Claro, aqui está a tradução para o português brasileiro: Na beira da cidade, onde o asfalto terminava e começava um terreno baldio, havia um velho galpão. A tinta nas paredes tinha descascado há tanto tempo que já não dava para lembrar de que cor era. A porta pendia por uma única dobradiça, o canto inferior se arrastava pelo chão, deixando um sulco semicircular na lama. Lá dentro, cheirava a palha mofada, excremento de rato e umidade. O frio se infiltrava pelas frestas nas paredes, embora o inverno estivesse apenas começando. Gato-Cachorro estava sentada no parapeito da janela, olhando para fora. Cinza, suja, com o pelo ralo num dos flancos. Uma gata comum, se não fosse pelo rabo — era comprido, como o de um vira-lata. E às vezes ela latia. Não miava, latia mesmo. Curto, rouco, como se algo estivesse preso na garganta. Os vizinhos já tinham se acostumado, nem se viravam mais quando ouviam. — As bolotas acabaram — disse Hemingway. Ele estava sentado num canto, sobre um saco velho de ração, remexendo no bolso de seu colete puído. O porquinho era rosa, ou melhor, um dia tinha sido rosa, mas agora estava simplesmente sujo, com manchas cinzentas nos flancos. Seus olhos eram inteligentes, alertas. — Onde é que você arruma isso no inverno? — perguntou Gato-Cachorro, sem se virar. Continuou olhando pela janela, para o terreno baldio onde o vento carregava pedaços de jornal. — Eu faço estoque — Hemingway tirou algum lixo do bolso, olhou e guardou de volta. — Coleto no outono, escondo. Mas o estoque acabou. Sofia estava pousada numa viga sob o teto, no canto mais escuro do galpão. A coruja era velha, as penas haviam caído em alguns lugares, revelando pedaços de pele nua. Um dos olhos estava sempre semicerrado, como se ela estivesse constantemente insatisfeita. — Temos que ir ao parque — disse ela, sem abrir o olho semicerrado. — Lá tem carvalhos. Debaixo da neve vocês ainda devem achar, se procurarem direito. — Está frio — resmungou Hemingway, e coçou o focinho com um casco sujo. — Então fique sem bolotas — Sofia virou a cabeça cento e oitenta graus, olhou para a parede atrás de si, e depois de volta. Fazia isso às vezes, sem motivo algum. A porta rangeu e Saltador entrou correndo no galpão. Sacudiu-se, e neve voou de suas orelhas para o chão. A lebre era branca, magra, com o pelo sempre arrepiado, como se tivesse acabado de ser tirada de um monte de neve. Respirava rápido, e o vapor saía de sua boca. — Tem um homem andando por aí — disse ele, quando recuperou o fôlego. — Pelo terreno baldio. Com uma rede grande. Está caçando alguém, ou procurando. Gato-Cachorro pulou do parapeito da janela. Aterrizou suavemente, sem fazer barulho, embora o chão fosse de madeira e rangesse. — A gente? — ela se aproximou da porta, farejando. — Não sei — Saltador sentou-se nas patas traseiras, coçando atrás da orelha. — Ele só fica andando de um lado para o outro e olhando em volta. A rede dele está num pau, uma bem grande. Sofia se eriçou, as penas se arrepiaram. Ficou parecendo uma bola cinza e suja. — Esses caçadores de novo — ela estalou o bico. — Todo inverno a mesma coisa. Vêm, capturam, levam para algum lugar. — Levam para onde? — perguntou Hemingway, levantando-se do saco. — E eu vou saber? — Sofia desceu um pouco, voando para outra viga. — Ninguém volta, é só isso que eu sei. Saltador foi até a janela, ficou de pé nas patas traseiras e espiou para fora. — Ele está vindo mais perto — disse baixinho. — Direto para cá. Gato-Cachorro sentou-se perto da porta, virando-se para os outros. — Talvez a gente devesse falar com ele? — ela coçou atrás da orelha com a pata traseira. — Descobrir o que ele quer. — Falar? — Hemingway bufou. — Com um humano? Eles não escutam. — Nem todos — Gato-Cachorro se levantou, espreguiçando-se. — Alguns escutam. Se você falar do jeito certo. Sofia ficou em silêncio, observando com um olho só. Depois, assentiu. — Podemos tentar — disse lentamente. — Pior não fica. Se não der certo, a gente se espalha. O galpão tem três saídas. Os passos se aproximavam. O