A cidade ainda dormia, a não ser por alguns postes de luz que permaneciam acesos ao longo da rua vazia. A escuridão era tanta que as árvores pareciam apenas manchas pretas contra o fundo cinza do céu. O frio cortava até os ossos, embora ainda faltassem uns dois meses para o inverno, mas o outono este ano decidiu mostrar a que veio mais cedo.
Na esquina, perto da lixeira, estava sentada uma vira-lata. Ruiva, suja, com o pelo ralo em um dos flancos. Ela estava sentada e olhava para um ponto fixo, como se esperasse por alguém. Depois, levantou-se, contornou o contêiner e agachou-se bem no meio da calçada. Fazia suas necessidades sem pressa, porque não tinha para onde ir.
Do portal do prédio em frente saiu um cara de agasalho. Ele olhou para a cachorra, balançou a cabeça e continuou pela rua, enfiando as mãos nos bolsos. Provavelmente, estava indo para o trabalho, embora não fossem nem seis da manhã. Ou voltando do turno da noite. Não dava para saber. Ele passou pela cachorra sem sequer tentar enxotá-la ou dizer algo. Apenas passou, como se fosse assim mesmo.
A cachorra terminou o que estava fazendo e trotou em direção a outra entrada de prédio. Ali havia latas de lixo, e ela começou a farejar a base delas, procurando algo comestível. Encontrou uma casca de pão, abocanhou-a e afastou-se para comer em paz.
O céu começou a clarear, mas muito pouco. O dia prometia ser cinzento e pouco acolhedor.
Da esquina surgiu um mendigo com um casaco rasgado, que um dia fora azul e agora era apenas sujo. Ele arrastava um saco plástico cheio de garrafas. Viu a cachorra, parou e agachou-se.
— Ei, ruiva — disse ele, estendendo a mão. — Divide aí?
A cachorra levantou o focinho da casca de pão e olhou para ele. Então, para a completa surpresa do mendigo, abriu a boca e disse com uma voz grave e limpa:
— Siga seu caminho, velhote. Mal dá pra mim.
O mendigo ficou paralisado. Piscou várias vezes, como se estivesse verificando se ainda não estava dormindo. Depois, esfregou os olhos com a palma da mão suja e olhou novamente para a cachorra.
— Você... fala?
— Falo — a cachorra mastigava o pão, sem lhe dar muita atenção. — Por que está me encarando? Nunca viu um cachorro antes?
— Falante, não — o mendigo sentou-se diretamente na calçada, sem se preocupar em molhar as calças. — Será que eu bebi demais?
A cachorra bufou e terminou de comer a casca. Lambeu os beiços e olhou para o mendigo com uma certa curiosidade, embora seus olhos ainda demonstrassem indiferença.
— Não bebeu demais. Eu realmente falo. Embora, para ser sincera, nunca tenha precisado muito disso antes. As pessoas não escutam de qualquer maneira. Só exigem alguma coisa ou me enxotam.
O mendigo ficou em silêncio, processando o que tinha ouvido. Depois, enfiou a mão no bolso do casaco e tirou um cigarro amassado.
Acendeu, deu uma tragada e ofereceu o cigarro à cachorra.
— Toma — disse ele. — Talvez ajude.
A cachorra recuou, como se ele lhe oferecesse veneno.
— Você está maluco? — ela até torceu o focinho. — Isso faz mal à saúde. Câncer de pulmão, enfisema, doenças cardiovasculares. Hoje em dia todo mundo sabe disso, velhote. Fumar é se matar lentamente.
O mendigo tirou o cigarro da boca e olhou para ele, depois para a cachorra.
— Você está falando sério? Me dando um sermão? Uma vira-lata?
— E por que uma vira-lata não pode estar a par das coisas básicas? — a cachorra sentou-se mais confortavelmente, enrolando o rabo em volta das patas. — A informação está em toda parte hoje em dia. As pessoas falam na rua, passa na TV nas vitrines das lojas. Eu escuto, memorizo. Você é que não presta atenção, por isso vive como vive.
— Bem, obrigado por me esclarecer — o mendigo deu outra tragada, desta vez com um certo desafio. — Então eu sou o ignorante, o ultrapassado, que não sabe o que é certo. E você entende de tudo, é isso?
— Não de tudo — a cachorra coçou atrás da orelha com a pata. — Mas das coisas básicas, sim. Fumar faz mal. Beber também. O lixo precisa ser separado. A ecologia é importante. Não fui eu que inventei isso, falam em todo lugar.
O mendigo balançou a cabeça e sorriu.
— O mundo enlouqueceu, se até os cachorros agora são mais espertos que as pessoas.
— Não mais espertos — a cachorra levantou-se e se espreguiçou. — Apenas mais atentos. Vocês vivem nessa correria, não percebem nada. Eu observo.
De repente, o céu rachou.
Não metaforicamente, mas literalmente — como vidro atingido por uma pedra. O mendigo inclinou a cabeça para trás e viu uma linha preta que se estendia do horizonte por todo o céu, dividindo-o em duas partes. Não houve som algum, apenas um silêncio que pressionava os ouvidos.
— Você está vendo isso? — ele apontou com o dedo para cima.
A cachorra levantou o focinho e olhou para a fenda. Depois, baixou o olhar de volta para o mendigo.
