi* restaurado. Ele estava fazendo o seu trabalho, mesmo em repouso. “Você tem razão, Boris,” Mello concordou, a sua voz era mais forte agora, cheia de uma nova determinação. “A natureza está sempre certa.” Mello traçou o primeiro golpe de *Jing*, sentindo a concentração retornar, a energia fluir do seu braço para o pincel, para o papel. A tinta correu perfeitamente com a ponta calibrada. Ele sabia que o seu treinamento, a sua servidão, estavam de volta aos trilhos. Ele estava pronto para o que viesse a seguir.

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