som da neve sendo esmagada sob as botas, uma respiração pesada. O homem parou na porta, e sua sombra se projetou no chão através das frestas. — Ei — ele chamou, em voz baixa. — Tem alguém aí? Gato-Cachorro se adiantou, sentando-se em frente à porta. Olhou para a fresta, onde se viam botas sujas e a ponta da rede. — Estamos aqui — disse ela. — O que você quer? O homem parou. Ficou em silêncio por um longo tempo. Depois, agachou-se e espiou pela fresta. — Você... fala? — a voz dele era rouca, surpresa. — Falo — Gato-Cachorro lambeu a pata e passou no rosto. — Vai escutar? Vai escutar? O homem tossiu. — Não sabia que gatos sabiam falar. — Eu não sou só uma gata — disse Gato-Cachorro. — Estou vendo — respondeu o homem. Ele se afastou da porta, endireitando-se. A rede no pau fez um barulho ao se arrastar na neve. — Me disseram que andam sumindo uns animais por esta área. Selvagens. Especialmente lebres brancas. Você não viu nenhuma? Saltador, que estava atrás do saco, encolheu-se contra a parede. Hemingway esticou o focinho, olhando para Gato-Cachorro. — Não vi — respondeu ela. — E quem é você? Um caçador? — Tipo isso — disse o homem. — Me mandaram para verificar. As pessoas reclamam que os bichos estão invadindo as hortas delas. E não só as hortas, estão entrando nas casas. É estranho. — Não tem nada de estranho — interveio Sofia, da viga. — É inverno. Está frio. O homem levantou a cabeça, olhando para a viga. — Uau. Uma coruja também. E também fala. — E um porquinho — acrescentou Hemingway, aparecendo um pouco mais. O homem deu a volta no galpão lentamente, examinando-o. — O que é isso aqui, um clube? — É a nossa casa — corrigiu Gato-Cachorro. — E a gente não gosta quando ficam andando por aqui com redes. O homem voltou para a porta. Era alto, vestia um casaco grosso e sujo. O rosto estava vermelho por causa do frio. Ele baixou a rede, encostando o pau na parede. — Tá bom. Vou guardar a rede. Mas me digam onde estão as lebres. Preciso entregar um relatório. — Não tem lebres — disse Gato-Cachorro com firmeza. — Estamos sozinhos aqui. Vá embora. O homem tirou um maço de cigarros amassado do bolso e acendeu um. A fumaça entrou pelas frestas. — E se eu não for? — Então você vai ouvir um latido — avisou Gato-Cachorro. — Bem alto. E bem desagradável. Os vizinhos não gostam. O homem deu uma tragada e cuspiu na neve. — Não gosto de ser ameaçado. Especialmente por gatos. — Eu já disse, não sou só uma gata. O homem deu um sorrisinho e jogou a bituca na neve. — Certo. Vamos ver. Ele pegou a rede e empurrou a porta com o pé. A dobradiça rangeu e a porta se abriu com tudo. O ar gelado invadiu o galpão, levantando a poeira do chão. Gato-Cachorro recuou um passo, o pelo da sua nuca se eriçou. Ela abriu a boca e latiu. Alto, ríspido, nada felino. O som era estranho, errado, como se fossem duas vozes ao mesmo tempo — um guincho de gato e um latido de cachorro. O homem congelou na entrada. A rede caiu de suas mãos e pousou na neve. — Mas que... — ele recuou. Sofia voou da viga, circulando sobre a cabeça dele. As asas faziam um som sibilante, e penas caíam. Ela batia o bico, emitindo sons agudos e penetrantes. Hemingway saiu correndo do canto e ficou ao lado de Gato-Cachorro. Começou a grunhir, alto e prolongado. Saltador saltou de trás do saco, pulando ao redor do homem, levantando neve com as patas traseiras. O homem deu mais um passo para trás, tropeçou na rede e quase caiu. — Tá bom, tá bom — ele levantou as mãos. — Entendi. Estou indo embora. Gato-Cachorro parou de latir, mas seu pelo não baixou. Ela ficou sentada, sem tirar os olhos do homem. — E não volte mais — disse ela, em voz baixa. — Não tem ninguém aqui. Entendeu? O homem assentiu, pegou a rede, deu meia-volta e se afastou. Rápido, quase correndo. O som da neve sob suas botas foi ficando cada vez mais baixo, até silenciar por completo. Saltador foi o primeiro a voltar para o galpão e sentar-se no saco, respirando pesadamente. — Funcionou — disse ele.

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