— Estou. E daí?
— Como assim, e daí?! — o mendigo pulou de pé, o cigarro caindo de seus dedos. — O céu se partiu!
— É, se partiu — a cachorra bocejou, mostrando seus caninos amarelados. — Talvez comecem alguma reforma. Ou simplesmente quebrou de vez. Eu não disse que o mundo ficou estranho?
A fenda se alargava. Lentamente, como se alguém invisível puxasse as bordas para lados opostos. Da fenda começou a vazar uma luz azul, não brilhante, mas sim fosca, como a de uma televisão antiga.
— Isso não é normal — o mendigo recuou em direção à parede do prédio. — Isso não pode estar acontecendo.
Da fenda jorrou água. Não gotas, nem filetes — um fluxo contínuo que desabou sobre a rua com uma pressão tal, como se alguém tivesse aberto uma torneira gigante na potência máxima. A água era fria e tinha um cheiro estranho — não de peixe, nem de lodo, mas algo metálico.
O mendigo saiu do seu torpor, virou-se e correu para a entrada do prédio mais próxima. Largou o saco de garrafas na calçada, pois era a última coisa em que pensava agora. A água já encharcava seus sapatos, tão fria que seus dedos dos pés ficaram dormentes na mesma hora.
A cachorra permaneceu no lugar, observando o fluxo que escorria do céu. Ela não se movia, embora a água já chegasse à sua barriga. Apenas ficou ali, observando, como se fosse uma chuva comum, e não um acidente cósmico.
— Ei, ruiva! — gritou o mendigo debaixo da marquise da entrada. — Vem pra cá, você vai se afogar!
A cachorra virou a cabeça em sua direção. Depois olhou de volta para a fenda no céu, de onde a água continuava a jorrar. O nível subia rápido — em um minuto, chegaria aos joelhos.
Do quarto andar, um menino de cinco anos chamado Robert observava tudo. Ele estava na janela, com seu pijama com estampa de cercas, olhando para a rua com o nariz pressionado contra o vidro frio. Sua mãe dormia no quarto, seu pai estava no trabalho há uma semana, pois trabalhava por escala em um lugar distante. Robert acordou cedo porque queria ir ao banheiro, mas depois de ir, decidiu não voltar para a cama.
Ele ouviu tudo desde o início. A janela estava entreaberta, porque sua mãe dizia que era preciso dormir com o quarto arejado, mesmo quando estava frio. Robert ouviu a cachorra conversando com o tio do casaco sujo. No início, ele pensou que eram duas pessoas discutindo, mas depois distinguiu o pelo ruivo e percebeu que um deles era um cachorro.
Era estranho, mas não a ponto de assustá-lo. Robert, na verdade, não entendia muito bem por que os adultos sempre se assustavam com coisas estranhas. Se um cachorro sabe falar, então ele sabe, e pronto. Talvez ele tenha ido à escola um dia, ou aprendido sozinho.
Quando o céu começou a rachar, Robert pressionou a testa com mais força contra o vidro. Realmente não havia som, apenas um silêncio que pressionava os ouvidos a ponto de dar vontade de bocejar. A fenda se movia lentamente, mas Robert via como ela se espalhava para os lados, como se alguém invisível estivesse puxando as bordas.
Depois, veio um cheiro de metal. Forte e desagradável, como se alguém tivesse trazido pregos enferrujados para o quarto e os colocado bem debaixo do seu nariz. Robert fez uma careta, mas continuou a olhar. A água começou a cair de algum lugar lá de cima, da própria fenda, e o tio de casaco correu para a entrada do prédio, largando seu saco. A cachorra ficou parada no lugar.
Robert pensou que a cachorra era ou muito corajosa, ou simplesmente boba. A água já estava na altura de sua barriga, e ela nem se mexia.
Sua mãe o chamou do quarto. A voz dela estava sonolenta e irritada.
— Robert, por que não está dormindo? Venha para cá, vai pegar um resfriado aí na janela.
Ele queria dizer que lá fora havia uma cachorra falante e que o céu tinha rachado, mas sabia que sua mãe não acreditaria. Os adultos raramente acreditam no que as crianças dizem, mesmo quando é verdade. Eles sempre pensam que a criança inventou alguma coisa ou sonhou.
— Já vou — ele respondeu, mas continuou na janela por mais alguns segundos.
A água subia rápido. Já estava acima dos joelhos da cachorra, que finalmente se moveu e começou a nadar. Devagar, como se não se importasse se ia se afogar ou não. Apenas remava com as patas, mantendo o focinho acima da água, e se movia em direção a uma entrada de prédio do outro lado da rua.
Robert pensou que a cachorra estava fazendo a coisa certa. Nadar era melhor do que ficar parado esperando a água cobrir sua cabeça. Embora ele não entendesse de onde vinha tanta água e para onde ela iria depois. O sistema de esgoto não daria conta, isso era óbvio até para ele.
— Robert! — sua mãe agora quase gritava.
Ele se afastou da janela и foi para o quarto, dando uma última olhada para trás. A cachorra ainda nadava, a fenda no céu ficava mais larga e a água continuava a jorrar. Ele pensou que, provavelmente, não iria para a escola amanhã.
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